Edição nº 586

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de dezembro de 2013 a 15 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 586

Telescópio


Artigo que associa câncer a transgênicos causa nova polêmica

O periódico científico Food and Chemical Toxicology anunciou que está se retratando de um artigo polêmico publicado em 2012, que buscava associar uma variedade de milho transgênico a uma maior incidência de câncer em animais de laboratório. Desde sua publicação, o trabalho, de autoria do francês Gilles-Éric Séralini, se viu sob ataque de outros cientistas, que apontaram diversos problemas metodológicos que tornavam o resultado inválido, incluindo o uso de um número muito pequeno de animais, e a escolha de uma variedade que já apresenta tendência natural para desenvolver tumores.

Agora, numa medida controversa, o Food and Chemical Toxicology publicou carta em que anuncia que o trabalho será expurgado da literatura científica, algo que normalmente só acontece em caso de fraude comprovada, erro grosseiro ou de pedido expresso dos autores. No caso do estudo de Séralini, nenhuma das condições parece ter sido atendida: o consenso da comunidade científica é de que o trabalho foi conduzido de modo honesto – ainda que com qualidade sofrível – e o autor segue defendendo seus resultados.

A retratação “forçada”, mesmo de um artigo que, segundo a maioria dos especialistas na área, jamais deveria ter sido publicado, é incomum. O trabalho de Séralini tornou-se uma importante peça de propaganda para os ativistas que se opõem aos produtos transgênicos, e a forma de sua retratação pode vir a inspirar novas teorias de conspiração nesse meio.

 

De anchovas, porcos e homens

 A posição do ser humano na cadeia alimentar é comparável à dos porcos e anchovas, diz estudo publicado no periódico PNAS. Os autores, todos pesquisadores franceses, calcularam o nível trófico da espécie humana – sua posição na cadeia alimentar, definida por um número que vai de 1 (plantas, que consomem a energia do Sol) a 5 (carnívoros predadores, como ursos polares ou baleias assassinas).

Usando dados da FAO e do Banco Mundial sobre o consumo global de alimentos, os autores concluíram que o nível trófico mediano da espécie humana é 2,21, próximo ao das anchovas peruanas e dos porcos, “desafiando a percepção de que os humanos são grandes predadores”, escrevem. O nível trófico da humanidade vem aumentando (elevação de 3% desde 1961), puxado principalmente por China e Índia.

 

Descoberta adega de 3.500 anos em Israel

Arqueólogos dos Estados Unidos e de Israel encontraram, nas ruínas da cidade caananita de Tal Kabri, no norte israelense, uma adega datada do ano 1.700 a.C., contendo quarenta jarros, cada um com capacidade para 50 litros de vinho. De acordo com os autores da descoberta, das universidades Haifa e George Washington, trata-se da maior adega antiga já encontrada.

A análise química dos vestígios revelou que a bebida estocada era composta por uma mistura de vinho, menta, mel a algumas resinas psicotrópicas. A receita, dizem os descobridores, é parecida com a de uma antiga bebida medicinal egípcia. A adega foi encontrada ao lado do salão de banquetes do palácio.

 

Encontrado DNA humano de 400 mil anos

Esqueletos de homininos – o grupo dos primatas cuja única espécie sobrevivente, hoje, é a Homo sapiens, os seres humanos – descobertos na Espanha permitiram que uma equipe internacional de pesquisadores, incluindo alemães, chineses e espanhóis, reconstituísse o genoma mitocondrial de um possível ancestral humano de 400 mil anos. O trabalho está publicado na edição da última semana da revista Nature.

O DNA mitocondrial, ou mtDNA, é encontrado na mitocôndria, estrutura que existe fora do núcleo da célula, e é transmitido pela linhagem materna. Os autores do estudo usaram o fêmur de um esqueleto descoberto, junto a pelo menos outros 27, no interior de uma caverna da Sierra de Atapuerca, no norte da Espanha, para obter o material, determinando que o indivíduo analisado tinha um ancestral comum com os denisovanos da Ásia, um grupo hominino ainda considerado “enigmático”, mas possivelmente ligado aos neandertais.

Em nota, a Nature declara o resultado “importante” porque “estende nossa compreensão da genética da evolução humana em cerca de 200.000 anos”. 

 

Missões da China e da Índia no espaço

Entre o fim de novembro e o início de dezembro, Índia e China realizaram importantes lançamentos espaciais. A Índia disparou uma missão rumo a Marte, e a China deu início à viagem da sonda Chang’e 3, que transporta um robô de seis rodas, chamado Yutu, programado para viajar na superfície do satélite. Se bem-sucedido em seu pouso, Yutu será o primeiro artefato humano a descer suavemente na Lua desde 1976.

