Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de maio de 2016 a 29 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 656‘É falsa a visão de que haverá uma trégua’
Se consumado o impeachment, quais suas perspectivas para o futuro?
Cícero Romão de Araújo
Não vejo razões para otimismo. O governo que deve começar em breve carrega os mesmos problemas estruturais que o anterior, isto é, os problemas que levaram ao tremendo desgaste da presidência de Dilma Rousseff. Em boa parte, a conjunção de forças que se formou contra o governo saiu de dentro dele mesmo, e vai continuar aí, mesmo depois do afastamento da presidente. Não podemos esquecer que, além da crise econômica, uma medida enorme da debilitação de seu governo tem a ver com a Operação Lava Jato, na qual o PMDB está implicado até o pescoço.
Quanto à crise econômica, não vejo uma saída de curto prazo. É provável que a sociedade brasileira ainda venha a estar sofrendo suas consequências em 2018. Ocorre que o grupo político que foi desalojado agora e sua base social – que, mesmo diminuída, não é pequena – continuam mais ou menos articulados e não sairão repentinamente de cena. Mais do que isso: muito feridos e indignados pelo modo como foram defenestrados. Receio que continuaremos a viver uma polarização semelhante à que estamos vivendo desde as eleições de 2014. E se até lá não tivermos conseguido virar essa página, será a confirmação de que os impasses atuais foram mal encaminhados.
E por que acho que estão, de fato, sendo mal encaminhados? Porque se tenta resolver a crise pela pura e simples “purgação”, ou melhor até, pela produção de um bode expiatório. Algo como: “existe aí um bando de malfeitores e tudo que temos de fazer é puni-los, após o que tudo volta ao normal”. Isso não é verdade: todo o sistema político está contaminado pelos problemas que levaram a esses processos judiciais, que a opinião pública acompanha desde 2005, com a crise do mensalão. Se a corrupção eleitoral, que envolve uma vasta promiscuidade entre o aparato do Estado e o poder econômico, atinge todo o sistema partidário, a purgação pura e simples não a resolverá.
Em vez de dizer que os malfeitos são um “desvio” do sistema, resultado da malícia de alguns, seria mais correto dizer que, na verdade, são produzidos pelo próprio sistema. Logo, é preciso reformá-lo profundamente, assunto que, aliás, meio que sumiu da pauta. O bode expiatório pode até causar uma satisfação psicológica momentânea, mas é uma falsa solução. Pior: é injusta, só vai gerar ressentimento. Mesmo que, hoje, seja o ressentimento de uma minoria, é de uma minoria muito considerável e, vale dizer, circunstancialmente minoritária –assim como a maioria antigovernista é circunstancialmente majoritária. Tudo isso recomenda ficar com as barbas de molho.
Eduardo Fagnani
Uma profunda crise institucional e política. Um governo sem votos, composto por políticos suspeitos de corrupção, não terá legitimidade popular. Nos últimos 60 anos, a sociedade brasileira mudou para melhor, mas as elites ainda adotam práticas dos anos de 1950 e 1960. São incapazes de conviver com o Estado Democrático. Como escrevi recentemente, a democracia e a cidadania social são corpos estranhos ao capitalismo brasileiro.
A ascensão ilegítima ao poder poderá trazer tensões de grande monta. É falsa a visão de que após o impeachment haverá uma trégua, pois pressupõe que a sociedade brasileira no século 21 é a mesma de meados do século passado – veja o movimento dos estudantes secundaristas, para dar um único exemplo. A governabilidade do país poderá depender de um Estado policial ainda mais severo que o utilizado em 1964.
Nesse cenário, é questionável a visão de que a “confiança” dos empresários na economia será restabelecida. Por outro lado, a agenda liberal será levada ao limite – como explicitado no chamado Plano Temer. A gestão macroeconômica será ainda mais ortodoxa e o ajuste fiscal, mais severo. No campo social, a estratégia macroeconômica somente terá viabilidade com a radical supressão de direitos sociais e trabalhistas – também explicitado no Plano Temer. Querem acabar com a cidadania social assegurada pela Constituição de 1988. O movimento social vai assistir passivamente ao retrocesso da cidadania social para o século 19?
Francisco de Oliveira
Espero uma virada conservadora. Sua consequência imediata é evitar que Lula seja candidato em 2018. Lula é o alvo. Como ele não está na Presidência, tudo se assanhou quando Dilma o convidou para ser ministro da Casa Civil. A baderna foi tão grande que ele nem tomou posse. Na verdade, todos os movimentos são contra o Lula e o PT. Como ele não assumiu, a coisa voltou-se contra a Dilma. O objetivo, óbvio, é evitar que o PT volte ao poder. Assim, Lula perde sua força política, talvez para sempre.
Nas condições que havia, caso decidisse concorrer em 2018, Lula seria imbatível. O tucanato não tem nenhum nome capaz de derrotá-lo. José Serra tentou uma vez e foi desmoralizado. Aécio Neves é muito fraco – perdeu em Minas e não comove o resto do Brasil. De neto do Tancredo Neves, o Aécio não tem nada. O Tancredo jamais entraria numa fria dessa.
Portanto, o alvo, repito, é Lula. Eles fizeram – e farão – de tudo para desgastá-lo completamente. Lula não tem muito a fazer, a não ser que dê uma de revolucionário, coisa que ele não é e nunca foi, ou seja, dificilmente será candidato em 2018. As classes dominantes não querem nem pensar em Lula de volta ao governo federal. Este é o recado.
No campo da agenda conservadora, não creio que, em curto prazo, Michel Temer retire os direitos sociais. Seria muito visível, escandaloso e politicamente desgastante. Esses direitos serão retirados, mas aos poucos.
José Arthur Giannotti
As perspectivas são, por enquanto, as piores possíveis. Porque o processo de impeachment deve criar uma maioria, em princípio essa maioria poderia dirigir o país, mas por enquanto não estamos vendo isso acontecer no Brasil. Temer, até agora, não tem conseguido empunhar uma série de ideias capazes de reformular o país profundamente, num momento de uma crise histórica que é absolutamente avassaladora.
(Continua na página 9)