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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 28 de outubro de 2013 a 03 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 581Disciplina com alto índice de reprovação é tema de pesquisa
Tese da FE analisa impactos das práticas pedagógicas adotadas por docentes de Cálculo IEm tese de doutorado defendida na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, a pedagoga Fabiana Colombo Garzella debruçou-se sobre um pesadelo dos estudantes ingressantes no ensino superior: a disciplina de Cálculo I. No estudo orientado pelo professor Sérgio Antônio da Silva Leite, ela analisou os impactos das práticas pedagógicas adotadas por docentes da disciplina – cuja alta taxa de reprovação é notória – no processo de ensino-aprendizagem e na vida acadêmica e pessoal dos alunos.
O fenômeno ocorre de maneira indiscriminada nas instituições e responde pela oferta de um número crescente de turmas por semestre, na tentativa de atender os reprovados; por atrasos na conclusão dos cursos e ainda por elevado número de evasões da disciplina e, consequentemente, da universidade.
Embora reconheça o perfil multifacetado do problema, pois engloba também outros aspectos da vida acadêmica e pessoal do calouro, Fabiana observa, amparada nos resultados de sua pesquisa, que as formas de organização da disciplina e a qualidade da mediação desenvolvida pelo professor em sala de aula são fortes determinantes do aproveitamento insatisfatório de parcela significativa de alunos, sendo que os impactos afetivos dessa experiência são marcadamente negativos em suas vidas acadêmicas.
Além de situações próprias da dinâmica do ingresso na universidade que interferem no emocional do estudante, como a mudança para um ambiente distante da família, a busca por uma nova moradia, a convivência com novas pessoas, a diferença da natureza dos assuntos estudados em relação ao ensino médio, entre outros, constatam-se na estruturação da disciplina de Cálculo I componentes que dificultam a sua aprendizagem por parte do aluno ingressante, argumenta Fabiana.
“Há um sistema pré-estabelecido ao qual o aluno precisa se adaptar, se inserir, como um ritual de passagem. Quem não for capaz de cumprir etapas estabelecidas pela coordenação da disciplina, provavelmente, será reprovado”, afirma ela na tese “A disciplina de Cálculo I: a análise das relações entre as práticas pedagógicas do professor e seus impactos nos alunos”.
Produção industrial
Durante o processo de coleta de dados, Fabiana assistiu às aulas de um semestre letivo inteiro de Cálculo I como observadora; conversou com docentes e alunos; e levantou um histórico de doze anos (1997 a 2009) de informações relativas à disciplina que permitiram constatar taxas de até 77,5%, que incluem reprovação e evasão dos estudantes.
Entre os fatores determinantes para esse quadro, a pesquisa relaciona o grande número de alunos por turma, impedindo que necessidades particulares de determinados grupos de alunos sejam atendidas. No caso do semestre observado, existiam 30 turmas da disciplina, com média de 40 alunos cada. Três turmas eram agrupadas em uma sala de aula, totalizando aproximadamente 150 alunos. No conjunto, havia 10 salas composta por três turmas, cada uma com um professor responsável.
A presença de Cálculo I no primeiro semestre dos cursos, dividindo espaço com outras disciplinas que já demandam o conhecimento acerca da área – como Física I, por exemplo; a incoerência entre o que se estuda nas aulas e o que é cobrado nas provas; a ruptura entre a Matemática do ensino médio e a do ensino superior e a grande quantidade de conteúdos previstos por semestre foram outros fatores identificados.
Os resultados do trabalho mostram que a disciplina de Cálculo I, na universidade pesquisada, é planejada e desenvolvida de forma rígida e inflexível, exigindo que todos os alunos e professores se adaptem igualmente às condições estabelecidas. Tal situação é comparada pela autora a um processo de produção industrial, em que as etapas estabelecidas devem ser cumpridas rigidamente por todos os atores, independentemente de seus diferentes ritmos de aprendizagem e diferentes repertórios iniciais.
Além disso, salienta Fabiana, situações vivenciadas pelos alunos com os professores e suas práticas pedagógicas em sala de aula demonstram exercer papel fundamental na compreensão e assimilação da disciplina.
“É possível assumir que o sucesso do aluno na aprendizagem dos conteúdos de Cálculo I depende, em grande parte, da qualidade da mediação desenvolvida em sala de aula pelo professor”, aponta a pedagoga.
