Pano rápido Tese
de doutorado mostra que “despertar para a modernidade” decretou o fim do Theatro
Municipal Carlos Gomes Itália
como espelho O
Theatro Municipal de Campinas, posteriormente Theatro Municipal Carlos Gomes,
foi uma realização das classes mais abastadas de Campinas, mas atendeu também
a um público mais simples. A obra, conforme a pesquisadora Marialice Faria Pedroso,
reflete o conservadorismo da sociedade local, a começar do fato de o edifício
ter sido erguido no mesmo terreno do seu antecessor, o Theatro São Carlos. Além
disso, explica a autora da tese de doutorado intitulada “Metáfora da Modernidade
– Theatro Municipal Carlos Gomes”, o padrão arquitetônico do teatro seguiu as
tendências italianas, dado que o responsável pela obra, Giuseppe Chiappori, vencedor
do concurso, havia se formado na Escola Politécnica de Turin. A
fachada do prédio, afirma Marialice, tinha morfologia clássica associada a elementos
do Art Nouveau. O interior, projetado pelo arquiteto paulistano Christiano Stockler
das Neves, era refinado e mantinha sintonia com o estilo da École dês Beaux-Arts
de Paris. A planta, como foi dito, era tradicional, all’italiana, modelo que teve
seguidores por cerca de 200 anos. Atualmente, além de poucas imagens e documentos,
restam raras peças do extinto monumento. É o caso do imponente lustre de cristal,
tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas
(Condepacc), que hoje ornamenta o saguão do Centro de Convivência Cultural (CCC).
A tese de doutorado de Marialice foi orientada pelo professor Marcos Tognon. Contou,
ainda, com o apoio do professor José Roberto do Amaral Lapa, falecido em junho
de 2000, e com o suporte financeiro da Capes e do CNPq. MANUEL
ALVES FILHO |
Demolição do teatro, acompanhada pelo fotógrafo V-8: polêmica |
Trinta
e oito anos após a demolição do Theatro Municipal Carlos
Gomes, originalmente batizado de Theatro Municipal de Campinas, ainda restam muitas
dúvidas sobre as razões que levaram à condenação
daquele patrimônio arquitetônico. Inúmeras versões foram
apresentadas ao longo desse período para tentar explicar o episódio.
Algumas asseguram que a decisão foi tomada com base apenas em critérios
técnicos, pois o prédio imponente poderia desabar sobre a platéia.
Outras dão conta de que medida atendeu ao lobby de especuladores imobiliários.
Há, ainda, quem assegure que prevaleceu o interesse político. Para
a pesquisadora Marialice Faria Pedroso, que defendeu tese de doutorado sobre o
assunto junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp,
é possível que tenha ocorrido a conjugação de algum
desses e de outros fatores. Na sua pesquisa, porém, ela faz uma nova proposição
para tentar esclarecer o processo que levou ao tombamento literal da Casa
de Ópera. Ao seu ver, o motivo que determinou a construção
do teatro também decretou o seu fim. O despertar para a modernidade
foi para o Theatro Carlos Gomes o ponto de partida e a linha de chegada,
afirma.
Marialice buscou entender a demolição
do Theatro Municipal Carlos Gomes a partir da sua construção. No
final do século XIX, de acordo com ela, a elite campineira já se
movimentava em torno da necessidade de erguer um teatro que fosse à altura
tanto da cidade, considera pela sociedade local como um importante centro de arte
e cultura, quanto do seu filho mais ilustre, o compositor Carlos Gomes. O Theatro
São Carlos, que mais tarde seria demolido para dar lugar à nova
Casa de Ópera, era considerado pequeno e de simplicidade quase
que franciscana. Por algum tempo, entretanto, o argumento permaneceu adormecido,
sobretudo por força do alto preço dos lotes disponíveis na
região central da cidade.
