Edição nº 531

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de junho de 2012 a 01 de julho de 2012 – ANO 2012 – Nº 531

Uma aposta de risco?

Estudo aponta problemas no fato de a Europa
ser o maior comprador da soja produzida no Brasil

 

O Brasil é atualmente o principal fornecedor de soja para a Europa e, em 2009, o país forneceu cerca de 60% da leguminosa importada pelo continente. Tal especialização no mercado europeu – o qual, por razões predominantemente culturais, sempre deu preferência à soja convencional em detrimento da geneticamente modificada – ainda hoje representa um risco à economia do país, já que a soja é seu principal produto de exportação agrícola. Com a crise mundial de 2008, por exemplo, o baixo dinamismo da economia europeia causou um desaquecimento da demanda por soja, explicando em parte a queda de 25% na produção brasileira na média entre 2007-2009.

Paulo Ricardo da Silva Oliveira, mestre em desenvolvimento econômico pelo Instituto de Economia (IE) da Unicamp, acredita que esta especialização pode ser uma desvantagem comercial para o Brasil, já que o mercado europeu, apesar de ainda pagar mais caro pela soja convencional, é maduro e não está em expansão como o asiático, dominado por EUA e Argentina. Na dissertação de mestrado intitulada “Os organismos geneticamente modificados e os impactos no comércio internacional agrícola: um estudo de caso da soja”, o pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola (NEA) do IE explica que, em 1996, a introdução da soja transgênica no mercado consumidor alterou completamente o cenário de compra e venda da commodity entre os principais produtores – EUA, Argentina e Brasil – e compradores – Europa e Ásia. A dissertação foi orientada pelo professor José Maria Ferreira Jardim da Silveira.

“O Brasil não produziu transgênico, oficialmente, até 2005. Isto confere ao país uma imagem positiva frente ao mercado consumidor europeu – ao contrário dos EUA e Argentina, que adotaram a tecnologia desde o início. O posicionamento contrário do Brasil aos organismos geneticamente modificados acarretou uma reestruturação global das origens e destinos dos fluxos do comércio mundial de soja”, afirma Oliveira.

Em 1961, por exemplo, os EUA detinham praticamente 100% do mercado europeu e, a partir de 1996, começam deslocar sua produção para a China, país onde não há rejeição aos transgênicos. “Pelo contrário, a população vê com bons olhos e prefere a variedade geneticamente modificada dos grãos, por acreditar que são melhorados e, portanto, mais nutritivos, como é o caso do Golden Rice”, revela Oliveira. Para ele, este fato se deve à estratégia do governo chinês de ressaltar as vantagens dos organismos geneticamente modificados (OGM) e aponta para a necessidade de se trabalhar a percepção dos consumidores em relação à tecnologia.

Nos países europeus, entretanto, a forte atuação de grupos contrários aos transgênicos, como Greenpeace e ETC Group, é vista pelo pesquisador como o fator determinante para a formação de opinião negativa da população em relação aos OGM. “A introdução da soja transgênica no mercado ocorre na mesma época de grandes escândalos sanitários, como o mal da vaca louca, e isto também impacta negativamente a percepção do consumidor europeu sobre o produto”, lembra.

Tal rejeição, entretanto, apresenta atualmente sinais de enfraquecimento diante dos elevados preços da soja convencional – resultado do rápido avanço da adoção tecnológica no Brasil desde 2005. A pesquisa de Oliveira revela, todavia, que a estrutura de mercado não apresentou, até então, sinais de retorno ao estágio anterior a 1996, com os EUA recuperando seus mercados tradicionais, como a União Europeia. O mercado asiático continua dominado por EUA e Argentina, enquanto o Brasil tem grande parcela do mercado europeu – o que pode ser preocupante, mesmo que, atualmente, o país já destine mais de 20% do produto também para o mercado asiático.

Na visão do pesquisador, estamos caminhando para um mundo livre de restrições aos transgênicos, devido à força econômica e ao imenso poder acumulado por grandes sementeiras como Monsanto, Syngenta, DuPont, Bayer CropScience, Dow Agroscience, entre outras;  a mudança na percepção dos consumidores, tende a se acentuar com a criação de transgênicos com melhores atributos nutricionais e a elevação dos custos do produto convencional.

