Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 20 de agosto de 2012 a 26 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 536Uma vida dedicada
aos répteis
Funcionário do IB há 40 anos, Paulo Manzani assina artigos em periódicos nacionais e internacionais
Perfil
Há bichos que botam muito medo. E os peçonhentos estão em primeiro na lista, embora isso não seja consenso. Há pessoas que os tratam muito bem, alimentam e cuidam para que não façam falta no equilíbrio ecológico. O fato é que esses bichos são importantes inclusive para o estudo de tratamento contra seus ataques. E é bom que se lembre: só atacam se a ameaça os desconforta. A paixão por esses animais ou pelo estudo da vida deles e de outros seres faz com que milhares de profissionais se dediquem por décadas aos seus cuidados ou a estudá-los. É o caso do biólogo e mestre em zoologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp Paulo Roberto Manzani. No ano em que o mais antigo instituto da Universidade faz 45 anos, ele completa 40 anos no Departamento de Zoologia (hoje Biologia Animal). Atualmente, realiza taxonomia de répteis, principalmente cobras e lagartos.
O jovem de 19 anos atraído à Universidade em 1972 pela curiosidade e pelo interesse manifestado desde a infância por biologia hoje assina uma lista de 12 artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais e também nos livros Enciclopédia da Floresta (2002) e Ecologia e preservação de uma floresta tropical urbana- reserva de Santa Genebra (2002), da Editora da Unicamp. Na Biologia, trabalha com história natural e é responsável pela taxonomia de répteis recentes utilizados em aulas e pesquisas de graduação e pós-graduação, além de atuar como colaborador em pesquisas desenvolvidas por pesquisadores de outras instituições.
Hoje, Manzani é o mais antigo funcionário do IB, de acordo com a lista da Diretoria de Recursos Humanos (DGRH) da Unicamp. O conhecimento desenvolvido ao longo do tempo conferiu-lhe a curadoria da coleção de répteis do Museu de Zoologia da Universidade, ao lado de nomes como Cecília Amaral, Ivan Sazima, Wesley Rodrigues Silva, André Victor. No museu, também colabora esporadicamente em atividades desenvolvidas pelos biólogos Artur Furegatti e Elisabeth Bilo e pela secretária Fátima de Souza, na organização da pequena coleção de empréstimo.
Como a maioria dos servidores da Universidade, Manzani conduziu a graduação e o trabalho no laboratório ao mesmo tempo. No período da manhã, biologia PUC-Campinas; à tarde e à noite, biologia Unicamp. Por mais que o cansaço possa surgir só de imaginar como seria isso, esta é a realidade do brasileiro que não pode abrir mão de um nem de outro. Mas Manzani, desde a fase escolar interessado na ciência da vida, queria mais se aprofundar no que a literatura e a prática tinham a lhe oferecer. Para isso, aceitou todo tipo de ensinamento, desafio, incentivo e apoio.
Primeiramente do pai, que, embora o filho já tivesse casado, incentivou-o a pedir afastamento da Unicamp e ofereceu ajuda para pagar o cursinho pré-vestibular. De volta à Universidade, como auxiliar de laboratório, durante a graduação, vieram outros incentivadores. Um deles foi um de seus primeiros chefes no laboratório, cujo nome menciona várias vezes, hoje professor da Unesp, em Rio Claro, Augusto Shinya Abe. “Ele me estimulou sempre. Dizia que eu chegaria lá, indicava literatura, emprestava livros, e sempre me passava lições da profissão e, sobretudo, da vida.”
Hoje, além de ter sido orientador de Manzani na produção da dissertação, em 1995, Abe é parceiro na vida e na produção de artigos. O biólogo assina mais de dez artigos, inclusive relacionados à descrição de três novas espécies de répteis que ocorrem no Brasil. Estudioso, sempre teve interesse diferenciado pela disciplina de biologia, principalmente zoologia e genética. A evidência fez com que o tio Antônio Frutuozo Leite, na época funcionário do Departamento de Bioquímica do IB, o incentivasse a trabalhar no instituto com o professor Paulo Friedrich Bührnhein.
Quando começou o estágio em 1972, a primeira turma do curso de biologia estava no segundo ano. Manzani acompanhou a evolução de muitos alunos dessa turma, que se tornaram docentes no IB. Alguns, segundo o biólogo, até aposentaram. E o ciclo continua com João Vasconcelos e Wesley Rodrigues, por exemplo, que ele viu chegar à graduação e hoje são professores e compõem, ao lado do funcionário, a lista de curadores do Museu.
