Edição nº 653

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de abril de 2016 a 01 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 653

Traumas dentários em crianças e
jovens são objeto de dissertação

Exame visual dos dentes abrangeu cerca
de 1,2 mil estudantes da rede pública na região

Fatores ligados à oclusão, ou encaixe dos dentes, podem influenciar a ocorrência de traumas dentários em crianças e adolescentes. Especialmente o chamado “overjet” que é uma sobresaliência ou “trespasse horizontal” dos dentes anteriores superiores; e o selamento labial inadequado, quando os lábios em repouso não se tocam, deixando os dentes superiores parcialmente ou totalmente descobertos. A constatação é de uma pesquisa realizada pela docente Adriana de Jesus Soares, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, e pela aluna Ana Carolina Correia Laurindo de Cerqueira Neto, autora de dissertação de mestrado sobre o tema. A professora e orientadora do trabalho começou a pesquisa nas escolas públicas de Piracicaba e região em 2009, ainda como colaboradora no Serviço de Traumatismos Dentários na área da Endodontia da FOP, e a aluna deu continuidade à coleta de dados entre 2013 e 2014, tabulando as informações em sua dissertação.

Cerca de 1.200 estudantes de escolas públicas entre 6 e 17 anos foram avaliados por meio de exame visual dos dentes permanentes anteriores superiores, medição do overjet e avaliação do selamento labial. Os alunos também responderam questionários sobre possível histórico de trauma dental. A prevalência de traumatismo dentário encontrada foi de 13,36% (correspondente a 157 estudantes). O trabalho foi realizado com escolas de Campinas, Americana, Limeira e Piracicaba. “Existem estudos que mostram que as crianças que têm um aumento no overjet tem muito mais propensão a bater os dentes e fraturar do que aqueles que não têm. Da mesma forma o selamento labial ajuda a proteger mais os dentes quando é adequado. O trabalho foi realizado com o objetivo de entender melhor o quanto esses fatores interferem na ocorrência de trauma”, afirma a professora.

A pesquisa mostrou que quanto maior foi a sobresaliência, ou overjet, dos dentes e menos adequado o selamento labial, a ocorrência dos traumas subiu muito. Praticamente dobrou quando o overjet foi superior a três milímetros e aumentou seis pontos percentuais com o selamento inadequado. Ficou comprovado, portanto, que essas características são fatores de risco para traumas dentários. “Quando a criança ou o adolescente levam uma pancada, esses dentes batem primeiro e há casos em que o lábio também não consegue proteger. Quem tem o overjet acentuado e o selamento labial inadequado normalmente respira pela boca, ou permanece bastante tempo com a boca aberta”, explicou a autora da dissertação.

Na maior parte dos traumas houve fratura de esmalte e dentina. O dente quebra e tem um comprometimento estético com necessidade de um tratamento. “O trauma dental altera o fator emocional do estudante porque os pais, muitas vezes, não têm condições de fazer a reabilitação e a criança fica com aquele dente anterior fraturado”, observa Ana. Nos casos mais graves o dente pode sair da boca, o que é chamado de avulsão. Esse dente pode ser reimplantado, mas é preciso que ele seja conservado da melhor maneira possível. Professores e pais nem sempre sabem o que fazer de acordo com outra etapa da pesquisa, que foi verificar o conhecimento dos professores em relação ao trauma dental e às medidas de pronto atendimento em casos de acidentes que resultem em lesões traumáticas. 95% dos professores não sabiam sequer o que é a avulsão dentária. A autora explica que, no caso do dente sair da boca, a melhor maneira, caseira, é deixá-lo num copo com leite e procurar um dentista, imediatamente, para o tratamento.

Mas somente 22,58% dos professores que responderam os questionários que, no caso de avulsão, transportariam o dente em recipiente contendo leite. A maioria levaria o dente em recipiente contendo soro fisiológico, e boa parte transportaria em toalha de papel, o que é desaconselhável.

