Uma indústria alimentada pela fome
Exclusão social
faz do Brasil o campeão em reciclagem de
alumínio
pesquisadora
Cleci Schalemberger Streb considera cruel o fato
de a indústria da reciclagem no Brasil ser
alimentada pela miséria, pelo trabalho dos
catadores. Segundo ela, essas indústrias
merecem o mérito por cuidar do meio ambiente,
mas não devem se vangloriar pela reciclagem.
O país é campeão em reaproveitamento
de alumínio, mas na verdade essa reciclagem
existe por causa do problema social. Não
que a indústria de alumínio não
esteja preocupada, mas ela se gaba desse trabalho
quando o mérito não é dela,
em absoluto, comenta.
No
Brasil são coletadas, diariamente, em torno
de 120 mil toneladas de resíduos sólidos,
segundo dados da Feira Internacional de Tecnologias
para o Meio Ambiente, realizada em outubro de 2000.
Campinas recolhe, por meio da coleta domiciliar
comum, 800 toneladas de resíduos sólidos
domésticos por dia, uma média de 0,840
kg de lixo produzido por habitante diariamente.
A
pesquisa de Cleci Streb estima, com base na composição
dos resíduos recolhidos na coleta domiciliar
comum, que 41% sejam passíveis de reciclagem.
Entretanto, eles são encaminhados para o
aterro sanitário Delta I. Considerando
a possibilidade de melhoria da separação
dos resíduos na fonte e ampliação
do potencial da coleta seletiva, poderiam ser recolhidas
seletivamente 8.528 toneladas por mês, evitando-se
o consumo 23.654 MWh de energia elétrica
nesse período. Contudo, atualmente apenas
3% são coletados desta maneira, aponta
a pesquisadora.
Em
Campinas, os técnicos do Departamento de
Limpeza Urbana (DLU) da Prefeitura estimavam que
até 2000 a adesão ao programa de coleta
seletiva no município era de 50%. Do total
de lixo produzido, apenas 21 toneladas são
coletadas seletivamente por dia, totalizando uma
média mensal de 420 toneladas de lixo passível
de reciclagem (coleta oficial). Os resíduos
provenientes da coleta seletiva oficial, após
triados por empresas privadas, são encaminhados
para a reciclagem em municípios da região
de Campinas. O reaproveitamento desses resíduos
potencializa uma energia elétrica evitável
de 815 MWh por mês, comenta Cleci.
Produção
per capita de lixo em função
da população urbana
|
População
(mil hab)
|
Prod.
lixo (Kg/hab.dia)
|
Até
100
|
0,4
|
100
a 200
|
0,5
|
200
a 500
|
0,6
|
Maior
que 500
|
0,7
|
.,Fonte:
CETESB, 1999 |
|
Barão
Geraldo - A quantidade de lixo coletada pelos
catadores de Barão Geraldo está de
acordo com o total recolhido pelos trabalhadores
da Cooperativa Aliança de Coleta e Manuseio
de Recicláveis São Judas Tadeu, do
bairro Cambuí. Segundo os responsáveis
por esta cooperativa, juntos, os 20 catadores associados
coletam 55 toneladas de resíduos por mês.
A média salarial desses coletores é
de R$ 400.
Municípios
receptores do material resultante da
triagem
|
Material
|
Municípios
|
Papel
|
Valinhos,
São Paulo e Monte Mor
|
Plástico
|
Hortolândia,
Vinhedo, Indaiatuba e Monte Mor
|
Vidro
|
Hortolândia
e São paulo
|
Alumínio
|
Hortolândia
e São paulo
|
Fonte:
Elaborado com base nos dados da pesquisa |
|
Em
Barão Geraldo são coletadas seletivamente
73,3 toneladas de resíduos mensalmente. Destas,
a Prefeitura responde por 29,1 toneladas (40%) e
os catadores do distrito recolhem 44,2 toneladas
(60%). Fazendo-se a relação
entre coleta oficial e informal, pode-se dizer que
o volume de resíduos coletados seletivamente
é 52% superior ao considerado oficial,
afirma Cleci Streb. A energia evitada chega
a 2.428 MWh por mês. Somando o potencial representado
pela coleta comum, de 23.654 MWh, a energia elétrica
potencialmente evitável com a reciclagem
de resíduos sólidos provenientes dos
domicílios de Campinas passa a 26.082 MWh
por mês, indica a pesquisadora. (T.F.)
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Pesquisadora
sente preconceito na pele
Apenas
a origem humilde da pesquisadora, mestra e doutoranda
Cleci Schalemberger Streb não foi suficiente
para fazê-la imaginar o tamanho da distância
entre simplicidade e pobreza, antes de iniciar seus
estudos sobre coleta informal de lixo reciclável
em Campinas, mais precisamente em Barão Geraldo.
A contradição entre a riqueza do lixo
e, muitas vezes, a miséria de quem o recolhe
pelas ruas, choca. A vergonha dos catadores de lixo
em desempenhar tal função, entristece.
O preconceito da população contra
os desempregados que recorreram a esta nova opção
de trabalho, revolta.
Quando
começou sua pesquisa, Cleci resolveu acompanhar
a rotina dos catadores. Pensei que ia ser
fácil, lembra. Como decidiu estudar
em sua tese de mestrado a classe desempregada que
se transformou em grupo de coletores, imaginou que
fosse encontrar uma realidade menos miserável
que a dos catadores que moram nas ruas. Realmente,
o que viu foi um lado menos pobre. Mas não
menos árduo.
Preconceito
- A pesquisadora conta que em Barão Geraldo,
a maioria das pessoas entende e conhece os catadores.
Mas Cleci lembra-se bem de ter sentido na pele o
significado do pré-julgamento. Eu decidi
vir à Unicamp pegar lixo e, um dia antes,
ele (um catador) me avisou: Te prepara.
E respondi: Imagine, a Unicamp é a
minha casa, trabalho lá, não vai haver
problemas. Foi engraçado... A gente passando,
eu na carroça, junto. Acho impossível
alguém não ver você em cima
de uma carroça. Passei ao lado de colegas
(não amigos, mas colegas) e fui ignorada
ao cumprimentá-los. É aquela coisa
do preconceito. Não adianta dizer que não
existe, porque existe, relata. Por isso,
o mais importante do trabalho com os catadores,
para mim, foi a experiência de vida. Porque
a gente acha que está perto das coisas, e
não está.
Classificação
do lixo
|
Lixo
comercial
Inclui
resíduos originários
das atividades realizadas em escritórios,
hotéis. lojas, cinemas, mercados,
terminais, etc., composto basicamente
de papéis, papelão e
embalagens em geral
|
Lixo
domiciliar
Composto
basicamente de restos de alimentos,
embalagens plásticas, de metal,
de vidro, de papelão, jornais
e revistas, originando-se das atividades
de residências
|
Lixo
industrial
Devido
a sua diversidade e potencial risco
à saúde pública,
a coleta deste tipo de resíduos
é responsabilidade da própria
indústria, que deve fazer sua
manipulação adequada por
meio do tratamento correto ou reutilização
dos resíduos
|
Fonte:
CIdentificação do lixo urbano,
segunda dados fornecidos à pesquisadora
em 2000 pela Prefeitura de Campinas |
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