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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 01 de novembro de 2013 a 10 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 582Nova rota para combater o HIV
Pesquisa que contou com participação de professor da FCA induz a morte programada das células para inibir a infecçãoDesde que o HIV foi identificado no início dos anos 1980, a ciência não tem medido esforços, tanto intelectuais quanto financeiros, para alcançar a cura da Aids. Nesse período, foram registrados avanços importantes, como o desenvolvimento de drogas que ampliaram a qualidade e o tempo de vida dos pacientes. Entretanto, nenhuma alternativa encontrada se mostrou definitiva. Justamente por isso, as pesquisas prosseguem, cada uma buscando uma rota que possa finalmente subjugar o vírus. Uma delas, que contou com a participação do professor Augusto Ducati Luchessi, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, mostrou-se promissora e tem tido grande repercussão junto à comunidade científica internacional. O estudo usou dois fármacos comerciais para induzir de forma seletiva a morte programada das células infectadas, impedido dessa forma a reprodução do vírus.
O estudo foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores norte-americanos, canadenses, brasileiros e um alemão, sob a coordenação do professor Michael B. Mathews, da Rutgers University, localizada em Nova Jersey, Estados Unidos. O pesquisador Hartmut M. Hanauske-Abel também coordenou os trabalhos. Os ensaios in vitro foram realizados nos laboratórios da instituição norte-americana. Luchessi foi convidado para integrar a equipe pelo próprio Mathews, durante um congresso científico do qual os dois participaram, em San Diego, na Califórnia. “O convite surgiu após o professor Mathews conhecer o trabalho que eu havia levado para o evento envolvendo a proteína EIF5A. Naquela oportunidade, eu investigava a relação dessa proteína com a diferenciação de células-tronco em tecidos musculares”, conta o docente da FCA.
Conforme Luchessi, Mathews também estava estudando a EIF5A, mas no contexto do combate ao HIV. “Eu e a pesquisadora Tavane D. Cambiaghi, que também participou da equipe, fomos para a Rutgers University em 2009 para atuar no projeto. Lá, passamos inicialmente por um treinamento para aprender a trabalhar com o vírus. Posteriormente, participamos dos testes propriamente ditos, que envolveram dois fármacos comerciais que impedem a ativação da EIF5A e que causam a morte de células infectadas pelo HIV”.
Para tornar a explicação mais acessível, Luchessi recorre ao conteúdo das aulas de biologia celular e molecular. Segundo ele, o organismo humano dispõe de mecanismos de defesa contra as doenças. Um deles é a apoptose, também conhecida como morte celular programada ou “suicídio” celular. Assim, quando um vírus nos ataca, é acionado o processo de apoptose, para impedir que o micro-organismo se replique. Com a morte da célula, o vírus não tem como se reproduzir, e a infecção é inibida. Ocorre, porém, que esse sistema de proteção não é 100% efetivo. Se fosse, as pessoas não apresentariam infecções virais.
No caso do HIV, por exemplo, o vírus dispõe de uma estratégia que impede que o organismo acione o processo de apoptose. Dessa forma, ele consegue manter a célula viva para poder se replicar, fazendo com que a infecção avance. “Os fármacos que usamos apresentaram a ação de desarticular o mecanismo anti-apoptótico viral. Essa é uma rota nova no tratamento da Aids, que se mostrou muito promissora. O dado interessante que observamos em relação ao uso dos fármacos é que eles induzem a morte preferencial das células infectadas. Para que as pessoas entendam, tomemos como analogia o tratamento quimioterápico. Os compostos usados no combate ao câncer buscam matar as células tumorais e preservar as saudáveis. Nos testes que fizemos, nós conseguimos promover essa mesma morte seletiva, mas em relação às células infectadas pelo HIV”, compara o professor da Unicamp.
Além dos resultados obtidos, Luchessi destaca outros dois pontos que considera relevantes em relação aos ensaios com os dois fármacos. O primeiro deles é que, como são de uso comercial, os medicamentos são amplamente conhecidos pela ciência, o que deverá facilitar o avanço da pesquisa. “Nós já sabemos, entre outros aspectos, qual o grau de toxicidade dos compostos. Isso certamente contribuirá para acelerarmos os estudos, pois é uma etapa que não precisará ser investigada. O próximo passo será partirmos para os testes em modelo animal ou até mesmo diretamente para os testes clínicos, dependendo do que o grupo e as comissões de ética envolvidas decidirão. Obviamente, ainda não podemos falar em cura da Aids por esse método, mas podemos dizer que os resultados que obtivemos nos indicam que estamos trilhando um bom caminho”, pondera o pesquisador.