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Marialice Faria Pedroso no local onde funcionou o teatro: investigação a partir
da construção |
No início
do século seguinte, mais precisamente nos anos 20, a idéia da construção
de um teatro monumental renasceu com força total. Em julho de 1992, a Prefeitura
de Campinas lançou um edital convocando profissionais interessados em participar
do concurso que escolheria o projeto arquitetônico do edifício. O
documento estabeleceu que o custo da obra não poderia ultrapassar a quantia
de 600 contos de réis, valor considerado tímido para um empreendimento
tão ousado. Foram registradas, então, 18 propostas, formuladas por
17 concorrentes. Apenas três meses depois, o Diário Oficial do Município
já trazia o nome do vencedor, o escritório Chiappori
& Lanza Engenheiros-Architectos, de São Paulo. A construção
teve início em 1924 e se prolongou por seis anos, período em que
ocorreram várias interrupções nas obras. O custo final do
teatro, inclusive, ficou em uma vez e meia o valor projetado inicialmente. Finalmente,
em 10 de setembro de 1930, o Theatro Municipal de Campinas foi inaugurado, com
a apresentação da ópera O Guarani, de autoria
de Carlos Gomes, pela Cia Lírica da Sociedade Teatral Ítalo-Brasileira.
Vale destacar que, embora a riqueza de Campinas tenha sido forjada com base
na cultura do café, o teatro nasceu junto com a industrialização,
encampando um conceito de modernidade, afirma Marialice. No entanto, o monumento,
verdadeiro orgulho da sociedade campineira, só duraria 35 anos.
O
processo que culminaria com a demolição do patrimônio arquitetônico,
conforme a autora da tese, tem início poucos anos depois. Em 1935, os jornais
da época já apontavam um certo abandono do teatro. As atividades
eruditas foram cedendo lugar às de cunho popular. Essa popularização,
conforme Marialice, contribuiu para o descaso com a manutenção da
casa de espetáculos, o que podia ser notado pelo estado de conservação
de cortinas e mobiliário, para citar dois exemplos. No início da
década de 60, quando o teatro já tinha sido rebatizado como Theatro
Municipal Carlos Gomes, a imprensa denunciava o surgimento de problemas estruturais
no prédio. Rachaduras e infiltrações foram identificadas
em vários pontos. Em 1965, baseado em dois laudos técnicos, que
apontavam para a necessidade de demolição, o então prefeito
Ruy Novais decidiu colocar o monumento abaixo.
Para
Marialice, vários fatores contribuíram para a destruição
do teatro. Tudo leva a crer que a preocupação com os gastos
possa ter inviabilizado o controle de qualidade pretendido. É possível
que tenham sido utilizados materiais de segunda categoria, arrisca. De acordo
com ela, concorreram ainda para a tomada da decisão fatores emocionais,
como o caso do desabamento do Cine Rink, ocorrido em 1951; racionais, já
que seria mais fácil demolir que consertar algo velho; de ordem política,
uma vez que uma tragédia poderia comprometer a carreira de um homem público;
e de caráter econômico, dado que a manutenção do teatro
seria um empecilho à expansão do centro da cidade.
A
pesquisadora afirma que não há elementos disponíveis que
desabonem os laudos técnicos recomendando a demolição, mas
destaca que à época havia tecnologia disponível para ações
de recuperação e restauração do prédio. Já
eram empregadas soluções avançadas para a construção
civil, como no caso do edifício do Museu de Arte de São Paulo, que
apostou numa estrutura de concreto protendido, técnica pioneira no Brasil
entre 1957 e 1968, assegura Marialice. Após ouvir diversas pessoas
ligadas direta ou indiretamente ao episódio e de analisar inúmeros
documentos da época, a pesquisadora concluiu que a condenação
do patrimônio arquitetônico teve como pano de fundo o desejo de modernização
da cidade, a partir da sua região central. Paradoxalmente, argumento semelhante
havia sido usado algumas décadas antes para erguer o mesmo monumento. Topo
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