Tadeu faz o balanço de quatro anos
e vê Unicamp como a melhor do país
CLAYTON LEVY
No
dia 19 de abril de 2005, em seu discurso de posse no cargo
de reitor da Unicamp, o engenheiro de alimentos José Tadeu
Jorge destacou, entre outros pontos de seu programa de gestão,
a importância de se ampliar a oferta de vagas na graduação
e a necessidade de se manter e ampliar o nível de excelência
das atividades de ensino e pesquisa. Quatro anos depois,
ao encerrar seu mandato, ele tem motivos de sobra para comemorar.
A graduação teve um aumento de 17% em suas vagas disponibilizadas no vestibular, o maior realizado de uma só vez desde Zeferino Vaz, o fundador. A pós-graduação consolidou sua posição como a melhor do país, conforme demonstra a avaliação da Capes dada a público em 2007, na qual a Unicamp foi a única universidade brasileira a ter 70% de seus cursos situados nos níveis de “alto desempenho” e “padrão internacional”.
A produção científica continuou sua marcha ascendente, o que se pode constatar pela evolução das publicações em revistas internacionais indexadas – de 1.898 em 2004 saltou-se para 2.752 em 2008 –, colocando a Universidade no topo do ranking per capita na área. Além disso, a qualidade de seus produtos científicos manteve a Unicamp na lista dos principais geradores de patentes do país, com cerca de 600 registros.
As atividades de extensão ganharam maior adensamento, inclusive com a restauração do prédio da antiga Estação Guanabara e sua transformação em braço cultural da Unicamp no centro urbano de Campinas. E a cooperação internacional foi intensificada e ampliada, com os programas de intercâmbio atingindo a marca de 10% dos estudantes.
Todas essas ações tiveram como eixo norteador o Planejamento
Estratégico (Planes) que, além de definir e cumprir linhas
de ações visando objetivos concretos, instituiu uma nova
cultura que privilegia a participação da comunidade no
acompanhamento e projeção do desenvolvimento institucional.
Na entrevista que segue, concedida ao Jornal da Unicamp a duas semanas de encerrar seu mandato, Tadeu Jorge faz um balanço de sua gestão. E conclui, olhando para o futuro: “Acho que só posso ambicionar uma coisa: continuar trabalhando pela educação brasileira”.
Jornal da Unicamp – Como resume sua experiência dos últimos quatro anos à frente da administração da Unicamp?
José Tadeu Jorge – Foi muito positiva do
ponto de vista dos resultados institucionais e extremamente
gratificante do ponto de vista pessoal. O programa de gestão
foi executado com folga e ainda acrescentamos pontos adicionais
que não estavam previstos. Isso aumentou a quantidade de
realizações. Ter sido reitor significou uma grande responsabilidade.
Trata-se de uma universidade de ponta, com projeção internacional
e, na minha opinião, a melhor do país. Quem trabalha com
conhecimento deve pensar sempre em melhorar. E não é fácil
melhorar significativamente algo que já atingiu o nível
de excelência. É o caso da Unicamp e, por isso, foi um
desafio enorme. Ao mesmo tempo, é muito positiva a maneira
como a comunidade da Unicamp incorpora essa questão e está
sempre empenhada em fazer com que a Universidade cresça
mais ainda. Quando a Reitoria apresenta algum projeto, recebe
sempre uma grande atenção da comunidade, no sentido de
contribuir para que o projeto seja melhorado e viabilizado.
A própria comunidade contribui com idéias e ações para
melhorar o desempenho da Universidade do ponto de vista
qualitativo, além de conferir à instituição uma grande
responsabilidade.
JU – Como gostaria que esse quatro anos fossem lembrados?
Tadeu – A história
da Unicamp mostra um indicador muito importante que explica
a maior parte do sucesso da instituição, que é a fidelidade
ao projeto inicial. É impressionante como as idéias estabelecidas
pelo professor Zeferino Vaz na origem da Unicamp conseguiram
se manter e serem respeitadas por todos os reitores que
se seguiram. Tivemos abordagens diferentes em fases diferentes,
mas a ideia central, baseada na produção do conhecimento
novo e na relação com a sociedade como elementos qualificadores
na função primordial, que é o ensino em todos os níveis,
se mantém desde o começo. Mesmo passando, ao longo da
história, por uma série de dificuldades, internas e externas,
é incrível como a Unicamp se manteve fiel a esse projeto.
Acho que isso explica, em grande parte, a qualidade e a
projeção alcançadas pela Universidade. Por essas razões,
diria que o grande mérito dessa gestão foi consolidar
definitivamente o processo de planejamento estratégico,
respeitando o projeto original e melhoria contínua.