Relação afetiva
A definição do tema da pesquisa foi fomentada pelas vivências anteriores de Fabiana na graduação e no mestrado com estudos acerca das práticas pedagógicas nos diferentes níveis de ensino (educação infantil e ensino fundamental), além de outros estudos de pesquisadores do Grupo do Afeto – integrante do Grupo de Pesquisa Alle (Alfabetização, Leitura e Escrita) da FE –, que contemplaram os mesmos níveis de ensino e, ainda, o ensino médio e cursos pré-vestibulares. Também decorreu de contatos com profissionais da área que apontavam para a demanda de um estudo específico sobre a disciplina de Cálculo I no ensino superior.
Em seu estudo, o relacionamento professor-aluno também foi identificado como um elemento de impacto no grupo discente, uma vez que foi possível identificar movimentos de aproximação e afastamento dos alunos em relação aos conteúdos, a partir da forma como se relacionam com o professor.
Os achados de Fabiana confirmam dados anteriormente observados por pesquisadores do Grupo do Afeto. Com enfoque na análise da dimensão afetiva das práticas pedagógicas, trabalhos do grupo têm demonstrado resultados que sugerem que a afetividade e a inteligência são funções inter-relacionadas e determinantes para o desenvolvimento do indivíduo, atuando na aprendizagem, favorecendo a relação sujeito (aluno) e objeto de conhecimento (conteúdos escolares).
“A afetividade, no contexto em que se inserem esses estudos, não se refere apenas ao relacionamento interpessoal entre professor e aluno. Trata-se de uma relação subjetiva capaz de produzir aproximação ou afastamento entre o sujeito que aprende e o objeto do conhecimento, contribuindo para que a experiência do aluno com a disciplina seja ou não positiva”, esclarece Sérgio Leite. “Esse processo é profundamente influenciado pela mediação exercida pelo professor, pois em sua prática pedagógica o aluno identifica se ele é um docente comprometido com a sua aprendizagem.”
Segundo o orientador de Fabiana, um exemplo clássico de uma situação em que o aluno enxerga a preocupação com seu bom desempenho na matéria é quando, em uma avaliação, o professor afere a assimilação de conteúdo em função daquilo que foi desenvolvido em sala de aula, e não por meio das famigeradas “pegadinhas”.
Equívocos
De acordo com ele, a sustentação teórica para estudos como o de Fabiana vem de uma visão mais integrada do ser humano proporcionada pela Psicologia, em que a crença na existência de uma inter-relação de aspectos afetivos e cognitivos torna-se fundamental para a compreensão do processo de construção do conhecimento. Na área educacional, isso inclui, além dos conteúdos das disciplinas, a forma através da qual o professor os ensina.
“Como condutor do processo de ensino e aprendizagem, o professor pode facilitar ou dificultar para o aluno a apropriação do conhecimento. Uma série de providências que ele toma na sua organização de ensino vai ter impactos na aprendizagem. Desse modo, a prática pedagógica é percebida como um dos principais determinantes do sucesso ou fracasso de uma disciplina na vida escolar do aluno. E ter sucesso não é só contribuir para que o aluno faça uma boa prova, mas no mínimo levá-lo a gostar daquilo que está estudando”, salienta o educador.
Por isso, argumenta, é equivocado o entendimento de ensino e aprendizagem como processos independentes, nos quais ensinar cabe ao professor e aprender é obrigação do aluno. Esse falso conceito, segundo ele, respalda um modelo tradicional de avaliação predominante no cenário educacional que estabelece um ranking entre os alunos, na qual se utilizam os seus dados para separar “os que sabem e os que não sabem”; no final do processo, a responsabilidade é centrada, prioritariamente, no aluno, principalmente, nos casos de fracasso.
“Infelizmente ainda predomina a ideia entre muitos docentes que o ensino é certo, o aluno é que está errado. Não passa pela cabeça dos que adotam essa postura que determinados arranjos no plano de ensino podem melhorar as condições de aprendizagem para os alunos. O argumento é que mudar o modelo vigente seria baixar o nível de ensino na universidade”, lamenta Sérgio.
Outra marca do pensamento pedagógico tradicional é a crença equivocada de que o aluno já chega pronto à universidade, aponta Sérgio, citando estudos do educador Cipriano Carlos Luckesi, referência em avaliação da aprendizagem escolar no Brasil.
“O processo de aprendizado de conteúdos complexos, como aqueles de Cálculo I, exige fundamentalmente o domínio de uma série de conhecimentos básicos. No ensino superior, entretanto, parte-se do falso pressuposto de que, se passou no vestibular, o aluno tem todos os pré-requisitos necessários para a disciplina”, critica Sérgio. “Contudo, um olhar sobre o nível de conhecimento matemático dos calouros indicaria que uma parcela detém o domínio, outra apresenta uma série de deficiências e outra sequer tem o mínimo necessário para frequentar as aulas.”
