Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 03 de junho de 2016 a 12 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 658Telescópio
Editando
o RNA
Uma equipe composta por pesquisadores baseados nos Estados Unidos e na Rússia anuncia, na edição mais recente da Science, a existência de uma ferramenta bioquímica com potencial para editar o RNA, de modo semelhante à edição de DNA possibilitada pela tecnologia CRISPR-Cas, que vem sendo saudada como um dos mais promissores avanços científicos deste século.
A ferramenta que atua sobre o RNA é um tipo de CRISPR-Cas, chamado C2c2. Os experimentos descritos no periódico mostram que o C2c2 pode ser usado para editar RNA de fita simples, mas não de fita dupla, e que é capaz de desativar o RNA mensageiro em bactérias vivas. O RNA mensageiro é parte essencial do mecanismo pelo qual as instruções contidas no DNA são executadas pelas células.
Moléculas de RNA são usadas como material genético, no lugar do DNA, em certos vírus. Nas formas de vida que codificam seus genomas em DNA, o RNA desempenha funções fundamentais para garantir que os genes sejam ativados e interpretados corretamente.
Os autores se mostram otimistas quanto à possibilidade de novas pesquisas levarem à criação de ferramentas biológicas programáveis, capazes de alterar o RNA em células vivas, levando até mesmo à construção circuitos artificiais para a regulação da atividade genética.
Polígonos
em Plutão
A região de Plutão conhecida informalmente como Planície Sputnik, localizada na parte equatorial do planeta-anão, é recoberta por uma capa de nitrogênio congelado recortada em curiosas formas poligonais com até 40 quilômetros de largura. O centro de cada polígono pode ser vários metros mais alto que as bordas. A origem dessas formas é discutida em dois artigos publicados na revista Nature.
O primeiro artigo, do grupo liderado por William B. McKinnon, da Universidade de St. Louis, aponta que camadas sólidas de nitrogênio com quilômetros de espessura devem sofrer convecção nas condições atuais de Plutão, tal como medidas pela sonda New Horizons, da Nasa. “Demonstramos numericamente que a reviravolta convectiva em camadas de nitrogênio sólido, com vários quilômetros de espessura, pode explicar a grande largura lateral” dos polígonos, diz o texto.
O segundo trabalho, de A. J. Trowbridge, da Universidade Purdue, reforça a tese de que é a convecção no interior das camadas de nitrogênio a causa dos polígonos, e não outro mecanismo, como a mera contração do gelo. “O diâmetro dos polígonos da Planície Sputnik e as dimensões das ‘montanhas flutuantes’ (as colinas de água congelada ao longo das arestas dos polígonos) sugere que o gelo de nitrogênio tem cerca de dez quilômetros de espessura. A velocidade estimada de convecção é de 1,5 cm ao ano, e indica uma superfície de apenas um milhão de anos de idade”, diz o artigo.
Amônia
em Júpiter
Observações realizadas com radiotelescópios baseados nos Estados Unidos revelam detalhes da dinâmica da atmosfera abaixo da camada visível de nuvens de Júpiter, o maior planeta do Sistema Solar. O trabalho conseguiu sondar regiões com até 100 km de profundidade, onde existem pressões oito vezes superiores à da atmosfera terrestre no nível do mar.
Os resultados, publicados na revista Science, detectaram a presença de zonas “quentes”, onde a atmosfera é transparente para ondas de rádio, e permitiram a descoberta de plumas de amônia que se elevam a partir das profundezas da atmosfera em um movimento ondulatório, condensando-se em cristais quando chegam a grandes altitudes.
Água
na Lua
Asteroides podem ter levado água ao interior da Lua durante a formação do astro, há mais de 4 bilhões de anos, diz artigo publicado no periódico Nature Communications. Usando dados e amostras obtidos em trabalhos anteriores, incluindo taxas de diferentes isótopos de hidrogênio detectados na Lua, os pesquisadores, baseados na França, Reino Unido e Estados Unidos, concluem que menos de 20% da água presente no satélite teve origem em cometas.
“Determinamos que uma combinação de materiais do tipo condrito carbonáceo foi responsável pela maior parte da água (e nitrogênio) entregues ao sistema Terra- Lua”, escrevem. Condritos carbonáceos são um tipo de meteorito rico em carbono e que também pode conter água ou minerais modificados pela presença de água.
Clima
na Terra
Artigo publicado no periódico Nature Climate Change oferece uma nova metodologia para acompanhar os acertos – ou erros – dos modelos adotados para prever o comportamento do clima em resposta à ação humana. Os autores, baseados nos EUA, Reino Unido e Austrália, ponderam que “os produtos da ciência climática” vêm sendo usados como previsões probabilísticas a respeito dos efeitos das políticas de manejo, e portanto precisam ter suas falhas detectadas.