‘O programa de
gestão foi executado
com folga e ainda
acrescentamos
pontos adicionais
que não estavam
previstos’
JU – Por outro lado, que lembranças marcantes vai levar desse período?
Tadeu – Poderia fazer uma lista,
mas vou pontuar apenas algumas. O projeto do novo campus
de Limeira, por exemplo, propiciou vários momentos marcantes
durante a gestão. Já em 2005, o Conselho Universitário
aprovou a criação do novo campus e a sua construção
física. Depois, no ano seguinte, a aprovação dos seus
doze novos cursos de graduação. Na seqüência, já em
2008, a autorização do Conselho para que as atividades
fossem iniciadas em 2009, com oito desses cursos aprovados.
E, finalmente, em 2009, o início efetivo das atividades
com os 480 alunos da primeira turma. Todos esses passos
dentro de um mesmo projeto foram momentos muito significativos,
que mobilizaram a comunidade. Um segundo ponto marcante
foi a conclusão do Planejamento Estratégico, o que significa
fechar um ciclo de implantação, vinculando o planejamento
da universidade aos recursos orçamentários. Isso foi fundamental
para dar organicidade ao planejamento, com começo, meio
e fim. Um outro momento significativo foi a realização
do projeto envolvendo a Estação Guanabara, que não decolava
desde 1990, quando a Unicamp assumiu aquela área com a
proposta de uma ação cultural para a cidade de Campinas.
Graças ao trabalho da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos
Comunitários e à parceria com a Campinas Decor, o projeto
foi viabilizado e hoje é uma realidade no campo da cultura
e da inclusão social. Estamos fazendo várias atividades
num espaço histórico, que foi recuperado e devolvido à
comunidade de Campinas.
JU – Levando em conta os impactos produzidos, qual destas três realizações o senhor considera a mais importante?
Tadeu – Os impactos são distintos. Mas acho que levando em conta os objetivos da Unicamp, o maior impacto está relacionado ao novo campus de Limeira, porque cria novas oportunidades para que um número maior de jovens tenha oportunidade de cursar uma universidade como a Unicamp. A formação de recursos humanos é a tarefa fundamental das universidades, especialmente as públicas. Entretanto, a Estação Guanabara cumpre outro objetivo importante, que é a relação com a sociedade. Por sua vez, o Planejamento Estratégico é a base para que todas essas ações ocorram. É um processo interno sem muita visibilidade, mas é essencial para que os projetos e ações se desenvolvam. Sem o Planejamento Estratégico, certamente teríamos dificuldades para eleger as prioridades e correríamos o risco de não estabelecer os rumos que a universidade deve seguir.
JU – Com a eleição do professor Fernando Costa para o quadriênio 2009-2013, a comunidade da Unicamp referenda o seu sucessor natural, como antes já havia referendado o seu nome para suceder Brito Cruz. Em sua opinião, há um projeto comum nessa linha sucessória que a comunidade tenha percebido e chancelado? Que projeto é esse e quais são suas linhas de identificação?
Tadeu
– Não tenho dúvida que sim. Sinto-me concluindo
uma gestão de sete anos, levando em conta os três anos
em que fui vice-reitor na gestão do professor Carlos Henrique
de Brito Cruz (2001-2003) e os quatro anos em que exerci
o cargo de reitor. E já disse ao professor Fernando Costa
que ele tem mais sorte do que eu, porque certamente vai
concluir um mandato de onze anos, levando-se em conta o
período em que foi pró-reitor de Pesquisa na gestão do
professor Brito e os quatro anos como vice-reitor na minha
gestão. Entendo que a comunidade realmente escolheu um
projeto ao escolher o professor Brito, referendou esse projeto
três anos depois e, agora, deu outro referendo à proposta
apresentada pelo professor Fernando.
‘Diria que o grande
mérito dessa gestão
foi consolidar
definitivamente
o processo de
planejamento
estratégico’
Existe, sim, uma linha condutora desses três projetos.
São três pessoas completamente diferentes, com personalidades
e visões diferentes, mas que conseguiram construir um projeto
que é único em termos dos fundamentos. Apesar da diversidade
natural de cada gestão, há fios condutores que são muito
importantes e estão presentes nos três programas: a defesa
da universidade pública e gratuita de qualidade; a institucionalidade,
que é a base de sustentação orgânica e administrativa
de qualquer universidade; e o uso da garantia constitucional
da autonomia universitária. A Unicamp, como nenhuma outra
universidade brasileira, usou, usa e se faz valer da autonomia.
Esse é um valor importante para a instituição estabelecer
o seu comportamento, suas prioridades, suas discussões
internas e decidir com responsabilidade em todos os momentos.
