Edição nº 596

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 12 de maio de 2014 a 18 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 596

Unicamp abriga acervo de Guilherme de Almeida

Cedae/IEL vai colocar à disposição de pesquisadores cerca de 15 mil documentos do poeta campineiro

Campinas, terra natal de Guilherme de Almeida (1890-1969), guarda agora a quase totalidade do rico acervo pessoal do poeta, tradutor, cronista, dramaturgo, crítico, advogado e jornalista que se destacou como um dos principais divulgadores do movimento modernista e como ativista da Revolução Constitucionalista de 32. O brasão do Estado de São Paulo, que ele ajudou a criar a bico de pena, as fotos de família produzidas por renomados fotógrafos da época e os artigos da coluna “Cinematógrafo”, que realçam sua faceta de crítico de cinema, são algumas relíquias depositadas no Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio (Cedae), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

Flávia Carneiro Leão, diretora técnica do Cedae, informa que os cerca de 15 mil documentos do Fundo Guilherme de Almeida estão passando por uma etapa de limpeza, higienização, identificação e listagem, antes da disponibilização aos pesquisadores. “É um acervo de riqueza ímpar, no qual é possível identificar os contextos de produção dos documentos exemplarmente representados e registrando as atividades do escritor. Nós da Unicamp estamos muito satisfeitos em receber esta documentação não só por pertencer a um campineiro, mas porque dialoga diretamente com acervos aqui depositados de amigos, parceiros e contemporâneos como Oswald de Andrade, Paulo Duarte, Abílio Pereira de Almeida e Flávio de Carvalho.”

No parecer favorável à compra do fundo pela Unicamp, a comissão de especialistas formada pelos professores Alcir Pécora, Maria Eugênia Boaventura e Jefferson Cano observa que Guilherme de Almeida veio ao mundo no mesmo ano que Oswald de Andrade; que ambos foram colegas de Colégio São Bento e Faculdade de Direito do Largo São Francisco e parceiros em livros como Mon Coeur Balance (1916); e que no seu rol de amizades figuraram outros campineiros como o modernista Antonio Carlos Couto de Barros, a mecenas do movimento Olivia Penteado e os Mesquita (Júlio e Francisco), do Estado de S. Paulo.

A comissão do IEL acrescenta que a atua-ção de Guilherme de Almeida confunde-se com a história cultural e política de São Paulo e que, mesmo antes da Semana de Arte Moderna de 1922, o poeta já fazia sucesso com seus livros. Fundador do Partido Democrático (1926), ele combateu na Revolução de 32 e, por conta de um editorial no Jornal das Trincheiras, teve que se exilar em Portugal. No parecer, o campineiro é destacado ainda como autor da capa e colaborador da revista Klaxon; membro da Academia Paulista de Letras (1928) e da Academia Brasileira de Letras (1930); presidente da Comissão do IV Centenário de São Paulo; orador oficial da inauguração de Brasília; e fundador e integrante da redação de vários jornais e revistas paulistanos.

Segundo Flávia Leão, o acervo hoje na Unicamp estava nas mãos do biógrafo de Guilherme de Almeida, Frederico Ozanam Pessoa de Barros. “Ao vê-lo pela primeira vez, surpreendeu-me o volume e a integridade dos núcleos de documentação, pois atuando na área há muitos anos, vejo que acervos pessoais sempre apresentam lacunas em relação a fatos ou períodos. Mas este é o mais completo que já vi. Toda a trajetória de Guilherme de Almeida está representada na documentação: a atuação política, a poesia, os romances, as traduções, os cargos públicos.” 

