Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 25 de junho de 2012 a 01 de julho de 2012 – ANO 2012 – Nº 531Inovação na indústria microeletrônica
requer novos arranjos organizacionais
Já era tempo do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (DPCT/Unicamp) e do Grupo de Apoio à Inovação e Aprendizagem em Sistemas Organizacionais do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (Gaia/CTI) divulgarem suas ações conjuntas e se associarem para a promoção de debates de temas de interesse comum de suas respectivas instituições, temas esses de caráter geral e que definem o papel social de cada qual. Um desses temas, inclusive da maior relevância em face das atuais políticas brasileiras de ciência, tecnologia e inovação, trata do reconhecimento da contribuição, e também dos obstáculos enfrentados por instituições de pesquisa, sejam públicas ou privadas, e instâncias governamentais, para a articulação de arranjos interorganizacionais inovativos que sejam funcionais para promover a competitividade empresarial e o bem estar social.
Concebido para fomentar discussões multidisciplinares e tendo como problemática orientadora a gestão de arranjos cooperativos para a inovação, como destacado no parágrafo anterior, ocorreu no dia 21 de março do presente ano o evento “Gestão para a inovação na indústria eletrônica: ecossistemas organizacionais e capital intelectual”. O evento inseriu-se na série Fóruns Permanentes, promovida pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU/Unicamp), cujo objetivo maior tem sido o de aproximar a comunidade interna de pesquisa da Unicamp com sua congênere externa, provocando assim sinergias em suas pesquisas e empreendimentos.
Participaram, na qualidade de expositores e debatedores dos temas propostos para o Fórum, pesquisadores do CTI, pesquisadores da área de Gestão Tecnológica do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), docente e pesquisadores egressos do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Esses egressos, já engajados nas articulações desenvolvidas conjuntamente pelas instituições promotoras do evento, ao tempo em que colocam em prática a formação recebida no DPCT também adquirem experiências variadas ao integrarem-se em atividades de pesquisa desenvolvidas pelo Grupo de Apoio à Inovação e Aprendizagem em Sistemas Organizacionais do CTI, grupo que se associou à Unicamp também no oferecimento da infraestrutura necessária a realização do fórum em pauta.
Os representantes das instituições que compareceram ao Fórum mostraram forte convergência nos interesses de pesquisa e no diagnóstico das estratégias necessárias para a gestão da política tecnológica de suas instituições e da indústria como um todo. Mais ainda, ficou bem demonstrado que as portas estão abertas em diversas instituições setoriais para a realização de pesquisas e projetos de interesse comum e que contribuições relevantes podem ser construídas por meio de parcerias voltadas à discussão interdisciplinar de problemas de política científica, tecnológica e de inovação, como a parceria DPCT/Gaia bem demonstrou no evento.
A existência de diversos centros de pesquisa envolvidos com a indústria eletrônica no entorno de Campinas proporcionou ao fórum também se tornar agente de fomento para a celebração de parcerias regionais preocupadas em debater as consequências sociais das pesquisas aqui desenvolvidas, sempre enfatizando uma perspectiva multidisciplinar. Para que essa perspectiva venha frutificar, entretanto, ficou patente a necessária chamada aos debates de experts de diferentes campos do conhecimento. Esses, tanto profissionais envolvidos com as “ciências duras”, até então dominantes na condução do setor, tanto especialistas da área de humanas indispensáveis para a compreensão da transformação social, teriam por objetivos entender como os avanços tecnológicos gerados nas universidades e institutos de pesquisa poderiam resultar em ganhos econômicos e sociais ao povo brasileiro.
Uma vez apresentado o objetivo motivador do Fórum e assumida a orientação pela aludida perspectiva multidisciplinar, pode-se diagnosticar que foi privilegiada a discussão de questões atinentes à gestão de sistemas de produção de eletrônicos, indústria classificada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) como sendo de alta intensidade tecnológica. Dentre essas questões, o foco recaiu sobre o subsistema de produção de componentes microeletrônicos, o mais intensivo em pesquisa e desenvolvimento e responsável pela agregação da maior parcela do valor gerado pela indústria eletrônica.