Essas linhas permanecem nas três gestões. E permanecem
com um foco definido, que é o modelo presente desde a concepção
da Unicamp em suas origens. Por essas razões, não tenho
dúvidas de que essa identidade, que vem desde o início,
e com essas três linhas mestras, a comunidade entendeu
que esse efetivamente é o caminho para consolidar a universidade.
JU – Os números indicam que durante sua gestão houve uma evolução bastante apreciável da produção científica da Unicamp, a começar pela produtividade dos professores em termos de publicações em revistas indexadas. Uma das metas mais ambiciosas do professor Fernando Costa é elevar a Unicamp a um patamar científico que a coloque entre as 100 melhores do mundo. Já há sinais de que isto seja possível e quais são esses sinais?
Tadeu – É possível, sem dúvida. Colocada a questão como uma meta, a Unicamp terá todas as condições de atingi-la nos próximos quatro anos. Esse é um processo de melhoria contínua. Se tomarmos, por exemplo, os indicadores de produção científica per capita, medida pelos trabalhos publicados em revistas indexadas, vamos observar um crescimento que em alguns momentos é exponencial. Se observamos, por exemplo, essa curva desde a autonomia, vamos constatar um crescimento impressionante nos últimos vinte anos. Talvez a base desse processo tenha sido a implantação do Projeto Qualidade, em 1990. Foi uma resposta da comunidade. Entretanto, à medida que esses números crescem, torna-se cada vez mais difícil crescer ainda mais. Por isso, medidas de suporte a esse crescimento são muito importantes.
‘O projeto de
implantação
do novo
campus de
Limeira
propiciou
vários momentos
marcantes’
Nesse aspecto, acho importante destacar pelo menos duas. Uma delas é o planejamento estratégico. Mirar a meta de estar entre as cem melhores universidades do mundo e criar as condições para que isso seja possível, é um desafio que precisa de planejamento a fim de propiciar medidas concretas. Outro ponto importante é a pós-graduação. A produção científica depende muito da pós. A parte mais significativa desse resultado de publicações em revistas indexadas tem de ser atribuído aos nossos programas de pós-graduação e ao trabalho desenvolvido pelos grupos de pesquisa. Nossa pós-graduação tem um crescimento bastante consistente ao longo do tempo e é algo que precisa continuar crescendo e se qualificando para dar suporte ao crescimento da produção científica, que é uma condição importante para estar entre as cem melhores do mundo.
Um indicador importante, nesse aspecto, é a avaliação dos cursos pela Capes. Nos últimos quinze anos, a Unicamp obteve sempre a melhor média. E, o que é mais importante, essa média tem crescido num cenário em que a média dada pela Capes no total dos cursos brasileiros não apresenta o mesmo crescimento. Isso significa que a pós-graduação da Unicamp foi se qualificando ao longo do tempo. Acredito que a preservação desses fundamentos na próxima gestão torne bastante real a possibilidade de estarmos entre as cem melhores universidades do mundo nos próximos anos.
JU – Há muito se diz que de cinco a dez por cento dos professores da Unicamp estão no exterior, rotativamente, aprendendo ou ensinando alguma coisa. Nos dias de hoje, o intercâmbio acadêmico com outros países alcança entre os alunos a elevada taxa de dez por cento. Isto pode ser tomado como um sintoma do grau de internacionalização alcançado pela Unicamp? Em que sentido mais avançaram as relações internacionais da Universidade no período?
Tadeu – Se analisarmos a realidade do mundo atual, ficará claro que, para formar bem os estudantes, é indispensável essa relação internacional. Não que todos eles necessitem de experiências no exterior para serem bons profissionais. Entretanto, a relação internacional permite mudar a visão sobre a comunidade como um todo e fazer com que a formação seja mais completa. Hoje é comum nossos egressos serem contratados no Brasil e, alguns meses depois, serem designados para integrar projetos na China, Índia, Estados Unidos, Europa ou outros países na América Latina.
Se esses estudantes não tiveram a oportunidade de desenvolver uma visão mais abrangente das questões mundiais, terão mais dificuldades em se adaptar e desenvolver toda a sua potencialidade profissional. A relação internacional deve ocorrer com esse foco. O docente deve ter fortes relações internacionais, enquanto os estudantes devem aproveitar ao máximo as experiências dessa natureza, seja através dos próprios professores ou pela participação em pesquisas financiadas por organizações internacionais de fomento.
