Edição nº 539

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 24 de setembro de 2012 a 30 de setembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 539

Plataforma integrada de microscopia
desencadeia avanços na análise celular

Ferramenta desenvolvida no IFGW permitirá
saltos significativos para o controle da biologia

 

Pesquisadores do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp conseguiram reunir num único microscópio cerca de dez técnicas poderosas para análise dos processos celulares. Trata-se de uma plataforma integrada de microscopia fotônica que permite a cientistas, sobretudo das áreas médica e biológica, o estudo simultâneo do desenvolvimento e da reprodução das células. Campo moderno da ótica, a fotônica é uma ciência baseada na geração, detecção e manipulação de fótons, ou seja, de luz – como nas fibras ópticas e na microscopia a laser.

A ferramenta desenvolvida no IFGW está inserida no contexto promissor da biologia celular, área com forte impacto nos últimos anos. A plataforma permitirá avanços significativos para o controle biológico no seu estado mais profundo, revela o professor Carlos Lenz Cesar, coordenador da linha de pesquisa que culminou no desenvolvimento do sistema. De acordo com ele, as possibilidades abertas por esta área incluem a modificação de bactérias e protozoários, que poderiam ser usados para destruir células de câncer; a produção de etanol a partir de algas; e a regeneração de órgãos humanos.

“O nosso sistema, em relação à integração de técnicas, está entre pouquíssimos no mundo. É comum haver várias técnicas e microscópios diferentes para cada uma delas. Mas na biologia os fenômenos acontecem localizados no espaço e no tempo. Portanto, torna-se inviável observar um fenômeno por meio de uma técnica num microscópio e, depois, ter que analisá-lo por outra técnica em um aparelho diferente. Isso porque outro processo teria de ser disparado, garantindo que ele fosse igual ao primeiro. Mas isso não é possível na biologia. É um grande avanço, deste modo, poder observar todos os fenômenos e tirar o máximo de informação simultaneamente”, explica o docente, que atua no Departamento de Eletrônica Quântica do IFGW.

Além disso, salienta Lenz, para o entendimento da biologia em seu estado mais profundo se faz necessária a utilização de ferramentas de observação não destrutivas, permitindo analisar os processos celulares durante seu tempo de vida. “Nossas ferramentas permitem olhar o que está acontecendo nas células sem destruí-las ao longo do tempo. Trabalhamos no sentido de usar tudo o que a física oferece para manipular e chegar até o nível molecular”, garante.

Já fazem uso da plataforma desenvolvida no Instituto de Física pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, além de cientistas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e do Centro de Estudos do Genoma Humano, da Universidade de São Paulo (USP). “E, mais recentemente, depois de um seminário nos Estados Unidos sobre nossos estudos, recebemos solicitações de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, para utilizar a plataforma”, revela o físico.

Há mais de uma década o professor Carlos Lenz vem desenvolvendo pesquisas visando à integração de técnicas para a microscopia de ótica. Ele é responsável no Instituto de Física pelo grupo de biofotônica, área dedicada a explorar a microscopia em sistemas biológicos usando raios lasers. Atuam com o docente os doutorandos André Alexandre de Thomaz e Vitor Bianchin Pelegati.

Vitor Pelegati defendeu em dezembro do ano passado dissertação de mestrado sobre os aspectos teóricos e experimentais de um sistema de microscopias de óptica não linear, com atenção especial para a geração de terceiro harmônico. Ao contrário da ótica linear, a não linear envolve mais de um fóton por vez. Já os harmônicos, no campo da microscopia, são componentes da onda da luz, análogos aos harmônicos do som. O primeiro, segundo e terceiro harmônicos possuem, respectivamente, uma vez, o dobro e o triplo da frequência incidente de luz.

Pelegati foi o primeiro pesquisador do Brasil a desenvolver técnicas envolvendo o terceiro harmônico. “Em geral, o que se observa é o primeiro harmônico da luz; porém, informações importantes podem estar contidas nos outros. Deste modo, a microscopia com harmônicos maiores pode enriquecer a investigação com novos dados”, justifica o doutorando.

Coube a André Alexandre de Thomaz, por sua vez, o desenvolvimento de processos envolvendo o segundo harmônico, também pela primeira vez no país. De acordo com o docente Carlos Lenz, os colágenos – proteínas fundamentais na constituição do tecido conjuntivo – são notórios produtores de segundos harmônicos. “O estudo dos colágenos é importante para se investigar, por exemplo, como se dá o processo de metástase do câncer. Para a célula cancerosa sair do foco principal do câncer e atingir outras regiões do corpo, causando assim a metástase, ela tem que atravessar fibras de colágeno que normalmente o corpo produz para englobar o foco canceroso. Com a espectroscopia com segundo harmônico, é possível, por exemplo, observar diretamente uma célula atravessando as fibras de colágeno”, demonstra.

Os estudos foram financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e a compra de equipamentos foi custeada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), do governo federal.

Controle da biologia

Está claro para o professor Carlos Lenz que a primeira revolução científica e tecnológica do século 21 virá do que ele chama de “controle da biologia”. “Se começarmos a aprender a manipular DNA para criarmos organismos sintéticos, abrimos o caminho para combustíveis praticamente de graça. E estaremos em equilíbrio ecológico. Não é necessário ocupar a terra, esperar seis meses para a cana-de-açúcar ser colhida, muito menos destruir tudo que a cana-de-açúcar destrói. Com o controle da biologia pode-se começar a fazer biodispositivos para as mais variadas funções, desde que se aprenda como é o funcionamento celular e molecular”, exemplifica.

De acordo com o físico da Unicamp, o controle da biologia seria a sexta onda de inovação, responsável pela nova revolução científica. “Uma nova onda de inovação vem, normalmente, acompanhada por uma crise financeira e a crise já está aí. Isso marca o fim de uma era, que seria a era da informação. A revolução da informação, que estamos vivenciando neste momento, é a quinta onda. E está ficando cada vez mais claro que a nova onda, que deve ser capaz de mudar a forma como a humanidade se organiza, virá do controle da biologia. Há muita gente apostando que esta próxima onda começa a ficar transparente para a sociedade em 2015. Os governos estão se posicionando, estão investindo dinheiro neste ramo”, afirma.

 

Publicações

Dissertação: “Ferramenta biofotônica integrada para manipulações e microscopias confocais”
Autor: André Alexandre de Thomaz
Orientador: Carlos Lenz Cesar
Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)

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Dissertação: “Microscopias de óptica não linear: fluorescência excitada por absorção de dois fótons, geração de segundo harmônico e geração de terceiro harmônico”
Autor: Vitor Bianchin Pelegati
Orientador: Carlos Lenz Cesar
Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)