Avaliação diagnóstica
A expectativa de Fabiana é que sua pesquisa possa contribuir para uma reflexão sobre a prática pedagógica no ensino superior, especialmente no ensino de Cálculo I. Para ela, a atual situação da disciplina requer uma análise e uma reordenação profunda de sua estrutura e de seus modos de conduzir o processo de ensino-aprendizagem.
A realização de uma avaliação diagnóstica no início do curso, cujos dados poderiam orientar o professor na decisão sobre de onde começar a disciplina, é uma das alterações que, segundo ela, poderia colaborar decisivamente para mudar o quadro desolador de reprovações e evasões.
Conforme já sugerido por Luckesi, a adoção de um modelo de avaliação diagnóstica possibilita se conhecer previamente conhecimentos dominados pelos estudantes e as lacunas de aprendizagem para, a partir disso, definir o ponto de partida do processo de ensino tendo como referência o aluno.
“A proposta é que o planejamento pedagógico leve em conta informações acerca de saberes já adquiridos pelos alunos, bem como aqueles ainda não conquistados e que dificultariam seu desempenho já no início da disciplina. Tal providência aumentaria as possibilidades de aprendizagem dos alunos que, apoiados em conhecimentos anteriores, teriam melhores condições para avançar na compreensão de novos saberes”, argumenta a educadora.
Publicação
Tese: “A disciplina de Cálculo I: a análise das relações entre as práticas pedagógicas do professor e seus impactos nos alunos”
Autora: Fabiana Colombo Garzella
Orientador: Sérgio Antônio da Silva Leite
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Comentários
Tenho 66 anos e sou
Tenho 66 anos e sou engenheiro civil, não senti muita dificuldade porque naquela época, antes da ditadura militar, estudávamos o conteudo de Cálculo I no segundo grau (ou no ensino médio) o que facilitava em muito quando entrávamos na faculdade. Isso atualmente virou um caça-níqueis tanto dos famosos "cursinhos" como das proprias universidades pagas, cobrando exorbitâncias tanto na inscrição como na mensalidade. Pergunte a um aluno de Colégio Militar se eles (os militares) tiraram o ensino de Cálculo I de seus currículos do segundo grau, é claro que não. O nosso ensino não prima mais pela qualidade e a culpa é só nossa e de quem nos representa e isso se reflete também num corpo docente despreparado.
Interessante
Fui aluno das disciplinas de cálculo 1 e 2, confesso que gostei e achei fácil a matéria, inclusive fui monitor desta disciplina por 4 semestres. Porém, comecei a perceber que meus colegas tinham muitas dificuldades. Muito do que foi dito na pesquisa havia percebido em sala de aula.
Proveitosa e interessante esta pesquisa.
Cálculo I
Vão me desculpar a ironia, mas Cálculo I é para os fortes, assim como Cálculo II, III e IV, física, eletromagnetismo, etc.
Hoje é tudo tão facilitado para os alunos que nas escolas eles não querem saber de nada, não tem comprometimento e não assumem responsabilidades. Então quando chegam na faculdade, também não querem ter o mínimo de esforço. O resultado é que, os que se acomodaram, serão aprovados de qualquer maneira e serão formados como "profissionais" medíocres. Mas ainda os fortes, que levaram tudo a sério, serão ótimos profissionais. Tenho certeza que o conteúdo programático de matemática do ensino médio é uma ótima base para Cálculo I. Mas vai ver se estão realmente aprendendo nas escolas. Outra questão é que hoje está na moda ser Engenheiro, porém tem pessoas que não tem aptidão e adentram ao curso. Mas para finalizar, acredito que facilitar muito para alunos é o responsável em deixar a educação a porcaria que está, e isto vem desde o ensino fundamental.
Eu achei interessante dois
Eu achei interessante dois fatos:
"“O processo de aprendizado de conteúdos complexos, como aqueles de Cálculo I, exige fundamentalmente o domínio de uma série de conhecimentos básicos. No ensino superior, entretanto, parte-se do falso pressuposto de que, se passou no vestibular, o aluno tem todos os pré-requisitos necessários para a disciplina”, critica Sérgio. “Contudo, um olhar sobre o nível de conhecimento matemático dos calouros indicaria que uma parcela detém o domínio, outra apresenta uma série de deficiências e outra sequer tem o mínimo necessário para frequentar as aulas.”"
e
"A realização de uma avaliação diagnóstica no início do curso, cujos dados poderiam orientar o professor na decisão sobre de onde começar a disciplina, é uma das alterações que, segundo ela, poderia colaborar decisivamente para mudar o quadro desolador de reprovações e evasões."