Uma curiosidade apontada pela diretora do Cedae é o interesse de Guilherme de Almeida pela heráldica (arte referente à descrição de brasões de armas ou escudos), sendo que seu desenho em bico de pena aparece no acervo de forma variada. “Ele fez os brasões de São Paulo, de Brasília e de Registro [SP], e seus manuscritos, nas versões finais, trazem os títulos desenhados à mão em estilo art déco. Também produziu ex-libris [ícone associando o livro a uma pessoa ou biblioteca], inclusive para outros autores. O gosto pelo traço também pode ser comparado ao de outros escritores do acervo, como Jorge de Lima, Hilda Hilst e Monteiro Lobato, que fazia aquarelas.”

Na opinião de Flávia Leão, acervos até então inacessíveis como este, quando chegam a instituições como a Unicamp, ganham outro status, que é o da garantia de sua preservação e do acesso pela pesquisa acadêmica. “Obviamente que existem bons trabalhos sobre a obra de Guilherme de Almeida, mas com o seu acervo aberto para cidadãos e pesquisadores, novas luzes e leituras podem surgir. Isso aconteceu com Hilda Hilst, falecida há dez anos e cujo acervo já embasou mais de 25 publicações, entre livros, teses e dissertações, além de algumas dezenas de artigos; e o mesmo em relação a Lobato, que foi alvo de uma profusão de estudos desde que sua documentação veio para cá.”

A diretora do Cedae destaca a parte fotográfica do acervo de Guilherme de Almeida, que possuía recursos financeiros para contratar profissionais que entrariam para a história da fotografia brasileira. “As imagens de alta qualidade retroagem a pais e avós e depois avançam até os filhos, reproduzindo no acervo tecnologias que permitiram o desenvolvimento da fotografia no mundo. Há a foto em que ele, no dia seguinte em que foi eleito ‘Príncipe dos Poetas’ [1959], recebe os cumprimentos de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Estava lisonjeado porque ambos eram seus concorrentes e por ter sido escolhido não pela crítica, mas pelos leitores do jornal.”

 

Um poeta de ação

A professora Maria Eugênia Boaventura, que deu parecer a favor da aquisição do Fundo Guilherme de Almeida, já prepara um projeto que tem o título provisório de “Um poeta da ação”, visando atribuir um perfil editorial aos textos do autor: o ensaísta, o cronista, o tradutor, a Revolução de 32 e a correspondência – para publicação de inéditos ou dos que mereçam divulgação mais ampla. “A proposta deste upgrade é verificar a natureza do projeto de Guilherme de Almeida, o papel que realmente desempenhou na sociedade paulista. A sua poesia está quase toda publicada, mas ele também era um homem de ação, que exerceu inúmeras outras atividades e ocupou vários cargos públicos, indicando prestígio político”.

A docente do IEL vê em Guilherme de Almeida um modernista que, ao contrário dos demais, estava inserido no sistema, preocupado com a tradição. “Ele desenhou o brasão de São Paulo e de outras cidades, foi membro das academias de Letras, presidente da comissão do IV Centenário, orador da inauguração de Brasília. E era um poeta bastante popular, que vendia muitos livros, ao passo que, por exemplo, ‘Memórias sentimentais de João Miramar’, de Oswald de Andrade, só teve a segunda edição 40 anos depois da publicação em 1924. Curioso é que, mesmo tão gabaritado, Guilherme de Almeida não conseguiu ser aprovado em concurso para professor de ginásio (mas foi secretário de escola por trinta anos).”

Maria Eugênia Boaventura não espera encontrar poesias inéditas no acervo em fase de organização, visto que muito da produção do poeta contou com reedições e ele próprio cuidou de organizar obras completas. “O biógrafo Frederico Ozanam já produziu inúmeros trabalhos importantes sobre Guilherme de Almeida, como o livro reunindo as crônicas escritas sob o título geral de ‘Pela Cidade’, no Diário Nacional (órgão oficial do Partido Democrática). E deixou com início, meio e fim um trabalho fantástico sobre a coluna ‘Cinematógrafo’, n’O Estado de S. Paulo, com três mil textos escritos por Guilherme de Almeida no período de 1926 a 43.”