A intensidade em P&D e a alta agregação de valor podem ser atribuídas, entre outras, ao fato de os sistemas microeletrônicos estarem presentes, mesmo que sejam à sombra, em um sem número de equipamentos nas mais diversas áreas de atividade, sendo essa uma tendência crescente diante da “ubiquidade” de sistemas de comunicação e à incorporação de funcionalidades eletrônicas em diversos bens de capital e consumo. Não é por acaso que pesquisadores do campo da economia da tecnologia e inovação, tais como Christopher Freeman, Carlota Perez, Bengt-Åke Lundvall e Giovanni Dosi, para citar apenas alguns expoentes, costumam apresentar a microeletrônica como a nova revolução tecnológica, determinante de um novo paradigma de tecnologia industrial.
Outros pensadores, como Teilhard de Chardin e Kenneth E. Boulding consideram que a circulação da informação propiciada por sistemas microeletrônicos constitui um novo patamar evolutivo da humanidade, que passou da apropriação da geosfera e da biosfera à apropriação da noosfera, espaço até bem pouco reservado às elevações espirituais e ao vagar das almas, segundo um plano mais abstrato.
Deixando de lado a metafísica e retornando à microeletrônica na geosfera mesmo, em termos de política científica e tecnológica nacional, brasileira, o debate a respeito da gestão de políticas tecnológicas para a indústria de microeletrônica mostra-se relevante por pelo menos três razões, todas interligadas. Em primeiro lugar, pelo caráter incipiente da indústria de microeletrônica no Brasil, suprida mormente por componentes importados, situação que coloca o país em patamar bem inferior a outros países. Em segundo lugar, pela relevância macroeconômica dessa indústria, visto que em 2008 a importação de componentes microeletrônicos respondeu por nada menos que 10,3% de todas as importações brasileiras. E para finalizar, em terceiro lugar, devido à recente ênfase dada à microeletrônica nas políticas governamentais. Essa pode ser avaliada considerando-se o lançamento do Programa Nacional de Microeletrônica (PNM) em 2002, considerando-se a inclusão da produção de semicondutores entre as prioridades da política industrial, tecnológica e de comércio exterior (PITCE) em 2004, considerando-se o lançamento do Programa Nacional de Formação de Projetistas de Circuitos Integrados (CI-Brasil) em 2005 e os investimentos governamentais na fábrica de chips denominada Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), em 2008, além do lançamento nesse mesmo ano do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) e da fundação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Micro e Nanoeletrônicos (INCT-Namitec).
Tema de abordagem recorrente há décadas, tema de muitas pesquisas e diagnósticos para fundamentar o lançamento de programas e medidas de incentivos urgentes sempre que a política industrial brasileira está em foco, a indústria microeletrônica nacional de certa forma parece questionar a funcionalidade dos esforços de C,T&I implementados para o fortalecimento do ecossistema de microeletrônica que integra, ecossistema esse fundamental para o adensamento tecnológico da indústria eletrônica no Brasil.
No evento, atenção especial foi dada pelos expositores à criação de arranjos cooperativos que promovam o crescimento desse ecossistema. Emprestado da biologia, o termo “ecossistema” foi incorporado aos que se referem aos recursos organizacionais da microeletrônica para mostrar como as instituições científicas, tecnológicas, regulatórias e de mercado podem vir a ser articuladas por intermédio de políticas visando induzi-las a inovar. No bojo desse sistema organizacional, como não poderia deixar de ser, as questões pertinentes ao uso adequado do capital intelectual dessas instituições foram muito enfatizadas. Melhor dizendo, foi destacada a necessidade de disseminar a competência dos recursos humanos de cada uma das instituições constituidoras do ecossistema organizacional da indústria microeletrônica nacional por meio do ecossistema como um todo em benefício do fortalecimento da indústria.
O teor das discussões ocorridas no evento enfatizou as colaborações interdisciplinares e multiorganizacionais como um poderoso instrumento para a busca de soluções de problemas sistêmicos, cuja complexidade exige um formato plural em suas abordagens.
Registre-se, ainda, que durante a realização do evento, foi apresentada uma coletânea de artigos referentes a ecossistemas na indústria microeletrônica, escritos por autores de diversas instituições. Essa coletânea, intitulada “Gestão da Sustentabilidade Organizacional: desenvolvimento de ecossistemas colaborativos”, serviu de inspiração a parte dos debates do Fórum e está disponível para download gratuito na página de internet do Gaia/CTI.
Newton Müller Pereira é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp; Adalberto M. M. de Azevedo é professor do bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC; Marco Antonio Silveira e Marília Tunes Mazon são pesquisadores do Grupo de Apoio à Inovação e Aprendizagem em Sistemas Organizacionais do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (Gaia/CTI)
Comentários
Parabéns
Evento muito relevante e esclarecedor!