Esta avaliação que ela argumenta é realizada, e se chama vestibular, ou hoje em dia mais utilizada, chama-se ENEM. O problema está certo, o aluno entra na faculdade sem os pré-requisitos necessários. Mas as alterações necessárias para que isso mude não estão na universidade, estão nas escolas, nos colégio, onde o índice de aprovação é fantástico, mas o de conhecimento adquirido é baixissímo.
Minha opinião é que a pessoas estão muito equivocadas quando falam que a faculdade traz alto índices de reoprovações e que ela deveria ser alterada. Pode ser que ela não possui um formato excelente de estrutura.
Mas acredito que ela reflete que as estruturas básicas tem problemas e muitos. Afinal existem alunos que ingressam na faculdade sem saber a tabuada, sem saber trabalhar com frações, que não tem condições nenhuma de estar onde está. E conseguiu chegar lá por falhas das estruturas anteriores.
Não compreendo como um professor de universidade deveria avaliar uma turma, descobri que ela não sabe os conceitos de matemáticas vistos no sétimo ano do ensino fundamental e iniciar a disciplina deste ponto. Seria isso correto?
Acho que existe um grande equívoco nisso. E ele se encontra nas escolas, na forma que o ensino básico está sendo tratado hoje. Não adianta querer arrumar a parte de cima, quando a base ainda não está feita.
Calc I é coxa, só q só passa
Calc I é coxa, só q só passa quem estuda. Normalmente os alunos são aprovados sem ter q estudar e calc I é o primeiro lugar da vida q só passa quem merece; Na vdd todo o curso de exatas é assim, por mérito e rendimento. Só que as outras disciplinas nao reprovam tanto pq os q não estudam nem chegam lá, e como resultado temos melhores profissionais
Para o alto nível de
Para o alto nível de reprovação na disciplina de Cálculo 1 só a um fator e esse acredito que não tenha sido abordado pela autora que é o baixo nível em que os alunos estão chegando as universidades devido ao fraco ensino proporcionado nos anos anteriores. Os professores são qualificados a metodologia também não deverias criticar o ensino superior e sim o básico. E lembre-se a vida é seletiva em um momento todos passarão por uma seleção é melhor na universidade do que no mercado de trabalho.
Cálculo I e reprovação
A questão me parece mais ampla, como se pode notar pelos comentários acima. Não há um projeto nacional para o país, e muitas vezes as coisas são remendadas, e sempre estamos a esperar por uma canetada "legal" que irá organizar a vida de todos. No tocante a Escola, em geral, os alunos, no Brasil, não somente "participam" de uma escola onde pouca coisa é ensinada/discutida, bem como saem dela sem saber o que é estudar - e isso acaba por fazer uma diferença enorme quando se ingressa no Ensino Superior.
Cálculo I é até tranquilo,
Cálculo I é até tranquilo, quero ver o q tem a dizer sobre Física III, algebra linear e por aí vai....
Apontar solução não encontrar problemas
Creio que uma boa tese seria o apontamento de ao menos uma possível solução, testada e comprovadamente eficaz, de aplicação factível segundo as condicionantes das atuais estruturas universitárias, encontrar e apontar possíveis problemas é relativamente simples.
A maioria dos "comentaristas"
A maioria dos "comentaristas" aqui não entendeu que o objetivo não é facilitar a aprovação de alunos desleixados.
A questão é justamente buscar a abordagem correta para que os alunos aprendam o que tiverem que aprender, apesar das suas deficiências no ensino médio. Ninguém disse no texto que tudo irá ficar mais fácil para que os alunos passem e os índices de reprovação caiam, a questão é fazer com que os alunos aprendam o conteúdo e passem por méritos próprios.
Uma disciplina não pode se converter em um "divisor de águas" ou "ser para os fortes". O alto índice de reprovação não se deve exclusivamente a incompetência do aluno, mas também a uma abordagem errada do conteúdo. Se esta abordagem for modificada e o aluno aprender de verdade, ele irá ser aprovado, pura e simplesmente.
O papel do professor não é vomitar conteúdo somente para os que entendem, mas sim, trabalhar junto aos alunos.
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