Edição nº 573

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 02 de setembro de 2013 a 08 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 573

Marçal, um ‘mestre’ na ‘fábrica de engenheiros’

Funcionário da Unicamp há 42 anos, técnico participa de aulas práticas em Laboratório

Devoto de Santo Reis, José Reinaldo Marçal ingressou na Unicamp em 6 de janeiro de 1972, dia em que a Igreja católica dedica aos três reis magos. Inseriu-se no mundo do trabalho cedo, aos 14 anos, na Faculdade de Engenharia Civil, em Limeira. Ainda lembra do dia em que Evangelina Mauro, coordenadora dos patrulheiros em Limeira, selecionou cinco adolescentes para trabalhar na FEC. “O campus era muito pequeno. Tinha poucos funcionários. Nada a ver com o que se tornou a Engenharia Civil hoje”, recorda. Dos cinco, apenas ele permanece no quadro de servidores da Universidade. Hoje, completa 42 anos no quadro de funcionários da Universidade e nem pensa em aposentadoria. “Não quero ficar dormindo no sofá.”

Em poucos meses de trabalho, trocou as tarefas administrativas na Biblioteca da FEC pelo trabalho no Laboratório de Materiais da faculdade, a convite dos professores Vitor Antonio Ducatti e Gilson Battiston Fernandes. “No meu primeiro dia de trabalho no laboratório, o professor Ducatti me pediu para realizar um ensaio de flow, que consiste em medir a consistência da argamassa, e logo em seguida moldar alguns corpos de prova. Já me assustei porque nunca tinha visto e nem imaginava como fazer, mas ele me explicou e eu concluí o ensaio mais ou menos.”

Foi assim que começou a fazer corpos de prova de concreto, participar das aulas práticas no laboratório e trabalhar nas pesquisas ligadas ao laboratório, como mestrados e doutorados. “E a fabricar engenheiros”, como ele mesmo brinca.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

Quando vê o nome de alguns alunos em grandes projetos de construção civil, Marçal sente que, de fato, é um prazer saber que fez parte na vida destes engenheiros e arquitetos. Para quem nem tinha ideia do que era ser técnico de laboratório, e até se escondeu dos alunos na primeira aula prática, porque morria de vergonha de estar de frente de muita gente, ver seu nome nos agradecimentos em pesquisas realizadas no laboratório, como os testes para a linha amarela do metrô de São Paulo, é como ver somados quilômetros infinitos de uma trajetória de 42 anos. “Pode ser que alguns não reconheçam, mas sempre que vejo o resultado absoluto de uma pesquisa iniciada na FEC e que passou por testes no laboratório, penso que tem um pouquinho de meus dias naquela obra. Ajudamos na formação de pessoas que vão trabalhar na sociedade. Esta, a meu ver, é nossa contribuição social.”

Hoje, Marçal agradece ao professor Walter Savassi, então chefe do departamento, por impedir de desistir da carreira técnica, quando ele, ainda garoto e novato, quebrou uma ferramenta importante para a rotina do laboratório. “Eu tinha medo de um dos professores e queria desistir de trabalhar no laboratório, sentia vergonha em revelar isso ao professor Walter Savassi. Quando resolvi confessar que eu tinha medo do professor Gilson, o professor Savassi riu muito e disse que o homem a quem eu temia era o docente mais legal da faculdade”, recorda. O técnico lembra também de agradecer aos docentes Vitor Antonio Ducatti e Gilson Battiston Fernandes.

Na cabeça dos alunos, fica a pergunta sobre o nível de conhecimento de Marçal e seus amigos da área técnica do laboratório. Certa vez, Marçal foi questionado pela professora Gladis Camarini sobre quem o ensinou tantas coisas e como aprendeu a trabalhar no laboratório. A resposta rápida e certeira foi: “Com a força de vontade. Com dedicação. Não tinha quem ajudasse. Peguei o ritmo.” E, hoje em dia, o ritmo é exigido cada vez maior, pois a jovem, chamada Gladis Camatini, graduou-se como engenheira, mestre, doutora e tornou-se professora e coordenadora no Laboratório de Materiais.

