Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 29 de junho de 2015 a 02 de agosto de 2015 – ANO 2015 – Nº 630A Alberti o que é de Alberti
Tese aponta possível influência do primeiro tratado de arquitetura em construções coloniais brasileirasAs regras contidas no primeiro tratado de arquitetura da história, formulado pelo italiano Leon Battista Alberti em meados do século XV, podem ter influenciado a arquitetura colonial brasileira. A constatação faz parte da tese de doutorado de Giovana de Godoi, defendida na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, sob a orientação da professora Gabriela Celani. No trabalho acadêmico, a pesquisadora traduziu as normas albertianas em descrições visuais paramétricas e abordou, de forma inovadora, a questão procedural [relativa a processo] do método desenvolvido por Alberti.
A tese de Giovana faz parte de um projeto internacional denominado “Alberti Digital – Tradição e inovação na teoria e prática da arquitetura em Portugal”, cuja coordenação está a cargo do professor Mário Krüger, da Universidade de Coimbra. O objetivo da iniciativa, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) de Portugal, é revelar a atualidade e a universalidade da obra de Alberti.
No momento de formatar o Alberti Digital, os pesquisadores portugueses perceberam, porém, que seria necessário investigar a possível influência do arquiteto renascentista não apenas na arquitetura do país, mas também em relação às ex-colônias. “Como nós temos um histórico de colaboração com esses pesquisadores, recebemos o convite para integrar o projeto e investigar essa questão no Brasil”, relata a professora Gabriela Celani. O convite também e deveu ao fato de tanto a docente quanto sua orientanda dominarem a “gramática da forma”, método avaliativo empregado em arquitetura.
Inicialmente, conforme Giovana, os historiadores portugueses consideraram que Portugal não havia sofrido influência da arquitetura renascentista. Para eles, teria ocorrido uma passagem direta do estilo gótico para o manuelino. “As pesquisas do projeto Alberti Digital comprovaram, entretanto, que construções portuguesas, principalmente igrejas, seguem um padrão que pode ter sido baseado no método albertiano”, afirma.
A partir dessa constatação, a autora da tese decidiu pesquisar templos católicos no Brasil que foram construídos por padres jesuítas no mesmo período que os de Portugal, para verificar se a técnica construtiva desenvolvida por Alberti também foi empregada por aqui. Giovana selecionou duas edificações para seu estudo de caso: a Igreja de Nossa Senhora das Graças, em Olinda (PE), e a Catedral da Sé de Salvador (BA).
Segundo a pesquisadora, seu trabalho foi baseado no sétimo livro do tratado do arquiteto renascentista, que aborda a construção de edifícios sagrados. A obra completa, intitulada De re aedificatoria, é composta por dez volumes. “No volume que estudei, Alberti normatizou a construção renascentista, formatando regras para que outros arquitetos pudessem aplicá-las. Ele determinou, por exemplo, que o comprimento de uma igreja deve ter relação com a sua largura. Assim, a partir da largura de um templo é possível estabelecer todos os outros parâmetros da construção”, detalha a autora da tese.
Após analisar detidamente o sétimo livro do tratado, Giovana desenvolveu diagramas a partir das normas fixadas por Alberti. Nesse ponto, a autora da tese faz uma observação interessante. De acordo com ela, quando elaborou o De re aedificatoria, o arquiteto italiano não inseriu imagens na obra por dois motivos. Primeiro, porque ainda não havia tecnologia que possibilitasse a impressão de ilustrações. Segundo, porque o autor temia que, caso fossem publicadas, as imagens pudessem sofrer distorções. “Conforme alguns autores, Alberti preferiu descrever todas as normas textualmente, por considerar que elas ficariam mais claras”, conta.
Estudiosos da obra albertiana chegaram a produzir imagens baseadas nas regras contidas no tratado, mas Giovana preferiu não considerá-las em sua pesquisa. “Nós desenvolvemos os diagramas diretamente dos princípios determinados pelo arquiteto renascentista, justamente para entender o processo proposto por ele. Assim, pudemos estabelecer regras e extrair parâmetros. Quando se tem um vocabulário pré-definido de formas, você consegue fazer inúmeras combinações para gerar um projeto final”, pormenoriza Giovana.
De acordo com a professora Gabriela Celani, a tese é inovadora porque, além de tratar do aspecto dimensional presente na obra de Alberti, ela também aborda a questão procedural, ou seja, de como é o processo de concepção de um projeto, passo a passo. Ela cita um exemplo hipotético, para tornar a explicação mais clara. “Imagine o traçado de uma igreja na forma de um retângulo. A partir dele, é possível fazer subdivisões das laterais, para abrigar as capelas laterais. Estas, por sua vez, podem ser intercaladas com formatos diferentes. Em outras palavras, o tratado cria uma receita que tem que ser seguida sequencialmente. Uma regra depende da outra”, pontua.
Giovana utilizou igualmente as regras de Alberti para desenvolver uma gramática da forma, que por sua vez foi empregada na análise das igrejas brasileiras. Dito de forma simplificada, a autora da tese usou os dados das larguras dos templos para definir os demais parâmetros dos projetos. Em seguida, ela comparou os resultados obtidos com as informações coletadas em arquivos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). “Os parâmetros não são exatamente iguais, mas é possível perceber que as duas igrejas foram construídas seguindo a metodologia proposta por Alberti”, sentencia a pesquisadora.
Conforme Giovana, as principais diferenças encontradas dizem respeito às larguras das paredes. “Isso pode ser resultado do tipo de técnica construtiva usada no período. Dependendo da região, usava-se a matéria-prima disponível, como pedra ou barro, o que certamente influenciava no padrão do projeto”, infere a professora Gabriela Celani. “Nós temos a expectativa de que esta tese passe a influenciar na maneira como se estuda a história da arquitetura. É fundamental que reconheçamos que um tratado de arquitetura como o de Alberti tem importância para além das dimensões. Trata-se de uma obra seminal da história da arquitetura”, acrescenta a docente.
Um homem universal Leon Battista Alberti era o que os renascentistas classificavam de “homem universal”. Nascido na cidade italiana de Gênova, em 1404, ele foi um intelectual e artista de múltiplas facetas. Dominava as mais diferentes áreas do conhecimento humano, como a arquitetura, a filosofia, a literatura, a matemática, as artes plásticas, a música e a literatura. Era filho ilegítimo de um bem-sucedido comerciante florentino. Sua formação original foi em Direito, na Universidade de Bolonha. Além de ter formulado o primeiro tratado de arquitetura da história, o De re aedificatoria, Alberti também executou projetos importantes, como os das igrejas de Santo André e São Sebastião, ambas na cidade de Mantova, na Itália. Também realizou intervenções na fachada da igreja de Santa Maria Novella, em Florença. Por causa da importância do seu trabalho, foi nomeado secretário do papa Nicolau V, para quem preparou a Descriptio urbis Romae [Descrição da cidade de Roma], cuja finalidade era promover a remodelação urbanística de Roma. A Alberti são atribuídas frases sobre inúmeros temas, principalmente acerca da harmonia das formas, como esta: “Beleza: ajuste de todas as partes proporcionalmente, de tal forma que não se pode adicionar ou subtrair ou modificar sem prejudicar a harmonia do todo”. O arquiteto morreu em 1472, em Roma. |
Publicação
Tese: “Uma interpretação computacional do “de re aedificatoria”: um estudo de caso de igrejas históricas brasileiras”
Autora: Giovana de Godoi
Orientadora: Gabriela Celani
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)