Edição nº 599

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 02 de junho de 2014 a 08 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 599

Descompasso na batuta

Pesquisador detalha problemas físicos enfrentados por maestros

Os gestos feitos pelo maestro diante da orquestra ou de um coro podem ocasionar no profissional o que a medicina do trabalho chama de Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (Dort). Personalidades como o indiano Zubin Mehta, regente da Filarmônica de Israel, já precisaram afastar-se das atividades por conta do problema. Chegar a um programa de prevenção que ajude os maestros é o objetivo do pesquisador Jorge Augusto Mendes Geraldo. Em sua dissertação de mestrado, ele descreve o gestual básico da regência, utilizando a nomenclatura da anatomia e ferramentas da cinesiologia, ciência que analisa os movimentos.

A pesquisa preliminar que resultou na dissertação foi necessária porque, segundo Jorge, praticamente não havia uma bibliografia específica sobre o tema, e faltava também a padronização de terminologias relacionadas à postura dos maestros. Jorge, que também é regente, precisou cursar disciplinas na área de Educação Física para ter mais familiaridade com o assunto. “Há um número considerável de pesquisas com violinistas, pianistas e outros músicos, mas pouco sobre a regência. A ideia dessa descrição é entender o movimento numa terminologia adequada para que pudéssemos prever problemas e também entender as dores que foram relatadas em artigos que encontramos”.

De acordo com o pesquisador, o trabalho do regente tem suas peculiaridades que podem favorecer determinados problemas posturais e lesões, assim como ocorre com os instrumentistas. Quem toca sopro provavelmente teria problemas diferentes em relação ao instrumentista de cordas, cada um com seus movimentos específicos. A dissertação reuniu, portanto, a bibliografia difundida na área de regência, que traz descrições dos movimentos e a postura que se pretende do maestro. “Chegamos a esses livros por meio de uma pesquisa anterior consultando bibliotecas de universidades públicas do Estado de São Paulo que têm o curso de música. As informações forneceram dados para a comparação com a descrição anatômica dos movimentos genéricos humanos, bem como o entendimento dos movimentos da regência, para que servem e como funcionam”.

O repertório de gestos do regente é formado por movimentos básicos que, explica Jorge, dão a forma da regência e que todo músico é capaz de compreender, além dos movimentos que são considerados de expressão, particulares. “A partir dos movimentos básicos, cada regente desenvolve seu estilo próprio, lembrando apenas que os gestos devem sempre significar algo musical para o grupo”.

O pesquisador descreveu dois tipos de movimentos básicos da regência: a marcação de pulso (ou de tempos) e a diferenciação entre eles. “O que foi se desenvolvendo nos séculos 19 e 20 são esquemas de movimento que agrupam marcações musicais periódicas de tempo e que têm um significado dentro da música. Por exemplo, se as músicas agrupam compassos de três ou quatro tempos, há uma forma que o regente desenvolve que significa esse agrupamento de tempo. A marcação periódica e a diferenciação desses quatro tempos são os movimentos básicos”. 

Para cada gesto o pesquisador analisou os movimentos anatômicos relacionados, os grupos musculares que atuam, quais ajudam, quais controlam o movimento e as articulações envolvidas, assim como o grau de flexão que elas precisam. “A partir disso formulamos uma tabela que orienta de que maneira está sendo feito o trabalho. Se há dor, pode ser devido a um movimento que não esteja previsto ou por um estresse dessa musculatura que atua, por exemplo, por um tempo muito prolongado”, afirmou.

Os relatos mais comuns que o pesquisador encontrou na literatura são os casos de fadiga em consequência tanto da execução dos movimentos como o manter-se em pé do maestro. “A contração que chamamos de isométrica mantém estática certa configuração corporal. Apesar de usualmente manter uma tensão muscular relativamente baixa, ela gasta muita energia por manter o músculo atuando constantemente por longos períodos de tempo”. Os intervalos para descanso ou técnicas de apoio seriam estratégias para evitar o cansaço e as dores.

Além da fadiga, Jorge descreve a bursite como sendo a popular “doença do maestro”. Trata-se de uma inflamação das bolsas sinoviais na região do ombro do regente, onde está localizada uma das articulações que mais trabalham nessa atividade profissional. O líquido sinovial ajuda a diminuir o impacto ou atrito que um músculo ou tendão tem com um osso, por exemplo, explica Jorge. A bursite ocorre devido à movimentação prolongada ou indevida da estrutura protegida pelas bolsas sinoviais.

Embora durante a formação do regente, seja discutida a importância do aquecimento e da postura correta, uma vez que os ensaios ou concertos podem durar duas ou três horas, o pesquisador ressalta que os profissionais não têm total esclarecimento de como o corpo do maestro trabalha e “na maioria das vezes a preocupação com a saúde é posta em segundo plano”. O docente Carlos Fernando Fiorini, do Departamento de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, orientador da dissertação complementa: “Neste período dos ensaios ou concertos, o maestro faz o esforço de se manter em pé e ainda sustentando todo um arcabouço de gestos”.

 


Publicação

Dissertação: “Descrição cinesiológica dos movimentos básicos da regência”
Autor: Jorge Augusto Mendes Geraldo
Orientador: Carlos Fernando Fiorini
Unidade: Instituto de Artes (IA)