Ao longo do tempo, o jovem que começou no laboratório cuidando de cobras e ratos de biotério e lavando vidrarias passou a auxiliar nomes importantes da comunidade científica como Bührnhein, Mohamed Habib, Benedito Amaral Filho, Jacques Vielliard, Luiz Octávio Marcondes Machado e Wesley Silva. E também colaborou com Ivan Sazima em algumas comunicações científicas.
Vertebrados
Após a graduação, foi aprovado em um concurso para biólogos e permaneceu no Departamento de Zoologia, onde foi convidado para ministrar algumas aulas sobre répteis e animais peçonhentos aos graduandos de biologia da Unicamp e pôde aprofundar seus conhecimentos sobre as espécies que pesquisaria anos mais tarde no mestrado. Manzani faz questão de rememorar a participação nas aulas da disciplina de vertebrados, ministrada por Ivan Sazima, Jacques Vielliard e Luiz Octávio. As aulas se estenderam também para o Centro de Controle de Intoxicações (CCI) da Unicamp, ao lado do professor Fábio Bucaretchi. “Lá, eles precisam ter noção de animais peçonhentos. Eu fazia as palestras teóricas e levava material para aula prática”, informa Manzani. O funcionário também acompanhou os professores Mohamed Habib e Carlos Fernando, respectivamente, na disciplina de Ecologia e Educação Ambiental e Ciências do Ambiente. A primeira voltada a estudantes de licenciatura em biologia e a outra, aos cursos de engenharia da Unicamp.
As viagens de campo tornaram a biologia ainda mais admirável e interessante para os trabalhos de própria autoria que Manzani viria a desenvolver mais tarde. Hoje, ele trabalha com história natural e taxonomia. Como curador, realiza a classificação de animais, além de atender pedidos de empréstimo de répteis, geralmente, serpentes e lagartos. “Antes de emprestar, preciso ver se os espécimes estão corretamente identificados. A maioria do que está tombado no museu está identificado e muitos ainda estão por confirmar”. Cabe a ele também conferir e identificar espécimes recebidos de doadores.
No início de sua atuação como auxiliar de laboratório, além da jornada na Unicamp, Manzani chegou a estagiar uma ou duas vezes por semana com Walter Pinto, geneticista e professor aposentado do Instituto de Biologia. “Precisava complementar minha renda e o professor Walter me pegava em casa, no Jardim Independência, em Barão Geraldo, e eu ficava até as 2 horas da manhã trabalhando no laboratório de análises clínicas dele. Depois ele me levava para casa. Às 6 da manhã, eu ia para a PUC.”
Estímulo
Filho de policial militar, Manzani muitas vezes conheceu mais de uma escola por ano. A infância vivida parte no bairro Tucuruvi, em São Paulo, parte nos bairros Campos Elíseos e Vila Teixeira, em Campinas, deixou boas recordações, como a professora Amélia, a “tia” do primeiro ano primário (hoje fundamental 1). “Não esqueço. Ela foi minha professora em uma escola do bairro Campos Elíseos, em Campinas”. As idas e vindas não atrapalharam em nada os estudos, segundo Manzani, que sempre foi estimulado pelos pais.
Sua trajetória ajuda a refletir sobre a importância do número imensurável de biólogos não-docentes para o desenvolvimento da ciência no Brasil. “Não sei se as pessoas reconhecem que tenho participação na formação delas da graduação ao doutorado, mas eu tenho orgulho de ter contribuído nas aulas e com resultados importantes como a descrição de três espécies de répteis e publicação de artigos, além de fazer parte de um livro de Biologia”, comemora Manzani. A profissão, em sua opinião, tem muita responsabilidade na projeção internacional que a Unicamp conquistou ao longo de sua existência.
Ao tentar relembrar o número de pessoas que passaram pela sua vida, como o seu João da Zoologia e tantos outros que se mantêm vivos somente na memória, além dos aposentados, ele constata que a forma de se relacionar mudou até mesmo dentro de um ambiente fechado. “Não existia e-mail, e as pessoas tinham de ir à sala, ao laboratório das outras. Os contatos “tête-à-tête” aproximavam as pessoas, acredito. Hoje, quase tudo é tratado por e-mail. Mas mesmo com todo esse saudosismo, sou entusiasta do presente.”