O processo se propõe a identificar quando as previsões do modelo tornam- se significativamente inconsistentes com os dados da realidade. Os métodos sugeridos são testados, no artigo, em dois casos reais – um envolvendo a ecologia de um pássaro migratório, a marreca-arrebio, e outro, a extensão do gelo no Ártico.
“Demonstramos que estes métodos teriam detectado a mudança na área habitada pela marreca-arrebio 20 anos antes de ela ter sido descoberta, e estão dando cada vez mais peso aos modelos que preveem um Ártico sem gelo, no mês de setembro, a partir de 2055”, escrevem os autores.
A maior
prova
Um arquivo de computador de 200 terabytes – volume de dados equivalente ao de 4000 discos blue-ray – é a maior prova matemática já produzida e, embora possa ser checada por computadores, jamais será lida por um ser humano.
Trata-se da solução do Problema Booleano dos Trios Pitagóricos, que responde à seguinte questão: é possível dividir a sequência dos números naturais {1, 2, 3, 4...} em duas “cores”, de modo que, para todos os trios que satisfazem a relação do Teorema de Pitágoras (a2 + b2 = c2), seja possível garantir que um deles pertencerá a uma “cor” diferente dos demais? A resposta, determinada pela máquina e apresentada em artigo publicado no repositório ArXiv, é não: até o número 7.824 ainda dá para garantir que um dos três termos da equação de Pitágoras tenha uma cor diferente da dos outros, mas a partir de 7.825 não é mais possível colorir todos os trios pitagóricos, de modo consistente, sem usar a mesma cor três vezes.
Segundo nota no site Nature News, esse resultado pode ter implicações importantes para a teoria matemática que estuda as propriedades e estruturas que surgem em conjuntos à medida que o número de elementos cresce, mas sua produção via computador deixa algumas questões cruciais em aberto – por exemplo, a razão lógica por trás da impossibilidade, ou o que há de especial com o número 7.825. O artigo que descreve a prova pode ser acessado em https://arxiv.org/abs/1605.00723 .
Colonizando
Madagáscar
Uma trilha de “migalhas de pão” – ou, no caso, vestígios arqueológicos de práticas agrícolas – oferece a primeira evidência física da migração dos povos da Austronésia (região que abarca a Indonésia e ilhas do Oceano Pacífico) para Madagáscar, na costa africana. Dados culturais, linguísticos e até mesmo genéticos já sugeriam, há tempos, que a população original de Madagáscar teria vindo da Austronésia, e não da África, mas o rastro agrícola é a primeira confirmação arqueológica dessa hipótese.
“Apresentamos novos dados que mostram que colonizadores do Sudeste Asiático trouxeram plantações asiáticas consigo quando se estabeleceram na África”, escrevem os autores do artigo que descreve a descoberta, publicado no periódico PNAS. “Essas plantações oferecem a primeira, até onde sabemos, janela arqueológica confiável para a colonização de Madagáscar”. O trabalho prossegue: “Os dados sugerem, ainda, que o assentamento inicial de povos do Sudeste Asiático na África não se limitou a Madagáscar, mas se estendeu às Ilhas Comoros”.
Valor-p na
mira da ‘Science’
Artigo publicado na revista Science vem a se somar ao coro de críticas ao uso indiscriminado do critério estatístico do “valor-p” como determinante em publicações científicas. Assinado por Steven Goodman, da Universidade Stanford, o texto condena a “noção equivocada” de que “a divisa entre uma alegação cientificamente justificada e uma injustificada é definida por se o valor-p cruzou a ‘linha luminosa’ da significância, excluindo-se considerações externas como evidências anteriores, compreensão do mecanismo ou conduta e desenho experimental”.
Referindo-se a um nível de probabilidade – por exemplo, “p < 0,05” – o valor-p aparece rotineiramente em artigos científicos e costuma ser interpretado como a chance de os resultados apresentados terem sido causados por mero acaso, e não por um fenômeno real. Essa interpretação foi atacada, em março deste ano, pela Associação de Estatística dos Estados Unidos (ASA, na sigla em inglês), ao afirmar, em nota que “isoladamente, um valor-p não oferece uma boa medida da evidência a respeito de um modelo ou hipótese”.
No artigo para a Science, Goodman afirma que o estatístico R.A. Fisher (1890-1962), responsável pela introdução do valor-p, defendia seu uso como “uma de diversas ferramentas para auxiliar o processo fluido e indutivo do raciocínio científico – e não como um substituto desse processo. Fisher usava ‘significância’ apenas para indicar que uma observação merecia ser acompanhada”.