Confiante no trabalho que acompanhou sua trajetória acadêmica, Gladis deixa claro ao “subordinado” que ele só vai aposentar quando ela deixar o laboratório. Grato a todos que o deram oportunidade, ele faz questão de ressaltar seu crescimento no setor durante sua gestão. Foi ela quem o encaminhou para realizar estágio na Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo quando era auxiliar de laboratório. Com a certificação dos estágios, ele pôde ser reconhecido como técnico na carreira de profissionais da Universidade. “É chefe, mas faz muitos anos que trabalhamos juntos e temos espaço para dialogar. Fiz testes para o mestrado e o doutorado dela inteiros.”

Sem vaidade, acredita que o apoio de funcionários deve aparecer também em discursos de agradecimento pela conquista de prêmios. Quando os técnicos deixaram de ser lembrados na lista de colaboradores de uma pesquisa que conquistou um Prêmio Capes, Gladis não hesitou em enviar e-mail para a Universidade toda, evidenciando a importância da participação dos técnicos no trabalho. “Isso é gratificante. Mostra o apreço que ela tem por nós. Ela sempre nos respeitou, e isso se mantém.”

A responsabilidade dos técnicos do Laboratório de Materiais de Construção e Arquitetura e de Estruturas da Engenharia Civil é muito importante para a formação dos alunos de graduação e pós-graduação. Por saber dos tantos anos de experiência, os professores precisam apenas informar o ensaio a ser feito para que Marçal e os outros técnicos ligados ao laboratório preparem as aulas práticas e executem com eficiência.

Quando olha a Estação do Metrô, lembra das visitas para conhecer o espaço para o qual fariam os ensaios sob a orientação dos professores que assinam o projeto. “Toda a instrumentação para medir a resistência do concreto foi feita aqui. Essa é a responsabilidade social de um técnico ao fazer a medição certa para garantir segurança à vida do usuário. Se a pessoa calcula um pilar de concreto errado, quem assinou tem de assumir. As peças de concreto utilizadas para a construção do metrô foram testadas aqui no nosso laboratório.”

RECONHECIMENTO

Assim como a professora Gladis, todos os ex-alunos que hoje são professores na FEC passaram pelas aulas práticas ministradas no laboratório por Marçal. O professor do laboratório Armando Lopes é um deles. “Passamos muito tempo aqui e vivemos como uma família. Tem um aluno na graduação que eu preparei aulas para o pai dele assistir quando era graduando. É triste admitir, mas quando entrei aqui ele nem tinha nascido”, brinca.

As manifestações de carinho e reconhecimento estão nas palavras de alguns docentes com os quais Marçal convive. “Dia desses, um professor chegou e me viu dando explicações a um grupo de alunos. Ele não resistiu e recomendou: ‘Gente, preste atenção no que Marçal vai falar, pois, há 35 anos, ele deu uma aula para mim e hoje sou professor de engenharia.”

Se alguém acha normal sentir adoração por esposa, filhos, mãe, pai, Marçal mostra que algumas coisas na vida também podem escrever uma história de amor. “Tenho carinho pela Universidade. Tenho adoração por Limeira.” E ai de quem ouse falar mal desses dois lugares. “Eu defendo, claro. Como a pessoa pode depreciar a cidade onde vive e seu local de trabalho, onde ganha o pão? Onde passa a maior parte do dia? Tem de abençoar e não maldizer.”

O técnico, natural do Estado do Paraná, adotou Limeira há 50 anos. “Não tenho razão para sair de lá. Minha família toda está lá. Agora ganhei mais dois filhos – meu genro e minha nora. Além do mais, desde que a Engenharia Civil migrou para o campus de Barão Geraldo, temos transporte fretado, o que evita problemas com trânsito. É uma tranquilidade.” Marçal não tem os olhos fechados para a situação política e social da cidade, mas a relação forte do menino – conduzido pela mão de dona Evangelina, ainda trajado de farda e quepe – com a história promissora da Faculdade de Engenharia Civil o faz permanecer lá, apesar da distância percorrida diariamente até a Unicamp e de volta para a casa.