Edição nº 658

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de junho de 2016 a 12 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 658

Cientistas sequenciam DNA
de grupo de insetos

Pesquisas revelam dados importantes
sobre ciclos evolutivo e populacional

No ano 2000, o grupo liderado pela professora da Unicamp Ana Maria Lima de Azeredo Espin foi o primeiro no país a sequenciar o DNA mitocondrial (encontrado no interior da mitocôndria) de uma espécie de inseto: a mosca-da-bicheira (Cochliomyia hominivorax), considerada uma das mais nocivas pragas da pecuária na América do Sul. Agora, passados 16 anos, a docente e sua equipe conseguem, pela primeira vez, sequenciar o DNA mitocondrial completo de diversas espécies do grupo Schizophora, que inclui 78 famílias da ordem Diptera (moscas e mosquitos), entre elas a mosca-varejeira (Chrysomya megacephala), a mosca-doméstica (Musca domestica), a mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster) e a própria mosca-da-bicheira.

O estudo, que integrou parte do pósdoutorado da bióloga Ana Carolina Martins Junqueira, então sob a supervisão de Azeredo Espin, traz uma série de dados novos sobre a história evolutiva e populacional deste diverso grupo de insetos. Os resultados da pesquisa foram publicados no periódico de acesso livre Scientific Reports      (https://www.nature.com/articles/srep21762), pertencente ao grupo Nature.

Ana Junqueira desenvolveu seu pós-doutorado no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp. Atualmente, ela é pesquisadora do Singapore Centre for Environmental Life Sciences Engineering, da Nanyang Technological University, em Singapura.

Além de Ana Junqueira, também assinam o artigo a professora Ana Maria Azeredo Espin, que atua no CBMEG e no Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do Instituto de Biologia (IB); o doutorando da Unicamp Daniel Fernando Paulo; o pós-doutorando Marco Antonio Tonus Marinho, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto; a pesquisadora Lynn Tomsho, da Universidade Estadual da Pensilvânia (Estados Unidos); Aakrosh Ratan, da Universidade de Virginia (Estados Unidos); e os pesquisadores Daniela Drautz-Moses, Rikky Purbojati e Stephan Schuster, da Nanyang Technological University (NTU). O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Utilizando diferentes estratégias de sequenciamento e análise, foi possível estimar que o grupo Schizophora surgiu entre 65 e 70 milhões de anos atrás, no mesmo período em que os dinossauros “não-avianos” desapareceram. Os pesquisadores acreditam que o surgimento desse grupo de insetos, concomitante ao desaparecimento dos dinossauros, não é mera coincidência.

“Toda vez que há uma extinção em massa, alguns grupos conseguem expandir a sua diversidade porque novos nichos ecológicos são abertos”, aponta Ana Carolina Junqueira. De acordo com ela, os resultados acerca do surgimento desse grupo corroboram os dados da literatura científica sobre o tema. “Nós conseguimos datar também o aparecimento da família Calliphoridae há 22 milhões de anos, do qual as moscas-varejeiras são integrantes”, revela.

A pesquisadora informa que o surgimento dessa família ocorreu após um período de seca que abateu o planeta, levando ao surgimento de um novo bioma, a tundra. Este novo ambiente possibilitou, por sua vez, o surgimento dos mamíferos pastadores, que são herbívoros. A mosca-da-bicheira (Cochliomyia hominivorax), que pertence à família Calliphoridae, tornou-se, milhões de anos depois (cerca de 7 milhões de anos atrás), um dos principais parasitas de mamíferos, causando severas infestações conhecidas como miíases.  

“Nós acreditamos que a evolução dessa família está muito relacionada a essa abertura de nicho, com uma nova vegetação que passou a existir. Foi a partir daí que surgiram os mamíferos pastadores que, por sua vez, deram origem aos carnívoros. Tudo isso gerou uma intensificação da produção de matéria orgânica, que é o principal alimento das moscas-varejeiras. É daí que essas moscas proliferaram e a evolução delas está muito ligada à própria diversificação de mamíferos”, sugere. 

