Edição nº 535

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 13 de agosto de 2012 a 19 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 535

Os giros de
‘Amaury da dança’

Funcionário da Unicamp desde 1977,
dançarino dá aulas nas unidades

Perfil


Se perguntar a qualquer pessoa sobre Amaury Fernandes, talvez ela não saiba responder, mas experimente procurar por “Amaury da dança”. Assim ficou conhecido o funcionário dançarino do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) desde que deixou de ser o Amaury da Educação, faculdade em que iniciou suas atividades como guardinha na Unicamp. Lugar modesto em área física, no térreo do Ciclo Básico 1, mas repleto de personalidades que Amaury se sente honrado em ter conhecido, como Paulo Freire, Rubem Alves, Luiz Carlos de Freitas, Hilário Fracalanza, Ezequiel Teodoro da Silva, Sueli Bonato, Marina Paranhos e muitos outros, entre eles Márcia Strazzacappa,  que foi sua concorrente no vestibular para a primeira turma do curso de dança da Unicamp.  “Na prova de aptidão, fiquei em segundo lugar, mas meu desempenho não foi bom em física e matemática, acabei ficando de fora”.

A não-aprovação no vestibular, porém, não fez com que Amaury se sentisse menos dançarino. A arte que começou em matinês e mais tarde em bailes noturnos começou a ganhar contornos profissionais com seu ingresso no grupo cênico Liberdade, Canto e Dança, criado em 1983, em Campinas, com o objetivo de difundir a cultura negra. Neste grupo, ele atuou por dois anos, ao lado de outros amigos da Unicamp, Jayme Souza Filho e Silva Helena Zeferino e mestre Jacinto, que, apesar de ser funcionário, acabou sendo contratado como dançarino popular para ministrar aulas de capoeira no Departamento de Artes Corporais do Instituto de Artes (IA).

Em seguida, Amaury teve oportunidade de dançar no grupo Urucungos, Puítas e Quijêngues, formado pela professora do curso de artes cênicas da Unicamp Raquel Trindade. “Era curso de extensão. Chegamos a dançar no Circo Voador, no Memorial da América Latina. Muitas pessoas que trabalhavam com cultura negra na cidade fizeram parte desse grupo”, relembra. Antes, havia trabalhado também como grupo Nó na Garganta. De 1993 a 1995, Amaury ficou responsável pelas aulas de dança de salão da Academia Lina Penteado. Hoje, afirma que sua didática foi tirada da experiência com teatro.

Quando se tornou professora de licenciatura em dança na FE, a amiga Márcia Strazzacappa convidou-o para ministrar uma palestra a graduandos do Instituto de Artes. Na ocasião, Amaury falou sobre a experiência como professor de dança na Fundação Síndrome de Down, de Barão Geraldo, de 1997 a 2002. Durante cinco anos, Amaury dedicou o intervalo do almoço aos alunos da fundação. Lá, desenvolveu várias formas de trabalhar dança com crianças especiais, algumas delas hoje protagonistas da campanha “Ser diferente é normal”.

“O que a dança faz com você? Todo mundo dança.” Com essas frases, Amaury insistiu no desejo de transmitir os benefícios da dança a outras pessoas.  Em 1994, ele também reservava o horário de almoço para oferecer aulas de dança na Faculdade de Educação, de segunda a quarta-feira, e na Diretoria Geral de Administração (DGA) da Unicamp, às terças e quintas-feiras. Antes mesmo de algumas empresas privadas defenderem a importância de quebrar a rotina dos funcionários com ginástica laboral e outras atividades físicas, Amaury já atentava para a importância de amenizar doenças ocupacionais com atividade física, entretenimento e, principalmente, relações pessoais saudáveis. Ele recorda que na DGA, por exemplo, conseguia aproximar profissionais de diferentes cargos, inclusive a diretora, na atividade de dança. Esse resultado satisfaz Amaury, que não quer transformar seus alunos em grandes coreógrafos, mas conhecedores do próprio corpo.  “Sempre digo aos alunos que o fato de se propor a dançar significa 50% de chance de conseguir chegar ao que deseja.”

Um de meus cursos tinha o título “Relacione-se melhor. Faça dança de salão”. Mas este verbo relacionar, segundo o professor, não está voltado simplesmente para a boa convivência, mas sim na consciência do que o aluno é como pessoa e no seu meio social. Para ele, a dança de salão ajuda a se relacionar melhor, pois, por meio dela, é possível se conhecer e conhecer outras pessoas e até mesmo aprender a respeitar o espaço do outro. “Porque a dança de salão exige que existam cinco pilares: harmonia, postura, ritmo, condução e coreografia.” Durante a graduação em recursos humanos, pelas Faculdades Anhanguera, ofereceu uma palestra na qual fez essa analogia da dança de salão com a rotina de trabalho: “Tanto para a dança de salão quanto para qualquer área de atuação, se a pessoa não tiver os quatro primeiros pilares, o último não virá. Porque a coreografia é o momento em que você trabalhará o que aprendeu”, reforça. E prossegue: “Tem de ter harmonia com a pessoa e consigo. Tem de ter postura correta, ritmo, saber conduzir e ser conduzido, tem de ter criatividade”. 

