JUMas
os críticos de esquerda dizem que atualmente
a sociedade já não exerce esse controle.
Então, o que muda?
PlínioMuda porque o capital financeiro
quer a independência de papel passado. Ele já
tem usucapião do Banco Central. O governo deveria
estar fazendo o contrário, ou seja, a estatização
do Banco Central. Recuperá-lo como um instrumento
de política econômica.
JUO que o senhor
achou da redução de 0,5% que o governo
anunciou para a taxa de juros?
PlínioÉ um aumento desprezível
porque, como a inflação está
caindo mais aceleradamente do que a taxa nominal de
juros, a taxa real de câmbio está aumentando.
Então trata-se mais de uma medida para atenuar
as críticas contra as altas taxas de juros
do que uma mudança na política econômica.
Em minha opinião, não tem efeito concreto
algum. Mesmo que a taxa caísse para 23%, 22%,
as taxas reais de juros continuariam extraordinariamente
altas. O que o Brasil precisa é de uma mudança
de qualidade no patamar dos juros e não uma
mudança quantitativa dentro de um nível
estratosférico.
JUO senhor também
critica a adesão do Brasil à Alca. Por
quê?
PlínioA Alca significa uma renúncia
de soberania sem precedentes na história recente
do Brasil. Integrar o Brasil no espaço econômico
americano implica em grande destruição
de forças produtivas brasileiras. O Brasil
tem um parque produtivo, industrial e agrícola,
que de certa maneira é redundante com o parque
norte-americano. São duas economias continentais
e muito diversificadas. Só que a produtividade
da economia norte americana é pelo menos dez
vezes em média superior à brasileira.
Se há uma redundância de parque produtivo
significa que um dos dois será destruído.
E é claro que será destruído
o menos produtivo. É evidente que há
setores que ganhariam muito com a Alca, como o agribusiness
de uma maneira geral. Mas perde a indústria
como um todo, o pequeno e o médio agricultor,
o setor de serviços e o estado brasileiro que
vai ser desmilingüido pelas cláusulas
da Alca. E, mesmo os que ganham, ganharão pouco
porque o governo norte-americano protege os seus setores
mais frágeis.
JUUma das críticas
feitas pelo grupo que assina o manifesto é
que o governo Lula estaria adotando uma espécie
de stalinismo econômico. O que o grupo quer
dizer com isso?
PlínioNa verdade estamos criticando
a dificuldade que o governo tem em debater a política
econômica. O Genoíno [José Genoíno,
presidente do PT], por exemplo, disse que o manifesto
propunha uma transição para o socialismo.
Do nosso ponto de vista, essa maneira de conduzir
o debate não contribui em nada para esclarecer
a sociedade brasileira sobre as alternativas disponíveis.
Ao contrário, é uma maneira de distorcer
o debate e circunscrevê-lo à idéia
de que ou fazemos o neoliberalismo ou vamos para o
dilúvio.
JUO ministro José
Dirceu disse que as propostas contidas no manifesto
poderiam significar a volta da inflação.
O que o senhor acha dessa declaração?
PlínioNa verdade, o atual governo
está continuando o mesmo padrão de debate
da era FHC. Procura desqualificar qualquer tipo de
alternativa que fuja do neoliberalismo. No raciocínio
do José Dirceu, a sociedade brasileira tem
apenas duas alternativas: hiperinflação
ou recessão. O que a população
brasileira precisa entender, e este é o objetivo
do nosso manifesto, é que existem outras alternativas.
Estas são as alternativas se a sociedade for
incapaz de se desvencilhar dos interesses do capital
financeiro.
JUMas o presidente
Lula defende a sua política econômica
dizendo, por exemplo, que o risco Brasil diminuiu
depois da sua posse.
