Dançando conforme a música
Família Azzoni
adia sonho do conjunto de samba enquanto coleta
lixo
im
de tarde. O sol vai desaparecendo entre as casinhas
coloridas. Alaranjado. Renunciando humildemente
ao seu reinado por alguns momentos, a fim de que
se cumpra o ciclo natural. Para quem está
olhando de fora, a paisagem - simples - dá
uma certa paz. Os carros ultrapassam sem dificuldade
a carroça de lixo que está no meio
de uma das ruas do centro de Barão Geraldo,
a fim de chegar logo ao seu destino. Numa velocidade
díspar do cenário.
É
sexta-feira. Os motoristas estão ávidos
pelo sossego do fim de semana. Pela folga do sábado.
Do domingo. Descanso que muitas vezes foi ignorado
por Agide Azzoni e seus quatro filhos, Alex, Altamir,
Altair e Almir. Esquecido, para ser dedicado à
coleta informal de lixo reciclável, hoje
fonte de sustento de três dos cinco catadores.
Moradores de Barão Geraldo, os Azzoni - estudados
pela pesquisadora Cleci Streb em sua tese de mestrado
- sempre trabalharam juntos. Mas tiveram que deixar
de lado - pois juram não ter abandonado ainda
- o sonho de vencer como um conjunto musical. Trocaram
as noites de samba nos bares de Campinas e região
pelos serviços gerais, para garantir comida
na mesa. Há dois anos, quando consertos hidráulicos,
elétricos e pintura já não
davam mais dinheiro, a família passou a coletar
lixo reciclável. Por acaso. Por zelo, inicialmente.
O
patriarca, Agide, aos 59 anos, começou a
recolher plástico da rua só para evitar
que sua casa ficasse inundada quando chovesse. Eu
tirava os objetos de plástico de perto dos
bueiros, para não deixar entupir quando chovia.
Guardava em casa. Até que a Fiat anunciou
que ia comprar plástico para reciclar. Em
quatro, cinco meses eu tinha juntado 1,6 mil quilos,
recolhendo só aqui no bairro, Vila Santa
Izabel, conta.
Agide Azzoni recorda que cresceu os olhos
para o negócio, fez as contas e decidiu
abandonar os serviços gerais. Arrumou cavalo,
carroça e propôs aos filhos que ajudassem.
Quando a fiscalização fazia vistas
grossas ao recolhimento oficial de lixo, Agide seguia
os lixeiros e percorria 43 quilômetros por
dia, pegando o que fosse reciclável. Agora
não dá mais. Tem fiscalização
apertada, diz.
Os
cinco homens trabalhavam de sol a sol e tiravam
até R$ 500 cada um. Hoje são apenas
três - dois dos filhos de Agide decidiram
mudar de vida. Um está trabalhando
no Rio. Está vendo se dá pra gente
se arranjar com a música por lá,
diz o pai, cheio de esperança. A vida
aqui é muito difícil. O preconceito
vem da minoria, mas é triste viver sob esse
olhar de reprovação, como se a gente
fosse vagabundo, diz Alex, de 26 anos. A média
salarial baixou para R$ 300 - o equivalente a sete
ou oito carroças de lixo por dia, ou 10 toneladas
de papel, nove toneladas de ferro, três toneladas
de vidro, 600 quilos de metais por mês.
Alex
afirma que a propaganda a favor da reciclagem deveria
ser mais agressiva. Não apenas um aviso
na garrafa ou coisa assim. As indústrias
poderiam fazer campanhas, pois as pessoas têm
tendência a colaborar e separar o lixo. Muita
gente traz material aqui em casa espontaneamente.
A gente nem descansa direito, porque batem na nossa
porta o tempo inteiro, até de madrugada,
comenta.
O
rapaz não é contra o aumento do número
de catadores no país. Diz preferir a concorrência
a ver gente roubando para viver. Não liga
de, muitas vezes, ser obrigado a trancar as portas
de casa aos domingos e sair acompanhado dos pais,
renunciando à chance de fechar novos negócios,
para só assim ter o sossego do qual não
pode desfrutar nos outros dias. Para só assim
admirar o fim de tarde em Barão Geraldo.