Panorama

Além de apontar o overjet e o selamento labial como fatores de risco, a pesquisa fez um panorama de como ocorrem os traumas dentários nessa etapa da vida escolar. “Levantamentos epidemiológicos de saúde bucal que incluem o diagnóstico de traumatismo dentário são escassos, tanto em países em desenvolvimento quanto em países industrializados, se comparados a dados coletados sobre cárie e doença periodontal” revela Ana. O que surpreendeu até mesmo as pesquisadoras é que a maioria dos casos não ocorreu de fato no ambiente da escola, mas em casa ou na rua. Dos 13,36% estudantes que sofreram trauma nos dentes da frente, menos de 5% dos acidentes foram na escola. “Este fato se deve aos tipos de brincadeiras das crianças, e também, cada vez mais, elas se mantêm em ambientes residenciais como apartamentos e condomínios  fechados”, observa a orientadora.

O trabalho também ajuda a desconstruir o mito de que os meninos se machucam muito mais que as meninas. A diferença vem reduzindo ano após ano e nesse estudo é praticamente de um para um, sugerindo que as mulheres aumentaram a participação nas atividades esportivas.

De acordo com a professora, de um modo geral a prevalência de traumas varia muito. “Depende da região, se a criança pratica esportes ou não, a condição social, e se tem mais atividades na escola ou fora dela. Também depende dos índices de violência porque alguns casos podem ser de violência doméstica, enfim alguns fatores mudam de uma região para outra” esclareceu.

Estudos brasileiros já realizados em médias e grandes cidades do sul do país, encontraram uma variação da prevalência de 10,7% a 58,6%, segundo dados da dissertação. O trabalho informa que há poucos dados disponíveis sobre traumatismo dental em outras regiões do país. “As grandes cidades são mais propensas a ter mais superlotação, violência urbana e acidentes de trânsito. Isso demonstra como é importante a obtenção de novos dados sobre o assunto a fim de elucidar as tendências do traumatismo dentário”, afirma Ana.

Entre as crianças avaliadas no trabalho que tiveram trauma dentário, 72 sofreram quedas da própria altura e 42 participavam de atividades esportivas, especialmente jogando futebol. Também foram relatadas quedas de bicicletas. Os meninos de 10 a 12 anos são os que mais apresentaram traumas dentários. Todos os casos avaliados no trabalho que necessitavam de reabilitação foram encaminhados ao serviço gratuito da faculdade, que atende à população todas as segundas-feiras.

Durante o trabalho de campo nas escolas também foi realizada uma campanha de prevenção, com a entrega de folders e a realização de palestras. Para a docente, “a contribuição do trabalho é a indicação da necessidade de continuar os estudos transversais, que levam um tempo maior, promovendo campanhas educativas dentro das escolas, envolvendo pais e escolares mostrando que o trauma pode acontecer, que existem serviços especializados que dão o suporte do atendimento”.

A autora da dissertação complementa que o trabalho nas escolas pode ajudar na orientação da família e dos professores quando há um aluno com maior propensão ao trauma. Da mesma forma que os protetores bucais são populares entre os esportistas, eles podem ser utilizados pelos estudantes nas atividades de impacto. Além disso, as profissionais orientam a procurar um ortodontista para uma correção preventiva.

O estudo demonstra a necessidade dos serviços públicos de saúde estarem preparados para o tratamento das crianças.  “Ao se conhecer a etiologia e o local da maioria de ocorrências de traumatismo dentário, pode-se estabelecer programas adequados de prevenção e controle” ressalta Ana. A falta de conhecimento de professores, pessoas que geralmente são solicitadas a prestarem os primeiros socorros a crianças vítimas de traumatismo dental durante a prática de atividades na escola, pode prejudicar o prognóstico desses dentes traumatizados.

Publicação

Dissertação: “Avaliação da prevalência de traumatismos dentários associados a indicadores de risco em escolares de 6 a 17 anos de Piracicaba (SP) e região e conhecimento dos professores sobre a conduta de pronto atendimento em trauma dental”
Autora: Ana Carolina Correia Laurindo de Cerqueira Neto
Orientadora: Adriana de Jesus Soares
Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)