Edição nº 562

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 20 de maio de 2013 a 03 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 562

FCM, embrião da Unicamp, faz 50 anos

Referência internacional, unidade comemora cinquentenário com série de festividades

No Teatro Municipal de Campinas lotado, 50 jovens, vindos em sua maioria de cidades do interior do Estado de São Paulo, se acomodam para assistir a primeira aula da Faculdade de Medicina de Campinas. A aula magna, proferida pelo então reitor da Universidade de São Paulo (USP), Antônio Barros de Ulhôa Cintra, foi um acontecimento na cidade de Campinas no dia 20 de maio de 1963. O sonho acabara de virar realidade.

A campanha na imprensa de Campinas para a instalação de uma Faculdade de Medicina na cidade começou em 1946, por meio de um artigo de Luso Ventura, então editor-chefe do Correio Popular. O assunto ganhou certo destaque em 1948, quando Campinas foi contemplada com uma Faculdade de Direito. Como não houve mobilização suficiente da sociedade para sua efetiva instalação, ela foi substituída, em 1953, pela Faculdade de Medicina. Entretanto, por vários motivos, a sua criação ficou apenas no papel.

Para “acalmar os ânimos” dos campineiros, o então governador Jânio Quadros recria, em 1958, a Faculdade de Medicina. Mas, pela segunda vez, sua implantação não vinga. Assim, em 1960, Roberto Franco do Amaral, após assumir a Diretoria da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), determina que a prioridade número um da entidade seria a instalação da Faculdade de Medicina.

Em 1961, o Conselho de Entidades de Campinas, que congregava 23 associações de classe, é reativado, mobilizando diversos setores da sociedade para pressionar, de diferentes maneiras, o Governo do Estado.

A pedagoga Aline Rodrigues da Silva, em seu trabalho de conclusão de curso “A luta do conselho de entidades de Campinas por uma Faculdade de Medicina na cidade”, apresentado em dezembro de 2012 à Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, sob orientação do professor André Luiz Paulilo, aponta que “o grande diferencial dessa fase da campanha, que perdurou até 1962, foi o planejamento proposto pelo Conselho de Entidades, que buscou não somente reivindicar, mas explicar e apontar os motivos pelos quais se considerava que a Faculdade de Medicina era necessária para Campinas e região. Houve um esforço, por meio dos meios de comunicação impressos, rádio e televisão, para conquistar o apoio das cidades vizinhas na luta campineira”.

Segundo Aline, não tendo como ignorar a mobilização de Campinas, o então Governador Carvalho Pinto, ainda em 1961, nomeou um grupo de trabalho para estudar a criação de um núcleo universitário na cidade. O que sucedeu, a partir daí, foi a promulgação da Lei nº 7.655, em 28 de dezembro de 1962, criando a Universidade de Campinas como entidade autárquica. “A Faculdade de Medicina, criada em 1953 e recriada em 1958, foi incorporada por esta lei. Com a incorporação da Faculdade de Medicina à Universidade de Campinas, o curso médico era o único em funcionamento, ainda que em instalações improvisadas”, diz Aline.

A Universidade, apesar de figurar apenas no papel – a pedra fundamental foi lançada em 5 de outubro de 1966 –, teve vários diretores, além de 50 alunos que se amontoavam nos dois primeiros andares da inacabada Maternidade de Campinas.

A história da Universidade é contada no livro O Mandarim, do jornalista Eustáquio Gomes. Na obra, publicada pela Editora da Unicamp, Eustáquio escreve que “de fato, já em seu terceiro ano de funcionamento, a universidade girava em torno de um leque de disciplinas que por sua variedade e riqueza certamente poderiam ser o embrião das oito unidades projetadas mas que, por ora, compunham um único curso, o de Medicina”.

Em 1965, sob a mão forte de Zeferino Vaz, o esboço da Unicamp começava a tomar forma. O ex-diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da USP e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto era contra a instalação de escolas médicas em cidades a menos de 100 quilômetros da capital paulista. De acordo com sua pesquisa, Aline observou que a maioria dos documentos oficiais, correspondências e notícias de jornais do período consultados no Arquivo Central/Siarq referentes à criação da Unicamp, mostram a ação mais contundente e expressiva de Zeferino a partir de 1965.

“Entretanto, a participação das entidades de classe e de personalidades da sociedade campineira foi crucial para a criação da Faculdade de Medicina e, posteriormente, para a sua instalação. Isso, algumas vezes, passa despercebido em sua história”, diz Aline, que trabalha no Siarq e colaborou, indiretamente, na organização da exposição dos 45 anos da Unicamp em 2011.

Se o empenho de Campinas para a implantação da Faculdade de Medicina foi grande, o sonho dos calouros foi igual ou maior. Mesmo nas salas improvisadas da Maternidade de Campinas ou depois na Santa Casa de Misericórdia, para onde foi transferida a faculdade em 1965, a incerteza e a responsabilidade andavam de mãos dadas. O professor e médico Rogério Antunes Pereira Filho foi aluno da primeira turma do curso de medicina. Ele diz que os primeiros anos na Maternidade de Campinas e depois na Santa Casa de Misericórdia foram difíceis. As enfermarias tinham até 30 leitos cada uma, sem divisões ou divididas apenas por biombos, quando o quadro clínico do paciente se agravava. Os únicos que procuravam atendimento na Faculdade de Medicina eram os indigentes.

