Edição nº 637

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de setembro de 2015 a 20 de setembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 637

Grupo desenvolve liga de aço para roda ferroviária

Adição de elemento químico vanádio resulta
em dispositivo que pode ser usado no transporte de cargas pesadas

Testes realizados com uso de um equipamento desenvolvido por pesquisadores brasileiros, por meio de parceria entre a Unicamp e a USP, revelaram que uma liga de aço com adição do elemento químico vanádio, criada pela empresa MWL Brasil, tem bom potencial para ser usada em rodas ferroviárias de uma nova geração de vagões utilizados no transporte de cargas pesadas, como carvão, minério de ferro ou grãos.

Essas rodas farão parte de uma nova categoria, chamada Classe D, que foi definida há menos de cinco anos pela Association of American Railroads (Associação de Ferrovias da América do Norte – AAR, na sigla em inglês). Os testes que puseram o aço com vanádio em destaque para essa aplicação são descritos em tese de doutorado defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, pela pesquisadora Solange T. Fonseca. 

“Uma das maneiras de se reduzir os custos no transporte de cargas é aumentando a quantidade de carga transportada por vagão”, explica o resumo da tese de Solange. “Isto eleva a tensão no eixo do vagão e, consequentemente, a roda deve possuir maior dureza, sem perda da tenacidade para suportar o desgaste”. 

O trabalho segue relatando que “para atingir os níveis de dureza necessários estão sendo desenvolvidas rodas ferroviárias com aços microligados, definidos como aços carbono-manganês contendo pequenos teores (menores que 0,5% em massa) de elementos de liga como o nióbio, vanádio, molibdênio e titânio”.

A pesquisadora explica o papel desses microligantes: “A adição de elementos de liga que são fortes formadores de carbonetos como o nióbio, vanádio e titânio favorecem o crescimento de nanopartículas compostas por seus respectivos carbonetos. EssaEquipamento desenvolvido por pesquisadores da USP e da Unicamp: dois motores com precisão de milésimos de milímetros nanopartículas ancoram-se à estrutura microscópica do aço, tipicamente em uma região que chamamos de contorno do grão austenítico. Isto reduz o crescimento desse grão, produzindo aços com uma estrutura mais refinada, o que aumenta a resistência mecânica e a tenacidade”.

“A empresa MWL Brasil, fabricante de rodas ferroviárias forjadas, criou o ‘alloy design’ (“projeto da liga”) dos aços microligados, e o meu doutorado foi estudar o comportamento microestrutural e mecânico destes aços, além da construção de uma máquina de fadiga de contato. Como resultado, temos que o aço com adição de vanádio é um forte candidato para homologação junto à AAR, pois atendeu a todos os requisitos da norma”, disse ela.

TESTES 

A tese relata que, em 2008, a MWL do Brasil passou a desenvolver rodas ferroviárias fabricadas com aços microligados. A partir de 2012, tornou-se necessária a criação de uma máquina de ensaio de fadiga de contato que atendesse às especificações da norma da AAR.

A máquina usada nos testes, criada em parceria com a Escola Politécnica da USP, é formada por dois motores com precisão de mícrons – milésimos de milímetro – que giram de modo independente, gerando, no contanto, uma perda de massa que simula o desgaste normal da roda do trem contra os trilhos. “Para um estudo de rotina a máquina deve monitorar: temperatura, vibração e perda material por desgaste”, disse Solange. “O número de rotações é definido pela norma da AAR, que estabelece dois ensaios de fadiga de contato utilizando a mesma máquina, apenas alterando o número de rotações e o deslizamento. Um dos ensaios estabelece 500.000 ciclos para um deslizamento 0,75% de um disco com relação ao outro. O calor gerado pelo atrito pode modificar a microestrutura da roda e causar um desgaste prematuro. Por isso, deve ser monitorado”.

