Edição nº 611

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 17 de outubro de 2014 a 02 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 611

Projeto ensina noções de primeiros socorros

Programa desenvolvido pela Preac já capacitou cerca de mil pessoas da comunidade

Um carro passou por cima do corpo de uma criança e ficou com as rodas ali paradas. O que fazer: tirá-lo de cima da vítima ou deixar do jeito que está? Um detalhe: a criança grita sem parar. Se a sua resposta foi tirá-lo de cima da vítima, a situação pode ter ficado muito complicada. Logo, há situações em que o certo é não mexer na vítima, para sua própria segurança, e em outras a intervenção tem que ser imediata.

Esse cenário é mostrado por Ana Paula Boaventura, docente da Faculdade de Enfermagem, responsável por um amplo projeto lançado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) que está ensinando primeiros socorros a diferentes estratos da população. Já houve capacitação de cerca de mil pessoas só neste ano. 

De modo amplo, esse projeto piloto visa envolver a comunidade, mostrando a crianças, adultos e idosos como acionar um serviço médico de emergência corretamente e como iniciar manobras para minimizar as sequelas nas vítimas e evitar complicações e emergências que acontecem fora do ambiente hospitalar.

A expectativa, segundo Ana Paula, é fazer novas parcerias, desta vez com prefeituras da Região Metropolitana de Campinas (RMC), para levar essa ação a outras instituições. “Pretendemos inserir vários profissionais no processo, como educadores, por exemplo, para que colaborem na facilitação dessa abordagem, sobretudo com crianças.”

A docente faz uma advertência: o treinamento deve reforçar que em todas as situações é preciso acionar primeiramente o serviço médico de emergência (Samu) ou o Resgate (Corpo de Bombeiros). “Os profissionais que atuam nesses órgãos (médicos e enfermeiros) tomarão as medidas necessárias e usarão os equipamentos adequados para o socorro”, afirma Ana Paula, que nesse projeto conta ainda com a participação direta da enfermeira Cleuza Vedovatto.

 

Protagonismo

Primeiros socorros são avaliações que devem ser ensinadas ao leigo para intervir, sem prejudicar a vítima, com o que ele tem de mínimo recurso no local – com equipamento médico ou sem nenhum equipamento, explica a professora.

Esses cuidados são encorajados mundialmente e são prestados normalmente em situações de desmaio, quedas, hemorragia, fraturas, engasgo, queimadura, parada cardiorrespiratória, convulsão, ferimentos cortantes. “Sem um treinamento, as pessoas podem piorar muito esse primeiro atendimento”, informa Ana Paula. 

Nos Estados Unidos, as crianças desenvolvem um grande protagonismo em salvar vidas. Lá, os conteúdos de primeiros socorros são abordados nas disciplinas de Educação Física, e há enfermeiros e médicos que trabalham nas escolas. Então, desde cedo, elas se preparam para fazer esse atendimento.

Desde a sua graduação, Ana Paula se interessou pela linha de primeiros socorros, mas o tema ganhou força após a publicação de um edital pela Preac. “Fomos contemplados e oferecemos, a princípio, treinamento a uma instituição de longa permanência (asilo) de Mogi Mirim, para 30 idosos residentes e 30 funcionários.”

O que Ana Paula e Cleuza viram nesse local, que é de cunho filantrópico, foi que essa instituição sobrevive em condições muito precárias. Apenas seis idosos conseguem comer sozinhos. O restante varia entre praticamente dependentes e os totalmente dependentes.

Além disso, observaram que as instituições de longa permanência despendem muitos recursos. “Se pudéssemos equipar esses locais com uma prancha rígida, um colar cervical e um ventilador mecânico, seria possível imobilizar as vítimas, em caso de necessidade. Esses aparatos são de baixo custo e acabam salvando vidas”, garante a docente.

Cleuza verificou que as maiores ocorrências ali eram os engasgos, as convulsões, as quedas (do leito e da própria altura) e a parada cardiorrespiratória. Por isso, salienta, os primeiros minutos acabam sendo cruciais, não somente para fazer as manobras previstas como também para manter o cérebro funcionante. A pessoa engasgada evolui rapidamente para parada respiratória e depois para parada cardíaca.

 

Escolas

Mas o projeto das enfermeiras não se restringiu aos idosos. As orientações de primeiros socorros em Mogi Mirim também foram levadas a duas escolas: uma pública e outra privada, com um público alvo de quase 400 crianças e adolescentes na faixa etária entre seis e 16 anos.

Uma das primeiras lições no treinamento foi como chamar o socorro e como deve ser esse pedido de ajuda. A recomendação tem sido para ligar para o telefone 192, quando existir o Samu na cidade, ou para o 193 (o Resgate). 

