Livro revela desafios da megadiversidade brasileira
LUIZ SUGIMOTO
Apenas 10% dos supostos dois milhões de espécies da fauna, flora e de microorganismos da biodiversidade do Brasil são conhecidas. Mesmo a estimativa total de quase dois milhões pode estar redondamente errada. Não estão fora de questão estimativas que atingem cinco ou até dez milhões de espécies. A um ritmo de descrição científica de novas espécies de 0,6% ao ano, boa parte da diversidade ainda desconhecida deverá desaparecer sem nunca ter sido registrada.
Biodiversidade
Brasileira
-
Síntese do estado atual do conhecimento é
um livro que apresenta as primeiras estimativas
do tamanho desse desconhecimento. Escrito pelo professor
Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia (IB),
juntamente com Paulo Inácio Prado, do Nepam
(Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais)
da Unicamp, acaba de ser publicado pela Editora
Contexto, com apoio do Ministério do Meio
Ambiente e da Conservation International do Brasil.
"Não se trata de um inventário, mesmo porque não oferecemos qualquer lista de espécies. É um balanço do que já está inventariado", esclarece Lewinsohn. Este diagnóstico contou com uma equipe de consultores da Unicamp, USP e Universidade Federal de São Carlos (veja quadro). Por meio de um questionário, os consultores obtiveram informações de mais de 160 especialistas de todo o país, o que permitiu um balanço inédito do conhecimento e da capacitação dos pesquisadores a respeito de organismos de água doce, invertebrados marinhos e terrestres, vertebrados, plantas, diversidade microbiana e diversidade genética..
Lewinsohn explica que a tônica do livro passa longe da "pura lamentação" pela falta de recursos. "Há problemas imensos, mas temos uma massa expressiva de especialistas, coleções, instituições e cursos de pós-graduação. Se não contamos com a mesma base institucional da Europa, estamos à frente de muitos outros países com elevada biodiversidade. Dentre os países em desenvolvimento, apenas alguns, como a Índia, México e África do Sul se equiparam a nossa capacidade e têm condições de provocar um avanço significativo do conhecimento", avalia.
O trabalho é fruto de consultoria ao Ministério do Meio Ambiente, com recursos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para subsidiar a elaboração da Estratégia Nacional de Biodiversidade. "É um compromisso assumido pelo Brasil na Convenção de Diversidade Biológica, como todos os signatários, de apresentar relatórios periódicos e elaborar uma estratégia abrangente para a biodiversidade", lembra Lewinsohn. A Convenção não trata apenas de conhecimento e preservação, mas também da partilha dos benefícios de uso da diversidade, aspectos importantes, mas que não foram objeto deste estudo.
Dispersão - As informações sobre biodiversidade estão dispersas, fragmentadas e muitas vezes não chegaram a ser publicadas, dificultando uma visão de conjunto. O livro mostra o primeiro retrato do estado atual do conhecimento, uma ferramenta que permite apontar caminhos e corrigir rotas. "Ficou claro quais regiões conhecemos menos. Sempre imaginamos a Amazônia como uma área misteriosa, mas temos muito mais estudos sobre ela do que sobre a caatinga ou o Pantanal. Outro exemplo é o Estado do Tocantins, que vem abrindo largas fronteiras agrícolas, sem que saibamos quais as espécies podem estar se perdendo", aponta.
O diagnóstico revisa as condições das coleções e bibliotecas científicas no país, avaliando se são suficientes ou se é necessário recorrer a acervos do exterior. "As respostas são bem diferentes, conforme o tipo de organismo. Para 70% dos vertebrados, os especialistas acham possível trabalhar com nossas bibliotecas. Já na área de plantas, há maior proporção de grupos em que é indispensável a consulta em outros países", observa Lewinsohn.
O trabalho, diz, não propõe um megaplano centralizado para a biodiversidade, tão a gosto de tecnocratas, mas pretende estimular projetos factíveis em grupos importantes. "Um inventário completo de todas as espécies do território brasileiro é irreal. Isso levaria mais de um milênio, quando dispomos de uns 20 ou 30 anos, porque em muitas áreas as espécies estão sumindo rapidamente. Se meu limite de corrida é de 500 metros, não vou disputar uma maratona de 42 quilômetros, pois nunca vou chegar lá", compara.
Recursos - O autor reconhece o investimento feito pelo Brasil nas últimas décadas, aparelhando instituições da área e enviando alunos para pós-graduações em centros de excelência. Ele observa, contudo, que o processo empacou na hora de absorver estes novos pesquisadores. "É o mesmo que investir fortuna para modernizar a planta industrial da fábrica e depois deixar as máquinas tomando sol no pátio, em vez de botá-las para funcionar", pondera.
Lewinsohn afirma que a retomada do processo exigiria um dinheiro surpreendentemente modesto, em comparação com outras áreas de ciência e tecnologia. "O que está matando nossas instituições é que num ano temos verba para trocar o álcool dos frascos e, no ano seguinte, não. Essa falta de continuidade é terrivelmente desgastante e compromete muitos acervos", reclama.
Em recursos humanos, o professor julga que, antes de discutir como e quais especialistas formar, é preciso contratar quem já foi formado e está relegado ao subemprego ou a outras atividades. "Vivemos uma crise. Proporcionalmente, temos menos gente trabalhando em taxonomia (classificação de espécies) do que há um século, porque esta atividade perdeu prestígio durante o crescimento inicial da biologia molecular. Recentemente, a preocupação com a biodiversidade e a incorporação de novas técnicas moleculares revitalizaram a pesquisa em taxonomia, mas ainda faltam profissionais, inclusive nos países desenvolvidos", conclui.