O estudo envolveu a análise da microestrutura formada nos aços das rodas ferroviárias, e o monitoriamento através das chamadas curvas de resfriamento contínuo (CRC) do metal. “Ferrita, cementita, martensita, bainita e austenita são fases possíveis de se formar em aços médio carbono durante o processo de fabricação ou no regime de trabalho. As fases são porções homogêneas de um sistema que possui características físicas e químicas uniformes, segundo a definição de W. D. Callister Jr. Já as microestruturas são características estruturais de uma liga (por exemplo, as estruturas dos grãos e da fase) que estão sujeitas a observação sob um microscópio, ainda de acordo com Callister Jr”, explicou a pesquisadora. 

Solange Fonseca, autora da tese: “Uma das maneiras de se reduzir os custos no transporte de cargas é aumentando a quantidade de carga transportada por vagão”William D. Callister Jr. É um importante autor na área de ciência e engenharia de materiais, responsável por um livro introdutório sobre o assunto largamente adotado no ensino superior. 

“Cada fase tem uma propriedade mecânica característica. Por exemplo, a ferrita é dúctil e a martensita é frágil. As microestruturas podem ser alteradas na presença de mudanças de temperatura, pressão em relação ao tempo, ou de tensões impostas externamente. A microestrutura é capaz de definir características importantes nas rodas, tais como propriedades mecânicas e sua vida útil”, completou Solange.

“Com as curvas de resfriamento contínuo, fizemos o mapeamento das microestruturas que podem ser encontradas durante diferentes velocidades de resfriamento. O controle dessas velocidades é uma técnica versátil utilizada na fabricação de aço pelas indústrias”, disse Solange. “Essas curvas são importantes, pois indicam as temperaturas e os tempos em que aparecem as microestruturas que podem fragilizar a roda, ou aumentar sua resistência durante a fabricação, ou ainda podem auxiliar na investigação do desgaste prematuro ou na fragilização durante o uso”.

Os aços testados que continham vanádio se mostraram melhores que os contendo nióbio e molibdênio, e os sem a presença de microligantes. “O aço vanádio apresentou propriedades mecânicas, resistência e tenacidade, superior aos demais. Essas propriedades são importantes na vida útil da roda”, disse ela.

A tese explica que o protótipo da máquina de fadiga de contato (disco contra disco) forneceu resultados confiáveis até 250.000 ciclos, não atingindo o valor mínimo especificado pela AAR. “Entretanto, a experiência adquirida foi essencial para projetar um novo protótipo, que está em comissionamento”, diz o texto.

PATENTE

A nova máquina, disse Solange, deve estar pronta nos próximos meses. A pesquisadora está fazendo pós-doutorado nos Estados Unidos, na Colorado School of Mines, na área de microscopia eletrônica, mas tem a intenção de voltar ao Brasil para continuar trabalhando na questão. “Quando retornar, pretendo continuar os estudos na área de tribologia – o estudo do desgaste e do atrito – juntamente com a microscopia eletrônica, atacando este mesmo problema”.

Solange lembra que o transporte ferroviário de cargas vem crescendo em importância no Brasil. “O sistema ferroviário nacional é o maior da América Latina. A movimentação de cargas pelas ferrovias brasileiras cresceu 50%, subindo de 305 milhões de toneladas úteis, em 2001, para 460 milhões de toneladas úteis em 2014”, disse a pesquisadora, citando dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Outras informações da ANTT apontam o aumento no número de vagões em operação, que passou de 72 mil, em 2006, para 96 mil, no ano passado, num aumento de mais de 30%. Os investimentos na rede também tiveram elevação nos últimos anos, mais que triplicando entre 2004 e 2014. 

Além disso, os estudos realizados poderão dar origem a propriedade intelectual: “O ‘alloy design’ da roda foi desenvolvido pela empresa MWL Brasil, que será responsável pela patente do mesmo. Porém, o projeto da máquina de desgaste, realizado pela USP em parceira com Unicamp, poderá gerar patente para Unicamp”.

 

Publicação

Tese: “Efeito de adições de vanádio, nióbio e molibdênio na estrutura e propriedades mecânicas de aços com 0,7% C utilizados na fabricação de rodas ferroviárias”

Autora: Solange T. Fonseca

Orientador: Paulo Roberto Mei

Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)