Para Amaury, mais que ensinar passos, a dança de salão tem de oferecer liberdade ao aluno. “A dança de salão não pode ficar restrita a ensinar coreografias e passos e tem professor que quer que o aluno fique somente naquilo que ele está passando. Eu colocaria a dança de salão numa relação próxima à gestão de pessoas, pois estou lá como orientador, direcionando o aprendizado, mas tenho de trabalhar um de cada jeito. Tenho de arrumar didática diferente de ele aprender aquilo que eu quero passar. Sempre deixo claro que não vou às aulas para ensinar estilos. Digo: ‘Eu vou cutucar seu estilo para que você me mostre o que você está fazendo para atingir o que você quer’”, enfatiza.

É assim na dança, é assim no mundo do trabalho. Como estudante de MBA em gestão de pessoas, Amaury defende que “o líder é; e o gerente está”.  Em suas aulas, ele deixa claro aos alunos: “Vocês têm de atingir seu objetivo e o seu próprio estilo”.

Na Unicamp, o sonho de trabalhar movimentos começou com sua realocação da FE, liberado pelo então diretor Luiz Carlos de Freitas, para os Programas Educativos da DGRH (atual Dedic), onde, de 2003 a 2009, ensinou dança de salão a alunos do espaço lúdico do Prodecad e da Escola Estadual Físico Sérgio Porto. Além disso, participou por seis meses do Programa Mexa-se, voltado à prevenção de doenças e reabilitação de funcionários com problemas de saúde.

O número de doenças psicossomáticas fez com que a superintendência do HC criasse a sala de descanso do HC, e Amaury, de 2008 a 2010, mais uma vez colocou-se à disposição para desenvolver uma das atividades, mas apesar de as atividades serem o divisor de águas na vida de pessoas que sofriam de estresse e depressão, de acordo com depoimento dos alunos, mais uma vez a proposta de Amaury esbarrou na questão de interrelações. Os colegas de trabalho, segundo Amaury, não compreenderam que a “reabilitação” do trabalhador se traduziria em benefícios para a equipe. Muitas pessoas não aceitavam que o companheiro ampliasse seu horário de trabalho em alguns minutos para participar do programa. Com isso, houve gradativamente a redução do número de pessoas no grupo, até chegar ao fim.

Ele relata que quando iniciou o trabalho pediu que a administração trabalhasse a ideia com a chefia imediata, pois o ideal era que o aluno tivesse o tempo para a aula e para sua alimentação, mas algumas pessoas não entenderam a proposta de quebrar a rotina. “Assim acontece em empresas privadas que se conscientizaram da necessidade quebrar a rotina”, explica.

Pelo trabalho realizado em prol da saúde humana, tanto na Unicamp quanto fora dela, seja na Fundação Síndrome de Down, no Projeto Escola da Prefeitura Municipal de Campinas e até mesmo na academia Giras, que mantém com a esposa Isabel Pieroni, Amaury foi condecorado com a medalha Carlos Gomes, em 2004, oferecida pela Câmara Municipal de Campinas. “O capital humano é o maior bem que uma empresa tem. Se souber valorizá-lo será mais fácil atingir suas metas”, resolve.

Espelho jamais, pois, para Amaury, na dança as pessoas precisam se sentir e não se ver. “O espelho só é verdadeiro quando você se encara. Fora disso, ele é mentiroso. Porque quando você consegue realmente se olhar no espelho, enfrenta o mundo porque precisa se enfrentar primeiramente para depois enfrentar o resto”, conclui.

Com tanto talento, difícil imaginar que Amaury já se sentiu rejeitado pelo jeito de dançar, mas na adolescência, em pleno auge da discoteca, chegou a ser preterido por seu estilo “black” de se movimentar e pelo black power (corte de cabelo) que carregava. “Foi uma espécie de bulling. Tive dificuldades, mas não me ressenti. Fui imediatamente para a convivência com a cultura negra, dançar em grandes bailes e cheguei a ser até discotecário (atual DJ). Foi essa convivência que me abriu portas na área de dança e de teatro”, alegra-se. 

Amaury diz ter se “formado” em pedagogia por autodidatismo, pois, quando chegou ao campus aos 15 anos, em 23 de maio de 1977, foi beneficiado com um dos acervos mais importantes da Universidade. O da Faculdade de Educação. O contato com as obras e o envolvimento com a produção de trabalhos acadêmicos fizeram com que ele se tornasse um leitor assíduo e um professor de dança aplicado. “Trabalhei durante 13 anos na biblioteca. Então, nesse atendimento bibliotecário, acabei ajudando alunos e até mesmo docentes a pesquisar.”

