Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 29 de outubro de 2012 a 04 de novembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 544Um Nobel na FCM
Os cientistas norte-americanos Robert Furchgott, Louis J. Ignarro e Ferid Murad ganharam, em 1998, o Prêmio Nobel de Medicina. Eles foram escolhidos pelas descobertas relacionadas ao óxido nítrico (NO). Durante muito tempo, o óxido nítrico foi considerado somente um poluente do ar, mas as descobertas do trio mostraram que o NO é uma molécula sinalizadora no sistema cardiovascular, tendo aplicações no tratamento de doenças cardíacas, da impotência e até do câncer. Os três ficaram conhecidos como “pais do Viagra”, cujo desenvolvimento tem o óxido nítrico como peça-chave.
Murad, atuando em 1977 como médico farmacologista da Universidade do Texas, descobriu que as drogas vasodilatadoras agiam pela emissão de óxido nítrico, substância que, segundo determinou, atuava relaxando as células da musculatura lisa dos vasos. Ele ficou fascinado com a ideia de que um gás pudesse regular importantes funções celulares e supôs que fatores internos, entre os quais hormônios, agissem por meio do óxido nítrico.
Furchgott, farmacologista da Universidade do Estado de Nova York, falecido em 2011, constatou em 1980 que os vasos sanguíneos são dilatados ou aumentam de calibre porque suas células da superfície interna – endotélio – produzem uma molécula sinalizadora que faz com que as células musculares relaxem. Furchgott batizou o fator responsável pelo relaxamento dos vasos de EDRF. A partir daí, foi iniciada uma corrida mundial para identificá-lo.
Mas foi Louis Ignarro, farmacologista da Universidade da Califórnia, quem conseguiu a prova final. Após uma série de análises, algumas feitas em parceria com Furchgott, ele demonstrou que o EDRF identificado era o óxido nítrico, resolvendo definitivamente o problema.
O óxido nítrico é uma substância que transmite sinais no organismo – permitindo que mensagens sejam enviadas de uma parte do corpo para outra – e regula a pressão arterial e a circulação. Encontrado na maioria dos seres vivos e produzido por diversas células, o gás controla a pressão arterial ao dilatar as artérias, afeta o comportamento ao ativar as células nervosas e, quando produzido nos glóbulos brancos, torna-se tóxico em relação a bactérias e parasitas invasores. Hoje, alguns cientistas estão estudando se o óxido nítrico poderia ser usado para deter o crescimento de tumores cancerígenos.
Após o Prêmio Nobel, a vida de Murad tem sido extremamente ocupada. Ele foi presidente do Departamento de Biologia Integrativa e Farmacologia da Universidade do Texas. Atualmente, é professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade de George Washington. Nos últimos anos, visitou mais de 40 países para participar de conferências, reuniões científicas, seminários universitários e para dar consultoria para empresas e governos.
No dia 30 de outubro, Murad realiza conferência na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O evento faz parte das comemorações dos 50 anos da FCM. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Murad falou sobre o futuro da medicina no mundo e no Brasil, e relembrou, com orgulho, a sua origem. Seu pai, Jabir Murat Ejupi, nasceu na Albânia em 1892 e era o mais velho de quatro filhos. Sua família era de pastores. Ele fugiu de casa para vender doces nos Balcãs. Com menos de um ano de escolaridade, aprendeu a falar sete idiomas e imigrou em 1913 para os Estados Unidos com um grupo de adolescentes da Áustria. Ao entrar no país, seu nome passou a ser Murad John. Trabalhou em usinas de aço e em fábricas de Cleveland e Detroit, instalando-se depois em Chicago.
Sua mãe, Henrietta Josephine Bowman, nasceu em 1918 em Alton, Illinois, e fugiu de casa aos 17 anos para se casar com o seu pai, na época com 39 anos de idade. A pobreza na infância e a mínima educação dos pais fizeram com que Ferid e seus dois irmãos escolhessem suas carreiras logo cedo. Um irmão se tornou dentista e outro, professor de antropologia. Eles foram criados num pequeno apartamento atrás do restaurante da família, em Whiting, Indiana.
“O negócio do restaurante teve grande efeito sobre o meu futuro e dos meus dois irmãos. Quando fomos capazes de estar em um tamborete para alcançar a pia, lavávamos pratos e, mais tarde, quando pudemos ver ao longo do balcão, escrevíamos as tabelas e usávamos a caixa registradora. Eu fiz isso ao longo de toda a escola primária e do ensino médio, à noite e nos fins de semana. Eu criei um jogo acerca daquelas tarefas e aprendi a memorizar todos os pedidos do cliente em nosso restaurante, com capacidade para 28 pessoas. Antes que eles deixassem as mesas, eu fazia o registro mentalmente de suas contas, deixando-as na caixa registradora para pagarem”, revela Murad.
Diz que foram valiosos os ensinamentos da mãe e da avó materna sobre compaixão e generosidade. Já seu pai, relembra, o ensinou a ter habilidade nos negócios. Com 12 anos de idade, Murad já sabia que seria médico. Na oitava série, foi convidado a escrever um ensaio sobre as três profissões que mais lhe atraía. Suas escolhas foram: médico, professor e farmacêutico, não por acaso as profissões que acabou abraçando.
“Não há dúvida de que uma das minhas maiores conquistas é a de ter participado na formação de cientistas de sucesso em meu próprio laboratório e também influenciado as carreiras de muitos talentosos estudantes de medicina. Aprendi que nunca se pode ter recursos suficientes quando se olha para novas terapias de doenças graves. Trata-se de um empreendimento caro”, disse Murad
De acordo com Murad, o óxido nítrico tornou-se uma das zonas mais populares de pesquisa da medicina. Como uma molécula mensageira, ela tem e continuará a resultar em novos medicamentos para diversas doenças. Atualmente, em seu laboratório, o farmacologista e sua equipe trabalham em pesquisas com células de câncer, as células-tronco embriogênicas e diarreia induzida por toxina bacteriana. Outra linha de pesquisa foca os nutrialimentos, também chamados de nutracêuticos.
“Os nutracêuticos têm um importante papel na terapia médica suplementar para proporcionar o substrato (L-arginina), co-fatores, vitaminas e antioxidantes para aumentar a formação e ação de óxido nítrico”, explica Murad.
Observando a evolução da ciência e quantidade e qualidade de trabalhos científicos na área médica publicados em periódicos internacionais, Murad acredita que haverá tecnologia e terapia mais sofisticadas em 30 anos. “Vamos ter grandes avanços no tratamento de muitas doenças, incluindo doenças cardíacas, câncer, regeneração de tecidos e transplantes”, vislumbra o cientista norte-americano.
Para os jovens que desejam se embrenhar pelo campo da investigação médica, seja ela clínica ou de bancada, atrás de aparelhos modernos, microscópios e reações químicas, Murad aconselha trabalhar com afinco, definir suas metas, treinar em excelentes universidades e laboratórios, com bons orientadores.
E para o Brasil se tornar uma potência científica, o ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 1998 dá um conselho para o governo brasileiro: “aumentar o investimento na educação, formação e investigação, fornecendo bolsas para jovens cientistas completarem os seus estudos no Exterior”.