Neste cenário – em que as top 10 da indústria de sementes dominam 73% do mercado global – o Brasil estaria atrasado no que tange à pesquisa e desenvolvimento de novas variedades transgênicas – reflexo da histórica especialização do país no mercado europeu de soja convencional. Ele analisa que, caso haja a adoção do “padrão China” para o mundo (no qual os transgênicos e suas sementes nutricionalmente melhoradas sejam adotadas sem restrições e até mesmo preferidas ao invés das convencionais), os países então comprariam dos exportadores que conseguissem oferecer o menor preço – “e quem consegue oferecer o menor preço são os países que saíram na frente com a pesquisa e com a produção dessas variedades”, afirma.

Segundo ponto de vista do especialista, o Brasil teria demorado muito para se posicionar diante da tecnologia. “Hoje poderia haver grandes empresas nacionais produzindo transgênicos, mas há somente resultados com a Embrapa, que tem uma variedade de soja em parceria com uma empresa multinacional. Uma alternativa para o Brasil teria sido avançar na pesquisa com transgênicos desde 1996, mesmo sem adotar a produção ainda naquela época”, afirma.

Para o economista, este cenário que temos hoje, das grandes sementeiras e da difusão tecnológica, “não tem volta, pois os transgênicos estão completamente enraizados na cadeia de produção de alimentos. Acabei de voltar de uma pesquisa de campo no interior do Maranhão e havia produtores de médio e pequeno porte utilizando milho geneticamente modificado. Esta realidade é ainda mais visível no Estado de São Paulo, onde os produtores de pequeno e médio porte são ainda mais tecnificados”, conta Oliveira.

 

A influência

da demanda

 

Segundo Oliveira, não houve restrição legal por parte da União Europeia à primeira variedade de soja transgênica quando a Monsanto introduziu em 1996 as primeiras sementes resistentes a herbicida no mercado, chamada de MON-40-3-2. Isto revelaria que o fluxo de comércio se alterou devido a uma rejeição declarada de demanda e não como consequência de restrições legais ou regulação impostas pelo governo – evidência que coloca em questionamento o modelo de investigação de grande parte dos teóricos em economia que pesquisam sobre o assunto.

“Grande parte dos trabalhos foca na questão da regulação como algo que influenciou os fluxos de comércio, mas quando se analisa o caso da soja, é possível perceber que é a opinião do consumidor que conta, e não a regulação”, diz. Ele pretende pesquisar esta questão no doutorado, “pois ela inverte a lógica de pesquisa sobre este assunto até o momento – vou investigar mais sobre a influência da demanda nos fluxos de comércio”.

O método quantitativo Constant Market Share ou Modelo de Parcela de Mercado, utilizado na tese para a análise dos fluxos comerciais, permite decompor o crescimento ou decrescimento da parcela de mercado de um país em três efeitos: crescimento do comércio mundial, crescimento da absorção do destino e competitividade. No decorrer do estudo, entretanto, foi necessário introduzir um conceito de competitividade relativa, pois considerou-se que a definição de competitividade é mutável no tempo e no espaço.

Entre 1996 e 2003, por exemplo, o Brasil aumentou em 114% suas exportações de soja para o mercado europeu, pois nesta época houve a consolidação da rejeição, por parte da União Europeia, à tecnologia então adotada pelos EUA e Argentina – ou seja, a tese aponta que o expressivo aumento do market share brasileiro durante aqueles anos foi consequência do efeito competitividade. Porém uma questão que se coloca é o quão competitivo é o país atualmente e que tipo de vantagem financeira o Brasil obteve por ter adotado tardiamente a produção de transgênicos.

Para Oliveira, estudos que analisem o comportamento dos fluxos de comércio nos próximos anos serão de extrema importância para responder essas questões. “Certamente, o comportamento dos mercados asiáticos e o avanço na adoção pelos produtores no Brasil – hoje estima-se que 85% da soja nacional é transgênica –  tem muito a dizer sobre o futuro do comércio internacional de soja”, finaliza o especialista.

 

Publicação

Dissertação: “Os organismos geneticamente modificados e os impactos no comércio internacional agrícola: um estudo de caso da soja”
Autor: Paulo Ricardo da Silva Oliveira
Orientador: José Maria Ferreira Jardim da Silveira
Unidade: Instituto de Economia (IE)