Hoje, o conhecimento obtido com a pedagogia, a gestão, o teatro e a dança garantem que, além da jornada no posto do GGBS do Hospital das Clínicas, ele não se distancie da arte de girar em torno de seus sonhos, em torno de seu próprio corpo e de outros corpos. “Essa é a ideia da Academia Giras, de minha esposa. Além da ideia de que toda dança de salão é composta de giros, queremos fazer a dança circular em vários lugares da cidade e quem sabe do Brasil.”

Comentários

Comentário: 

ALGUNS DOS TRABALHOS DESENVOLVIDOS POR AMAURY EU NÃO OS CONHECIA, MAS APÓS LER A REPORTAGEM, VERIFICO QUE TODOS SÃO PROFÍCUOS NO SENTIDO DE SE MULTIPLICAR SAÚDE BIOPSICOLÓGICA E DIGNIDADE ÀS CRIATURAS...

edsonluc@unicamp.br

Comentário: 

Meu velho companheiro de teatro e dança.
uma bagagem de tirar o chapéu!!

Saudades do Liberdade Canto e Dança hem!!

Abraço
e parabéns pelo reconhecimento.

albertodois@msn.com

Comentário: 

Amauri,
Gostei muito de ler essa reportagem sobre você e sua história com a dança. Desde estudante, quando você ainda trabalhava na biblioteca da FE, a gente já pôde compartilhar a importância da dança e o quanto isso o aproximava de nós, estudantes. Que bom ter notícias suas pelo jornal e poder apreciar seu percurso. Sou sua fã. Ab, Ana Lúcia

alguedes@mpc.com.br

Comentário: 

Amauri,
Que bom ler esse artigo e só assim conhecer toda sua trajetória dentro e fora da Unicamp. Te conheço já há algum tempo e te admiro muito pelo que você é....por suas atitudes diante das dificuldades e no trato com as pessoas. Ainda vou aprender a "dançar" ou " pelo menos sair da rotina" como você diz.Abração e Parabéns!

graca@unicamp.br

Comentário: 

Amauri. Grande Amauri. Fico feliz por terem providenciado esta homenagem a você e a seu trabalho. Sempre o achei muito bom no que faz na Unicamp, mas esse seu dom e gosto pela dança chama muito a atenção. Que você continue proliferando seus conhecimentos aos nossos colegas e torço para que a comunidade universitária, cada vez mais, se insira nesse mundo maravilhoso da dança à luz de uma qualidade de vida cada vez maior.

phaiffer@unicamp.br

Comentário: 

Conheci esse cara na biblioteca da FE, depois encontrei com ele na escola Sergio Porto, foi ele quem despertou a vontade da dançar em meu filho, pois ele era durão e com as aulas do Amaury ele se soltou. Amaury sempre uma pessoa amável e simpatico. Parabéns por esta reportagem fiquei feliz você merece.

bianco@iqm.unicamp.br

Comentário: 

Amaury! Fico muito feliz por vc, e pela divulgação deste seu trabalho sempre apaixonado.
Faço minhas as palavras da Graça, qdo diz que ainda vai aprender a dançar...., assim, que sabe com sua pedagogia, vc descobre o jeito de tirar da zona de conforto os que querem, mas não têm coragem.
Novamente, meus parabéns!!

valeriaf@unicamp.br

Comentário: 

É amigão, você merece este reconhecimento por tudo que já fez nestes quase trinta anos de carreira. Você é um exemplo que eu tenho o orgulho de ter seguido.
Parabéns!

acgodoy8@hotmail.com

Comentário: 

Por um instante, um filme passou pela minha cabeça e voltei a década de 80 quando nos conhecemos na própria UNICAMP. Dos ensaios dos passos marcados, aos palcos como manequins e por que não ao teatro com o Liberdade, Canto e Dança - Ballet Afro?
Quem diria que do nosso momento de lazer, você fizesse algo tão sério e importante para a melhoria da qualidade de vida dos nossos companheiros de trabalho?
Parabéns, siga em frente e não desista nunca! Grande abraço.

jayme.jamaica@gmail.com

Comentário: 

O que mais me agrada é da grande satisfação do que faz, e em tê-lo como companheiro no Grupo Liberdade, canto e dança e manequim como diz nosso amigo Jayme, e lembrando mais, como coreográfo de Escola de Samba em comissão de frente como SAMUCA e tambem em Campinas lembra? tudo isso nos anos 80,sem contar nas das suas danças nos grandes bailes meu amigo, sou prova viva do seu comprometimento, responsabilidade e alegria referente a Arte não só parabenizo como tiro o chapéu a voce, Abraços.

edna.maria1964@hotmail.com

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