Ao telefonar, as crianças precisam responder a algumas perguntas porque, do outro lado da linha, os profissionais necessitam entender que tipo emergência é aquela. Infelizmente, os trotes ainda são muito frequentes.

“Explicamos às crianças para falarem claramente com o profissional e somente desligarem quando solicitado”, expõe Ana Paula. “Às vezes, pela gravidade do quadro, a pessoa liga tão nervosa que esquece de deixar o endereço. E as informações são de inestimável valor.” 

As enfermeiras enfatizaram com as crianças o socorro em caso de parada cardiorrespiratória, por ser uma das ocorrências mais comuns. “Orientamos como fazer a compressão, e as crianças repetiram a simulação com um boneco, que parece uma pessoa real”, revela Cleuza. 

Também um desfibrilador externo automático foi levado às duas escolas, próprio para ser empregado por leigos em lugares com grande concentração de pessoas. As crianças aprenderam como ligar o equipamento, como colocá-lo e como fazê-lo operar.

O desfibrilador é um aparelho eletrônico portátil que diagnostica automaticamente arritmias cardíacas em caso de parada cardiorrespiratória. Além de diagnosticar, é capaz de tratá-las através da desfibrilação, uma aplicação de corrente elétrica que permite que o coração retome o ciclo cardíaco normal.

De acordo com a docente, no Estado de São Paulo, a lei nº 12.736, de 15 de outubro de 2007, estabelece que seja obrigatória a disponibilização de desfibrilador em locais de grande concentração de pessoas, como centros de compras, aeroportos, rodoviárias, estádios de futebol, feiras de exposições e outros eventos. Conforme essa lei, as ambulâncias e os desfibriladores são necessários para eventos que agrupem um número igual ou superior a 1.500 pessoas.

“Já tivemos vários alertas com jogadores de futebol e em locais públicos que não tinham esse equipamento. Em Campinas, tivemos há pouco uma ocorrência com um adolescente em uma escola. A vítima acabou morrendo”, lamenta Ana Paula.

Quando o local não possui um desfibrilador, a orientação é aguardar a ambulância. Também é fundamental esclarecer à criança que a vítima será conduzida a um hospital, para ter um atendimento mais especializado. 

Atualmente, alguns estudos indicam que 65% das paradas cardiorrespiratórias acontecem no domicílio. E essas vítimas estão menos propensas a receber as manobras de ressuscitação do que aquelas que estão em outras localizações fora do hospital. 

Por essa razão, o Comitê Mundial de Ressuscitação de Emergências Clínicas dispõe que, de cinco em cinco anos, representantes de todos os continentes se reúnam para rever suas práticas e criar um consenso das diretrizes de primeiros socorros e ressuscitação. 

Esse órgão oferece um programa de incentivo aos primeiros socorros na comunidade, porque essas emergências em geral ocorrem fora do hospital e têm que ser atendidas logo nos primeiros minutos. “Aconselhamos que as pessoas que conhecem essas normas as executem”, incentiva Ana Paula. “Em geral, o que vemos é que a vítima é recolhida, colocada no carro e levada ao pronto-socorro, sendo que o transporte imediato também pode causar sérios danos”, alerta.

 

Unicamp

Além de idosos e crianças que fizeram parte do projeto piloto, um guarda-chuva de ações se abre na Unicamp para abranger a comunidade universitária, que também está sujeita a alguma ocorrência.

A intenção das enfermeiras é habilitar a Universidade com desfibriladores externos automáticos em pontos estratégicos da instituição e em cada unidade, para capacitar inicialmente 30% dos funcionários. Mas o alvo é alcançar todos. 

Cleuza reconhece que esse é um “trabalho de formiguinha”, pois o treinamento não termina nunca. É preciso atualizar os conhecimentos e implementar o programa de capacitação anualmente. 

O projeto de primeiros socorros na Unicamp possui uma parceria com o Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). E, em breve, as enfermeiras devem começar outra ação a convite do Sistema Educativo da Unicamp – uma atividade de treinamento para funcionários, crianças e pais. 

Esse projeto demonstra potencial para se juntar ao Programa Campus Seguro, encabeçado pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). E não acaba por aí. Ana Paula e Cleuza vêm desenvolvendo um treinamento com alunos e professores do Instituto de Geociências (IG) que, de rotina, fazem trabalho de campo em regiões distantes do país. “Já trabalhamos com quatro turmas, nos meses de janeiro e julho, que é quando eles saem para as expedições”, comenta Ana Paula. Essa ação é fruto de parceria com o Programa de Saúde do Viajante do Cecom.