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Baixar versão em PDF Campinas, 12 de maio de 2014 a 18 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 596Subprodutos da uva são antioxidantes, aponta tese
Desprezados na vinificação, resíduos podem ser usados pela indústria como fonte de antocianinasOs resíduos de uvas tintas, que em geral são desprezados após a vinificação, podem ser utilizados amplamente pela indústria de alimentos como fonte de antocianinas (pigmentos que dão a coloração vermelha ou roxa da uva) em diversos produtos. Foi o que sinalizou pesquisa de doutorado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), que comprovou nos resíduos esses compostos possuidores de características funcionais à saúde humana, pela sua extraordinária capacidade antioxidante.
Eles apresentaram quantidades de antocianinas iguais ou até mais altas nas amostras de cultivares tintas do que em frutas vermelhas como a amora e o mirtilo, segundo a autora do estudo, Milene Teixeira Barcia. Já os resíduos de uvas brancas, apesar de não conterem antocianinas, apresentaram outros compostos fenólicos, responsáveis pela propriedade antioxidante dos alimentos e que atuam na prevenção contra problemas cardiovasculares e no envelhecimento.
Esse achado significativo, sobretudo nas amostras de subprodutos de uvas tintas, por si já traria ganhos ao ser adicionado a alimentos como cereal matinal, biscoitos, geleias (para dar coloração) ou mesmo para isolamento de alguns compostos específicos que podem apresentar efeitos farmacológicos.
A sugestão de Milene é que esse resíduo também seja agregado a iogurtes (à base de frutas vermelhas), sorvetes, sopas desidratadas (inclusive para dar cor), biscoitos, pães e a uma infinidade de produtos.
A própria doutoranda iniciou a pesquisa de um cereal matinal com esse subproduto da indústria vinícola. A ideia, nesta etapa, é realizar testes de aceitação. “Este é um pequeno passo, mas pretendemos que, ao divulgar isso, talvez consigamos outros pesquisadores interessados em aproveitar o resíduo para novas aplicações”, acentua Helena Teixeira Godoy, orientadora da pesquisa.
“Um passo foi obter esses resíduos da vinícola, que ainda têm uma alta quantidade de água (no caso das cascas, sementes e borra) imediatamente após a vinificação”, relata Milene. Depois foi comprovar sua capacidade antioxidante e, após, a separação dos compostos de interesse.
Helena Godoy acentua que essa pesquisa certamente tem importante valor social porque valoriza a atuação do homem do campo. “O produto com o qual ele está trabalhando é aproveitado 100% e pode ser integrado inclusive à merenda escolar.”
Excedente
Milene percebeu que a sobra da fruta era um problema para o setor industrial, particularmente o que fazer para dar destino ao volume de bagaço gerado (soma das cascas e sementes das uvas extraídas durante o processamento do vinho).
Até pouco tempo, os produtores tentavam empregar esses resíduos como fertilizantes, embora não apresentassem uma composição ideal para este uso. Alguns deles utilizavam até como volumoso em ração. Ocorre que os resíduos de etanol, durante a produção, ainda estavam presentes, e os animais ficavam afetados pelo consumo.
Já a produção de grapa, bebida alcoólica fabricada a partir do bagaço de uva, é modesta. Começou com vistas a combater o desperdício, obtendo as sobras das vinícolas. A casca é usada para ser fermentada e destilada. “Como temos a pinga como parte do destilado da cana, é possível fazer a grapa do destilado a partir da casca da uva, que tem características da pinga para o consumo humano”, comenta a orientadora.
No Rio Grande do Sul, onde há um maior volume de cascas e uma cultura de indústrias de vinho, se produz muita grapa. No Estado de São Paulo, o que mais se faz é a cachaça a partir da cana-de-açúcar, pois as pessoas não estão habituadas a ingerir grapa.
Com os dados obtidos por Milene, notou-se que esse resíduo poderia sim ter substâncias valiosas à saúde, como as antocianinas, largamente distribuídas na casca das frutas vermelhas. Vários estudos apontavam esse potencial.