“Embora tratássemos nossos pacientes com dignidade e competência, demoramos muito para adquirir credibilidade aos olhos da população. Era voz corrente, no início, que os pacientes seriam tratados exclusivamente por alunos e que seriam apenas experiência para eles. Alguns mais apocalípticos diziam que não ficávamos muito tristes com a morte, porque, nesse caso, teríamos a autópsia para mostrar”, conta Rogério.

O professor e médico João Luiz Carvalho Pinto e Silva foi aluno da segunda turma do curso de medicina. Na semana em que ingressou na faculdade, em março de 1964, as aulas foram interrompidas porque os tanques estavam nas ruas. “Foi um período difícil da história, muito complicado do ponto de vista político. Mas participar da implantação da Faculdade de Medicina foi oportunidade ímpar e um privilégio que tivemos no florescer de nossa juventude”, lembra João Luiz.

Em 1966, aluno do último ano do curso de medicina da Universidade Federal do Paraná, Gustavo Antonio de Souza se interessou em ser médico-residente em ginecologia e obstetrícia na então Faculdade de Medicina de Campinas.

“Marquei uma entrevista, peguei o trem da Paulista, de Bauru para Campinas. Cheguei bem cedo na porta da Santa Casa, onde hoje é estacionamento do Giovanetti V, e havia apenas barracas, porque os alunos estavam em greve”, relembra Gustavo.

Não demorou muito tempo, Gustavo foi chamado para ser médico-residente. Terminado esse período, foi convidado pelo professor Bussamara Neme para seguir a carreira docente, não mais “na então chamada Faculdade de Medicina de Campinas”.

Em 1969, um decreto estadual alterara o nome de Faculdade de Medicina de Campinas para Faculdade de Ciências Médicas (FCM). O mesmo valia para a Universidade de Campinas, que passou a ser denominada de Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 30 de julho do mesmo ano.

“Aprendi a ser professor. No Departamento de Tocoginecologia da FCM, passei por todos os cargos e títulos. Fui tudo, menos aluno”, diz Gustavo.

No dia 20 de maio de 2013, a FCM faz 50 anos. Esse pequeno recorte histórico conta um pouco de trajetória inicial da faculdade, que em 1986 passou a funcionar no campus de Barão Geraldo. Para contemplar o cinquentenário da faculdade e preencher essa lacuna, será lançado um livro contando essas e outras histórias. O lançamento, previsto para este ano, encerra as comemorações do jubileu de ouro.

Para o diretor da FCM, Mario José Abdalla Saad, essa história de sucesso foi construída pelo trabalho de professores, funcionários, médicos-residentes e alunos. “Nós não seguimos nenhum modelo. Nosso modelo é ter o melhor ensino, a melhor assistência e a melhor pesquisa”, diz Saad.

Hoje, a Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp é responsável pelos cursos de Medicina; Enfermagem (embora tenha se transformado em Faculdade em 2012, ainda mantém o vínculo com a FCM); Fonoaudiologia (curso compartilhado com o Instituto de Estudos da Linguagem); e Farmácia (em parceria com Instituto de Biologia, Instituto de Química e Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas). O corpo docente é constituído por 342 professores, 98% com doutorado. Em seus cursos de graduação estudam, aproximadamente, 1,1 mil alunos, sendo 60% deles em Medicina e os demais distribuídos nos outros cursos.

Na pós-graduação estudam 1,2 mil estudantes distribuídos em 11 programas. Alguns destes alunos são estrangeiros atraídos pela excelência acadêmica da instituição. Na Residência Médica, a FCM disponibiliza 79 programas credenciados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), além de programas complementares em 28 áreas, com cerca de 500 médicos-residentes.

Em 2012, foram produzidos mais de 1.020 artigos aprovados para publicação em periódicos nacionais e internacionais. Na área de pesquisa, há na FCM, atualmente, 1.033 projetos em andamento, distribuídos em 151 linhas de pesquisa nos 94 laboratórios espalhadores pelo complexo da área da saúde da Unicamp, que atende a uma população de cinco milhões de pessoas da macrorregião de Campinas.

Integram este conjunto o Hospital de Clínicas (HC), o Hospital da Mulher “Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti” (Caism), o Hospital Estadual de Sumaré (HES), o Hemocentro, o Gastrocentro, Centros de Saúde e vários Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME) localizados em diversos municípios paulistas.

Por duas vezes, em 2010 e 2012, a FCM foi convidada a indicar concorrentes ao prêmio Nobel de Medicina. De seus bancos escolares saíram nomes para cargos públicos na área da Saúde, dentre eles os atuais secretário de Saúde de Campinas, Cármino Antonio de Souza, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Como disse Rogério Antunes, em um de seus discursos: “A realidade ultrapassou o sonho”.