De fora do cenário. Apenas como espectador
do singelo espetáculo. E se encher de paz.
(T.F.)
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Mercado
informal reúne 200 mil catadores
O
Guia da Coleta Seletiva de Lixo do Compromisso Empresarial
para Reciclagem (Cempre) estima que 200 mil catadores
de rua, autônomos e em cooperativas, sejam
responsáveis pela coleta informal de vários
tipos de materiais no Brasil. O mercado comprador
desses produtos vem crescendo e as próprias
indústrias de reciclagem acabam optando pelo
trabalho de catadores ao invés de contratar
funcionários para fazer a coleta, a separação
e a triagem dos resíduos. Em Campinas, até
98, estavam cadastradas pelo menos 30 empresas de
compra de material reciclável. Normalmente,
o catador vende os resíduos a um ferro velho
maior, que repassa o lixo reciclável a uma
indústria por preço mais alto.
A dissertação de mestrado de Cleci
Streb, sobre coleta informal de lixo reciclável,
aponta que atualmente não são mais
moradores de rua os únicos a entrar no mercado
informal da coleta de lixo seletivo. O estudo mostra
que em Barão Geraldo a população
de catadores - ao todo são 19 - é
composta em 84% por homens, e 52% possuem escolaridade
média. Segundo ela, hoje há quatro
cooperativas de catadores de lixo reciclável
em Campinas. Ao mesmo tempo em que advogam
que recolher lixo é um trabalho como outro
qualquer, reclamam da condição de
exclusão. Principalmente os jovens, que perderam
junto com seus empregos um certo status social,
além dos amigos, depois de ingressarem nessa
atividade, comenta a pesquisadora. O
fato é que esta é a única fonte
de renda para 63% dos catadores em atividade no
distrito de Barão Geraldo, completa.
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As
três formas de coleta seletiva de lixo sólido
domiciliar urbano adotadas em Campinas
Coleta
seletiva domiciliar
Assemelha-se
ao procedimento clássico de coleta comum
de lixo. Porém, os veículos coletores
percorrem as residências em dias e horários
específicos que não coincidam com
a coleta normal. Os moradores colocam os resíduos
recicláveis nas calçadas, acondicionados
em contêineres distintos. Esta forma de coleta
abrange, segundo a pesquisa, 1/3 de Campinas. Como
ela é feita principalmente nos locais de
maior concentração populacional, são
recolhidos seletivamente os resíduos produzidos
em torno de 50% dos domicílios, de acordo
com dados da Prefeitura de Campinas fornecidos à
pesquisadora em 2000. O Compromisso Empresarial
para Reciclagem (Cempre) aponta para 410 mil habitantes
atendidos pela coleta seletiva na cidade. A periodicidade
da coleta é semanal;
Coleta
seletiva em comunidade organizada
Esta
modalidade pode seguir os procedimentos da coleta
domiciliar ou dos pontos de entrega voluntária.
Em Campinas, são atendidos 420 estabelecimentos,
entre escolas, associações de bairros,
prédios e repartições públicas,
com periodicidade semanal por setor, o que representa
18% no peso total dos resíduos recolhidos.
Coleta
seletiva em pontos de entrega voluntária
Esta
forma de coleta utiliza normalmente contêineres
ou pequenos depósitos, colocados em pontos
fixos no município. Nos pontos de entrega
voluntária, cada material deve ser colocado
num recipiente específico. Estes recipientes
são coloridos e acompanham padronização
já estabelecida. Em Campinas, esta forma
de coleta atende a 14 pontos estratégicos,
com instalação de tambores, de onde
são retirados diariamente os resíduos.
Esse tipo de coleta é responsável
por 7% do total dos resíduos sólidos
passíveis de reciclagem.
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Fonte:
dados fornecidos à pesquisadora pela Prefeitura
de Campinas em 2000; DAlmeida e Vilhena (orgs).
Lixo Municipal: manual de gerenciamento integrado.
IPT/Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem)
São Paulo, 2000
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