Já a missão indiana tem por objetivo pôr um satélite em órbita de Marte. Suas principais metas são de demonstração tecnológica; basicamente, provar que a agência espacial indiana, ISRO, é capaz de realizar todas as manobras necessárias para levar o equipamento a Marte e operá-lo a partir da Terra.

 

Como os coalas cantam em barítono

O chamado de acasalamento dos coalas machos inclui um som extremamente grave – cerca de 20 vezes mais grave, na verdade, do que seria de se esperar de um animal de apenas 8 kg, e mais típico de criaturas como o elefante. 

A estrutura anatômica que permite que esses pequenos marsupiais cantem como barítonos era desconhecida, já que a laringe e as cordas vocais pareciam incapazes de gerar o som da frequência observada. 

Agora, na edição de 2 de dezembro do periódico Current Biology, um grupo de pesquisadores formado por um britânico, um australiano, um alemão e um austríaco mostra que os coalas têm um segundo grupo de cordas vocais, localizado não na garganta, mas no espaço atrás da boca, na ligação das cavidades oral e nasal. 

De acordo com Benjamin D. Charlton, principal autor do estudo, esta é a primeira vez que um órgão especializado em produzir som é encontrado fora da laringe de um mamífero terrestre.

 

Os efeitos da pesca na evolução dos peixes

Um artigo de opinião publicado na revista Science chama atenção para os efeitos da pesca – mais especificamente, da preferência dos pescadores por peixes grandes – na ecologia marinha.

Os autores, de instituições da Suécia e dos Estados Unidos, citam uma série de estudos já realizados sobre o assunto, e que apontam para a tendência de peixes de espécies visadas para o consumo humano crescerem mais depressa e atingirem a maturidade sexual mais cedo. Também citam trabalhos que avaliaram características de larga escala, como a relação entre tamanho do animal, distribuição geográfica e abundância.

 “Em todos os oceanos do mundo, a coleta de peixes selecionados pelo tamanho tem sido uma força fundamental impulsionando mudanças” nos animais, diz o artigo. Os autores concluem dizendo que mais pesquisas poderão ajudar os pesqueiros comerciais a garantir o uso sustentável dos estoques, e também a sobrevivência dos ecossistemas de que os peixes dependem para viver.

 

Efeito de manada na ciência

Pesquisadores envolvidos na revisão de artigos científicos correm o risco de se deixar influenciar por pistas sobre a opinião dos colegas, gerando um “efeito de manada” que pode levar a literatura científica a convergir para uma conclusão errada, adverte trabalho publicado na revista Nature.

O processo de revisão pelos pares, no qual especialistas independentes avaliam os resultados de pesquisas para determinar seus méritos, é vulnerável a “efeitos de manada” que podem fazer com que a comunidade científica não consiga detectar e corrigir seus erros, escrevem os autores, afiliados a instituições britânicas e coreanas.  

Modelos matemáticos sobre o processo de tomada de decisões de revisores de artigos científicos sugerem, de acordo com os autores, que uma maior subjetividade nas avaliações pode contrabalançar a tendência ao “efeito de manada”. 

“Um certo grau de subjetividade no processo de revisão pelos pares irá, na média, levar a menos erros de percepção, porque as decisões dos revisores (...) que vão contra a manada continuarão a revelar novas informações”, diz o artigo. “Além disso, o processo é dinâmico, e demonstramos que a autocorreção finalmente ocorre quando um grau de subjetividade é permitido”.

 

A matemática dos mortos-vivos

Filmes em que os mortos saem dos túmulos e começam a devorar os vivos estão na moda, e já faz algum tempo que chamam a atenção de cientistas: em 2009, o matemático canadense Philip Muntz publicou um artigo intitulado “Modelo Matemático de uma Epidemia de Infecção Zumbi”. 

Em um trabalho mais recente, dois pesquisadores americanos disponibilizaram o Arxiv – um repositório público de artigos científicos – a peça “Bayesian Analysis of Epidemics: Zombies, Influenza, and other Diseases” (“Análise Bayesiana de Epidemias: Zumbis, Gripes e outras Epidemias”), que usa filmes recentes de mortos-vivos para testar métodos estatísticos que poderiam ser aplicados a epidemias reais.

“Estudar diferentes tipos de dinâmica de zumbis, embora sejam obviamente ficcionais, é extremamente útil para construir modelos de doenças reais”, escrevem os autores. “Demonstramos que a mesma estrutura de modelo pode ser usada em ambos os casos, mas que os modelos zumbis têm o valor agregado de serem divertidos”.

Comentários

Comentário: 

Aceitar o que parece já considerado certo pode levar a erro, mas pior é rejeitar o que não é conhecido só porque não tem com o que comparar. O autor rejeitado fica a ver navios, perdendo tempo e até a carreira sem que ninguém, nem sua instituição, nem sua associação profissional, o ajude. Seria preciso um registro de casos externo às editoras.

lunazzi@ifi.unicamp.br