Tudo isso incute nas pessoas envolvidas a visão cultural de outros lugares. A simples participação, por exemplo, num projeto financiado pela Comunidade Européia, dá uma visão sobre como aquela região trata as questões do conhecimento e como isso se relaciona com a formação profissional de cada um. Estimular a experiência internacional para os professores é importante para a Universidade, na medida em que eles sempre trazem novos conhecimentos e passam isso para os estudantes. Ao mesmo tempo, é importante para o estudante poder passar um semestre ou um ano em outro país. Isso certamente enriquece muito a sua formação profissional.
Esse foi um dos objetivos da atual gestão. Nós queríamos atingir a meta de 10% dos ingressantes passando pelo menos um semestre no exterior. Conseguimos atingir essa meta em 2008, mais do que dobrando a quantidade de estudantes que tiveram oportunidade de atuar em outras universidades. Essa internacionalização também produz frutos de reconhecimento no exterior em relação à qualidade da Unicamp. Praticamente sem exceção, os estudantes que participam desses programas de intercâmbio são muito elogiados. Tanto quanto nossos professores, eles também divulgam a qualidade dos nossos programas de ensino e pesquisa. É sempre uma experiência positiva.
‘A Unicamp, como
nenhuma outra
universidade
brasileira, usou,
usa e se faz valer
da autonomia’
JU – Segundo seu relatório de gestão, sua administração concluiu quase 22 mil metros quadrados de obras novas e deixou outros 51 mil metros quadrados em execução. A gestão deixa também quase duas dezenas de novos laboratórios de pesquisa e de ensino. Há alguma coisa que gostaria de ter feito e não fez? Há ainda muita coisa por ser construída ou consolidada, do ponto de vista físico, na Unicamp como um todo?
Tadeu
– Sim, muita coisa ainda precisa ser feita.
Os próprios números indicam isso. A Universidade tem muita
dificuldade em viabilizar construções. Nós tivemos recursos
para entregar muito mais que 22 mil metros quadrados, mas
não conseguimos devido aos procedimentos necessários para
o desenvolvimento das obras. Evidentemente, elas têm de
ser licitadas para dar visibilidade ao emprego dos recursos
públicos. No entanto, esse procedimento tem sido um entrave
para a Universidade. Há uma disputa muito acirrada entre
as empresas interessadas em assumir as obras. Não raro,
as licitações se transformam em processos judiciais. Além
disso, as empresas que oferecem melhor preço nem sempre
conseguem concluir a obra. Boa parte delas subdimensionam
seus custos para vencer a licitação e depois desistem
por falta de fôlego. Simplesmente abandonam a obra. Com
isso, todo o processo tem de ser recomeçado.
Fizemos várias tentativas para resolver essa questão. Conseguimos equacioná-la parcialmente, mas ainda precisamos encontrar um caminho melhor para viabilizar as obras, com atuação mais eficaz no uso dos recursos e respeitando os processos legais. Há, ainda, o fato de que muitas unidades demandam obras sem terem um projeto prévio. A distância entre a demanda e a execução efetiva da obra toma um tempo que às vezes é medido em anos.
O exemplo mais claro dessa situação é a construção de um teatro. A necessidade de a Unicamp ter um teatro próprio está reconhecida desde sempre. A idéia começou a ser viabilizada em 2001 com a alocação de R$ 3 milhões. Mas se tratava de um teatro apenas sonhado, não havia projeto. Só a partir da alocação dos recursos é que foi se pensar num concurso para um projeto arquitetônico. Esse concurso foi vencido por um projeto que, na época, custava cerca de R$ 8 milhões, e hoje tem um custo estimado em R$ 12 milhões. Conseguimos captar mais recursos e, finalmente agora, oito anos depois, temos os projetos arquitetônico e executivo para dar início à licitação. Mesmo assim, abrindo-se a licitação, não podemos descartar eventuais problemas no processo. Esse é um caso emblemático das dificuldades relacionadas às obras.
JU – Quais seus planos para o futuro?
Tadeu – No plano mais imediato, e aproveitando que deixo a Reitoria às vésperas de um feriado, meu plano é descansar um pouco. Mas não muito, porque também não vale a pena. Toda minha vida foi construída na Unicamp. Formei-me aqui, fui contratado imediatamente, construí toda minha carreira docente nessa Universidade, passei por vários cargos e cheguei a reitor. Graças às reformas na Previdência em 1998 e 2003, não tenho tempo para me aposentar. Acho que só posso ambicionar uma coisa: continuar trabalhando pela educação brasileira. Foi isso que sempre fiz. Como professor e como gestor da Universidade nos cargos administrativos que ocupei, sempre tentei dar condições para que a educação se processasse da melhor forma. O que eu puder fazer para que esse processo continue melhorando, gostaria de continuar fazendo. Até porque, acho que não saberia fazer outra coisa.