PlínioAcho que há várias
confusões. É preciso saber se a política
econômica está sendo boa para o banqueiro
ou para o povo brasileiro. É claro que essa
política está sendo boa para o banqueiro
e, portanto, o risco para o banqueiro diminuiu. Mas
está sendo péssima para o Brasil. E
não se trata de uma política de transição,
que permitiria num segundo momento reverter o quadro
para uma outra política econômica. Essa
é uma política econômica que aponta
para um aprofundamento do neoliberalismo. Também
temos de entender que o risco está caindo porque
o governo é completamente dócil ao capital
financeiro. Mas a causa principal dessa queda é
um movimento de entrada de capital de curtíssimo
prazo no Brasil. Isso porque o governo norte-americano
está com taxa de juros real próxima
de zero. Com isso, os capitais de curto prazo buscam
rentabilidade nos mercados emergentes. Ao fazer isso,
acabam valorizando os títulos brasileiros e
cai o risco. Mas é preciso ficar claro que
esse dinheiro é um dinheiro especulativo de
curto prazo. Os americanos chamam isso de hot money
porque queima na mão, não fica muito
tempo. Então, é uma bobagem do presidente
comemorar estas oscilações quando o
dinheiro vem, porque quando esse dinheiro sair o câmbio
vai fazer o movimento oposto. É como a situação
do sujeito que pulou do décimo andar e quando
chega no quinto diz por enquanto está
tudo bem.
JUOs intelectuais
petistas que assinam o manifesto estão surpresos
com o modelo de política econômica adotado
pelo governo Lula?
PlínioNo meu caso, não diria que
houve uma grande surpresa porque o PT já vem
rebaixando o seu programa econômico há
algum tempo. Até o programa apresentado pelo
Instituto da Cidadania já era um programa bem
modesto. Mesmo assim surpreende quando comparado com
o modelo de política econômica adotado
pelo governo. Os mais pessimistas achavam que o governo
tentaria uma saída do neoliberalismo. A discussão
era se o governo iria conseguir ou não. Mas
o que estamos vendo é um aprofundamento do
neoliberalismo. O governo está preparando uma
segunda geração de reformas neoliberais.
E isso é uma surpresa e uma temeridade porque
o governo Lula não tem mandato para fazer isso.
Ele recebeu um mandato para tirar o país do
neoliberalismo.
JUIsso está
gerando discussões internas no PT?
PlínioO partido está em
grande ebulição. Diria que um terço
do partido não aceita o rumo da política
econômica em curso.
JUMas o presidente
do PT, José Genoíno, tem pregado a unidade
em torno das medidas adotadas. Como fica esse um terço
que discorda?
PlínioA direção
do partido procura por todos os meios coibir o debate
e qualquer tipo de rebeldia. É um movimento
típico de direções autoritárias.
O próprio Stalin [Joseph Stalin] controlava
o partido e ao mesmo tempo temia tanto o partido que
matou uma grande parte das suas lideranças.
Estamos vendo isso também no PT. Uma parte
da população, principalmente a parte
mais esclarecida, já entendeu o que é
o movimento do governo e está muito revoltada.
JUO governo conseguiu
instalar no Congresso um rolo compressor para aprovar
suas propostas de reforma. Como as alas internas do
PT que discordam do governo pretendem tratar essa
situação?
PlínioNós estamos assistindo
a uma situação paradoxal. Quem faz oposição
ao governo hoje é uma parte do PT. Todo o resto
virou governo. Do Maluf ao Antonio Carlos Magalhães,
passando pelo Quércia, todo mundo virou governo.
O que sobrou de oposição? A fração
mais combativa do PT que a direção do
partido procura sufocar. Isso é gravíssimo,
porque se o neoliberalismo é um desastre para
o país quando há oposição,
sem oposição passa a ser um descalabro.
Estamos vendo um movimento muito autoritário
no partido.
JUComo o governo
reagiu ao manifesto?
PlínioO governo reagiu muito mal.
O objetivo do manifesto é promover um debate
franco, honesto e aberto para que a população
entenda que há outras alternativas. Aí
a população escolhe a alternativa que
deseja, mas de maneira lúcida. Mas o governo
reagiu desqualificando o debate e distorcendo o conteúdo
do manifesto. Isto reflete um temor do debate.