Projetos desenvolvidos na FCM inspiram políticas públicas em todos os níveis
Programas alcançam
repercussão internacional
Embora as unidades de assistência médica sejam a face mais visível do seu trabalho, uma vez que prestam atendimento direto à população, a importância da FCM não pode ser medida apenas com base nos procedimentos realizados pelo HC, Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) e Centro de Diagnóstico de Doenças do Aparelho Digestivo (Gastrocentro) e o Hospital Estadual de Sumaré (HES). Várias pesquisas e programas desenvolvidos pela Faculdade foram adotados ou serviram de inspiração para a execução de políticas públicas nos níveis municipal, estadual e federal, sendo que algumas obtiveram repercussão internacional.
Um exemplo de sucesso é o Projeto Catarata, idealizado pelo professor Newton Kara José e que conta com a participação de inúmeros docentes e alunos da FCM. Depois que foi lançado pela Unicamp, o programa foi copiado por outras regiões. Em pouco mais de 15 a nos de atividades, foram realizadas em todo o País aproximadamente 5 milhões de consultas e 1 milhão de cirurgias. De acordo com estimativas do Núcleo de Prevenção da Cegueira do HC, somente aquele hospital já operou gratuitamente perto de 10 mil pacientes nesse período. Só para se ter uma idéia do que esses números representam, basta saber que até 1966 o Brasil realizava apenas 60 mil cirurgias de catarata por ano, conforme dados do Ministério da Saúde.
A criação do Caism, em 1986, uma inspiração do ex-reitor José Aristodemo Pinotti, também serviu de modelo para o desenvolvimento de ações nas várias instâncias de governo. A saúde da mulher deixou de ser tratada apenas sob o ponto de vista do aparelho reprodutivo, para ser entendida de uma maneira mais global, considerando suas necessidades e direitos. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Paism), também lançado na década de 80 pelo Ministério da Saúde, aproveitou muitos dos conceitos gerados a partir da experiência da Unicamp. Desde então, o número de casos de cânceres de colo de útero e mama, que vitimavam milhares de mulheres ao ano, sofreu uma redução significativa.
Outro trabalho importante desenvolvido pelos especialistas ligados à FCM e que mais tarde replicou pelo País está relacionado ao controle da qualidade do sangue e seus derivados. Com a criação do Hemocentro, em 1985, novos padrões foram estabelecidos, o que ocasionou uma queda brusca nos níveis de contaminação em transfusões, por exemplo. Pesquisas e projetos desenvolvidos por outras áreas da Faculdade, como na Medicina Preventiva e Social e no Gastrocentro, também auxiliaram para a execução de políticas públicas na área da saúde. "Fica praticamente impossível citar todas as contribuições que a FCM deu nesse sentido, ao longo de 40 anos. A gente sempre corre o risco de omitir algumas. O mais importante é que continuamos empenhados em trabalhar pela saúde das pessoas", destaca a diretora da unidade, a professora Lilian Tereza Lavras Costallat.
De acordo com ela, além de gerar experiências que serviram ou ainda servem de inspiração para ações governamentais, a FCM tem um outro papel fundamental no esforço para assegurar uma melhor qualidade de vida aos cidadãos brasileiros. Os profissionais treinados pela Faculdade, lembra a professora Lilian, deixam os bancos escolares com uma sólida formação técnica e humanística e se espalham por várias regiões. "Eles funcionam como multiplicadores de conhecimento nos locais onde vivem", afirma.
Excelência - A Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp é reconhecida atualmente como uma das melhores do segmento no País. Um dado que reforça essa análise é o desempenho alcançado pelos alunos de Medicina no Exame Nacional de Cursos, o chamado Provão, que avalia a qualidade dos cursos de nível superior no Brasil. "Até agora, nós só obtivemos conceito "A", uma das poucas escolas médicas que conseguiram isto no País", conta a diretora da FCM, professora Lilian Tereza Lavras Costallat. O estágio atual da Faculdade, porém, em nada lembra os problemas que tiveram que ser superados no início das suas atividades.
Quem viveu muito de perto as agruras enfrentadas pelos pioneiros da FCM é o obstetra João Luiz de Carvalho Pinto e Silva, que também responde pela presidência da comissão que está organizando as festividades em comemoração aos 40 anos da unidade. Integrante da segunda turma de Medicina, ele conta que no começo tudo era muito precário e improvisado, a despeito do esforço e dedicação de mestres e estudantes. O então calouro João Luiz teve suas primeiras aulas na Maternidade de Campinas. A primeira seleção de alunos, recorda, foi feita fora de época, o que permitiu que muitos jovens oriundos de outras cidades interioranas, que não conseguiram ingressar em escolas maiores, viessem para Campinas. Esse fato fez com que o grupo fosse batizado de "caipira".
Depois, a Faculdade foi transferida para a Santa Casa de Campinas, mas ainda de forma improvisada. De acordo com o obstetra, havia falta de espaço para receber os diversos setores e departamentos. "A solução foi construir mezaninos e ir acomodando pessoas, móveis e equipamentos da melhor forma possível". Não demorou para que os imóveis localizados no entorno começassem a ser ocupados por laboratórios e ambulatórios. "O Centro Boldrini, que é uma referência nacional em pesquisas onco-hematológicas, nasceu num porão do casarão que hoje é ocupado por uma famosa choperia, no bairro Cambuí", revela o professor João Luiz.
Nesta época, diz, os professores tinham poucos recursos à sua disposição. "O professor Lopes Faria (José Lopes Faria) fazia pessoalmente toda a preparação das lâminas que serviriam aos nossos estudos. Havia muito improviso. Outros professores só conseguiam preparar o material de trabalho porque contavam com a ajuda de familiares. A despeito das dificuldades, acredito que tudo isso ajudou a tornar ainda mais interessante o processo de aprendizado, pois o contato entre alunos e mestres era muito mais próximo. Esse é um patrimônio de participação muito rico e especial para a FCM", analisa o atual docente da unidade.
O doutor João Luiz recorda, ainda, de situações pitorescas, que refletem bem os obstáculos encarados pelas primeiras turmas do que viria a ser a FCM. Uma delas soa irreal para os padrões atuais. "Os professores das disciplinas de fisiologia e de farmacologia estimulavam os alunos a caçarem animais perdidos, como cachorros, sapos e ratos, que eram usados em nossas experiências", conta, sem conseguir conter um sorriso saudosista. Mas a falta de estrutura não era a única dificuldade enfrentada naqueles tempos. Conforme o obstetra, a situação política do País, que acabara de mergulhar na ditadura militar, também se constituía em entrave para as atividades estudantis.
O doutor João Luiz narra: "Eu lembro que a minha primeira semana de aula, em 1964, foi suspensa, pois coincidiu com o 31 de março, dia do golpe militar. Os tanques estavam na rua e era muito perigoso para qualquer um sair de casa. Na época, havia um grande envolvimento político dos estudantes da Faculdade de Medicina de Campinas. Nós participávamos tanto da vida política do país quanto da vida política institucional. Quando houve a doação de parte da fazenda Santa Cândida para a construção da sede própria da Faculdade, por exemplo, nós pegamos um caminhão de tijolos e fomos até o local. Chegando lá, construímos uma parede, colocamos uma placa da Faculdade de Medicina e chamamos a imprensa para registrar. Queríamos que o projeto saísse finalmente do papel. Era uma maneira de participação muito mais engajada e importante do que temos verificado nos anos recentes". (M.A.F.)
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