O segundo ponto, prossegue Luchessi, diz respeito à continuidade das pesquisas, o que vai indicar de que forma os fármacos poderão ser usados. Conforme o docente da FCA, ainda é cedo para dizer se os medicamentos poderão ser administrados isoladamente ou em conjunto. Outra possibilidade é incorporá-los aos coquetéis já disponíveis, de modo a potencializar os resultados proporcionados por eles. “Isso sem falar que os dois fármacos também podem ser usados como protótipos para o desenvolvimento de novos fármacos. Por hipótese, pesquisadores da área de química orgânica podem se interessar pelo desenvolvimento de moléculas análogas”, exemplifica.
Os resultados das pesquisas desenvolvidas pelo grupo do qual Luchessi participou foram detalhados em artigo publicado no último dia 23 de setembro no periódico Plos One. Em menos de um mês, o trabalho recebeu cerca de 30 mil visitas no site da publicação, o que demonstra o interesse da comunidade científica internacional pelo tema. “Particularmente, fiquei impressionado com a repercussão que o artigo vem tendo. Espero que isso sirva de estímulo e apoio para que possamos dar prosseguimento aos estudos”, afirma o pesquisador.
Diferente do futebol
Logo após concluir o projeto de pesquisa com o professor Michael B. Mathews, Luchessi terminou o pós-doutorado no Brasil e em seguida foi contratado como professor da Unicamp. Atualmente, o pesquisador se dedica à estruturação do Laboratório de Biotecnologia da FCA, que começou a ser instalado há 11 meses, e divide a responsabilidade em quatro disciplinas diferentes. “Quando falo em estruturação, estou me referindo tanto à questão dos equipamentos quanto de recursos humanos. Em termos de parque tecnológico, tenho tido um apoio fundamental da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], com contrapartidas importantes da Unicamp”, conta.
Ocorre, porém, que no Brasil tudo caminha de forma mais lenta se comparado aos países desenvolvidos, como observa o docente. “Se tomarmos como comparação o futebol, todo jovem craque brasileiro é logo valorizado e em seguida é transferido para um grande clube do exterior. Com o jovem pesquisador, isso não acontece. Este tem que provar ano após ano que é capaz de fazer pesquisa de qualidade. A gente perde mais tempo provando do que pesquisando. Isso, muitas vezes, pode fazer com que o país perca ótimas oportunidades de promover o avanço do conhecimento científico e tecnológico”, considera.
Luchessi revela que gostaria de conduzir investigações aplicadas, mas por ser um cientista em início de carreira, essa é uma tarefa muito difícil. “A pesquisa na área da biotecnologia oferece altos riscos. Não é fácil decidir-se por um projeto aplicado de alto risco quando se está preocupado em garantir sua efetivação na universidade. De todo modo, meu objetivo é concluir a estruturação do laboratório, atrair jovens pesquisadores talentosos para trabalhar aqui na FCA e buscar parcerias com a iniciativa privada, principalmente a indústria farmacêutica. Nós temos alguns projetos em perspectiva, como desenvolver biofármacos anti-HIV e outros. Entretanto, por enquanto não temos condições de trabalhar com esse tipo de vírus aqui. A médio prazo, o meu desejo é transformar o Laboratório de Biotecnologia em referência no desenvolvimento de biofármacos e, quem sabe, com foco também em outras áreas de interesse, como a agrária e ambiental”, adianta o docente. Entre outras urgências, o pesquisador diz procurar parceria científica com algum pesquisador na área de síntese orgânica.
AIDS
O Brasil registra 38 mil novos casos de Aids por ano, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Desde os anos 1980, já foram notificados 656 mil casos. Estima-se que 700 mil pessoas vivam com Aids e HIV atualmente no país. Dessas, em torno de 150 mil não sabem sua condição sorológica. Também segundo os números do Ministério, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza medicamentos antirretrovirais (ARV) para 313 mil pacientes com a doença ou o vírus. Aqui são fabricados dez dos 20 remédios ARV usados no tratamento da síndrome. O objetivo das autoridades de saúde brasileiras com a estratégia de atendimento é reduzir a morbidade e a mortalidade e ampliar a qualidade de vida das pessoas com Aids ou HIV. A média de sobrevida após o diagnóstico passou de 58 meses em 2000 para nove anos em 2007. Atualmente, o governo federal investe R$ 1,2 bilhão ao ano no combate às doenças sexualmente transmissíveis e Aids.