A professora da Unicamp, Ana Maria Lima de Azeredo Espin, ressalta que foram empregadas diferentes técnicas da área conhecida como mitogenômica para sequenciar de modo simultâneo o DNA mitocondrial deste grupo de insetos. Segundo os pesquisadores, este é o estudo que mais descreve genomas mitocondriais completos de um grupo de insetos até o momento.

Ao todo foram sequenciados 91 genomas de 32 espécies diferentes. “Ao invés de trabalharmos com o DNA nuclear, nós utilizamos o DNA mitocondrial. A vantagem é que o genoma mitocondrial tem um tamanho menor em relação ao nuclear e isso possibilita que este genoma possa ser sequenciado completamente em menor tempo e a um custo relativamente baixo. O genoma mitocondrial tem sido muito utilizado para o entendimento da história evolutiva de grupos animais, inclusive de humanos”, explica a docente.

Com as técnicas empregadas, foi possível otimizar a escala de análise do genoma mitocondrial de insetos. “Isso é fundamental porque, com as novas plataformas de sequenciamento, nós conseguimos melhorar a escala de conhecimento desse grupo de insetos, do qual se tinha poucos dados disponíveis.” Os insetos foram coletados em diferentes regiões do mundo, incluindo Estados Unidos, Austrália, Cingapura, São Paulo e Amazônia.

Em relação ao aspecto populacional, Ana Junqueira destaca que há resultados importantes sobre a mosca-varejeira. Conforme a pesquisadora, a variabilidade genética desta espécie é muito reduzida, semelhante às encontradas em espécies em extinção. “Isso sugere que essa espécie é muito parecida no mundo inteiro, mas ao contrário de estar em extinção, ela é uma espécie em expansão, com grande poder de invasão e adaptação”, indica.

A mosca-varejeira é um vetor mecânico de patógenos, acrescenta a pesquisadora. “Ela se alimenta de matéria orgânica em decomposição, podendo carregar bactérias e vírus desses ambientes, facilitando a disseminação de doenças. Daí a importância de estudos como este. Sempre que existe a necessidade de desenvolver projetos ou programas de controle de vetores, como se faz para o Aedes aegypti (mosquito transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e zika), por exemplo, são necessários dados populacionais. É preciso saber como a espécie está distribuída e estruturada para pensar nas estratégias que serão utilizadas como controle”, exemplifica.

Pesquisas em andamento já estão sendo conduzidas para sequenciar também o DNA nuclear da mosca-varejeira, informa a bióloga. A perspectiva é ter o chamado ‘genoma de referência’. “Com o genoma nuclear vamos tentar entender, por exemplo, porque essas moscas não ficam doentes, apesar do ambiente extremamente patogênico em que elas vivem. Será que existe algo do sistema imune que as protejam contra essa quantidade de bactérias?”, indaga a pesquisadora Ana Junqueira.

Neste ponto, a professora da Unicamp informa que o grupo também aprovou um projeto em colaboração entre a Unicamp e NTU para o sequenciamento do genoma nuclear da mosca-da-bicheira. A pesquisa, de acordo com ela, será fundamental para o desenvolvimento de estratégias de controle na agropecuária nacional, já que esta mosca tem se mostrado muito resistente a inseticidas. “O estudo buscará compreender também quais são as diferenças entre as duas moscas da mesma família, a da bicheira e a varejeira, já que uma é parasita de animais e a outra é um vetor de patógenos.”

O aluno Daniel Fernando Paulo, que desenvolve doutorado sob a orientação de Azeredo Espin, acrescenta que a diferença de hábitos alimentares entre essas duas espécies é respaldada pelas análises evolutivas. “Utilizando os dados deste estudo em conjunto com as informações funcionais e regulatórias do genoma nuclear dessas espécies, nós poderemos inferir como estes hábitos alimentares surgiram, como eles evoluíram e como podemos ‘controlá-los’. Este estudo abre uma série de outras linhas de pesquisa que poderão ser exploradas no futuro”, prevê.

Publicação

Junqueira, A. C. M. et al. Large-scale mitogenomics enables insights into Schizophora (Diptera) radiation and population diversity. Sci. Rep. 6, 21762; doi: 10.1038/srep21762 (2016).