A intenção da estudiosa foi então transformar a sobra em um subproduto de alto valor agregado e com importância social, porque estaria sendo reaproveitada uma substância desprezada para tentar recuperar as antocianinas.
Para os testes, Milene escolheu algumas variedades de uvas de mesa e de uvas finas, avaliando o resíduo após a fabricação do vinho.
Ela estudou, além das antocianinas, outros grupos de fenólicos que também têm propriedades farmacológicas, como o resveratrol, um polifenol que está presente nas sementes, na casca das uvas tintas e no vinho tinto, e que é citado na literatura para problemas cardíacos.
Já se comentava que esse era um composto com propriedades funcionais, por sua atuação frente aos radicais livres formados no organismo ou até nos alimentos. “Na verdade, todos os compostos fenólicos possuem como peculiaridade o fato de serem substâncias antioxidantes, e estão na moda há cerca de 20 anos. Por isso muitos pesquisadores estão esmiuçando-os”, garante a docente.
Técnicas
O primeiro tratamento, informa Milene, incluiu secar as amostras para tê-las mais estáveis durante o armazenamento por um período mais longo, a fim de serem aplicadas a algum alimento.
Foram desenvolvidos três tipos de secagem para analisar seu desempenho. Uma técnica muito interessante, contudo onerosa, foi a de liofilização (em que são desidratados os alimentos e submetidos a baixas temperaturas sem perder as propriedades do produto original, como os valores nutricionais).
Outra técnica foi a da secagem tradicional, cuja temperatura é de 50º C, e outra ainda a atomização, que promove a secagem apenas do resíduo líquido, no caso da borra. As cascas não passam por este método.
Nessa última técnica, o produto ficou com quantidades similares ao liofilizado, com a vantagem de ser um processo mais barato e viável, com a vantagem de manter os compostos estáveis e de evitar perdas. Esta técnica envolve o mesmo processamento pelo qual passa o leite em pó. “Então descobrimos o melhor tipo de secagem para preservar os compostos fenólicos da borra – a técnica de atomização”, revela a pesquisadora.
A expectativa é que as pessoas conheçam melhor o potencial desses resíduos para que possam ser processados ou ser adotados como fonte de compostos específicos, como o resveratrol e as antocianinas.
Helena Godoy ressalta que as frutas vermelhas estão sendo introduzidas na dieta do brasileiro, que antes não estava acostumado a ver no mercado framboesa, groselha e mirtilo. “Hoje elas têm um consumidor fiel, que reconhece suas funcionalidades.”
Milene desenvolveu um produto à base de um resíduo que seria jogado fora. Parte do que está na uva vai para o vinho e parte vai para esse resíduo, que é o produto de interesse. “Muitos alimentos poderão ser produzidos porque a casca e a borra foram transformadas num produto em pó”, esclarece a doutoranda, que ainda realizou doutorado-sanduíche na Universidad Castilla-La Mancha, na Espanha, sob coorientação do professor Isidro Hermosín Gutiérrez.
A orientadora da pesquisa realça que esse estudo não termina com esses achados. “Os resultados, associados às técnicas de última geração, mostram que há muito a aprender, muito a estudar e muito a descobrir.”
Uvas finas
A produção de uva no Estado de São Paulo está em torno de 177 mil toneladas por ano, sendo que, dessa quantidade, 50% vai para processamento da uva (60% para processamento de vinho e 50% de suco). O volume de resíduos gerados está, atualmente, em cerca de toneladas.
A produção de vinho vem aumentando e, em consequência, o volume de dados disponíveis no Brasil sobre o uso desses resíduos agora está se tornando mais significativo.
A novidade é que o Estado de São Paulo começa a plantar uvas finas, a despeito de sua tradição das uvas de mesa. Também prossegue a política de estímulo ao consumo e à produção do vinho para ganhar mercado interno e externo.
São Paulo desponta como o segundo Estado no Brasil produtor de vinhos, vindo atrás do Rio Grande do Sul. Santa Catarina aparece em terceiro lugar.
Publicação
Tese: “Estudo dos compostos fenólicos e capacidade antioxidante de subprodutos do processo de vinificação”
Autora: Milene Teixeira Barcia
Orientadora: Helena Teixeira Godoy
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)