RAQUEL
DO CARMO SANTOS
Adolescentes
entre 15 e 16 anos encontram em comunidades virtuais, como
as do Orkut (www.orkut.com) - um programa de relacionamentos
- espaço para assumir a homossexualidade e apreender
aspectos que não seriam possíveis no ambiente
físico. Em geral, eles pertencem a cidades do interior
ou locais afastados dos grandes centros, e dificilmente
poderiam expressar suas aspirações sexuais.
No Orkut, eles conseguem apresentar a opção
sexual, sem sofrer com determinados tipos de preconceito,
além de tomarem conhecimento da dinâmica e
padrões que envolvem o "ser gay". Esta
foi uma das principais questões levantadas pela antropóloga
Carolina Parreiras Silva em sua dissertação
de mestrado "Sexualidades no pontocom: espaços
e homossexualidades a partir de uma comunidade on-line",
apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH).
Carolina entrou para uma comunidade on-line composta
por homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros
homens para investigar as relações interpessoais
estabelecidas entre eles. "Queria saber como a sexualidade
é construída no on-line a partir da
observação, conversas via comunicador instantâneo,
encontros e discussões empreendidas no fórum
da comunidade", explica a antropóloga.
A comunidade, que denominou EPER como nome fictício,
possui 3.500, mas ativos somam cem, número de membros
considerado significativo para uma comunidade no Orkut.
São perfis de todas as idades e de várias
regiões do país, com predominância da
região Sudeste. Segundo Carolina, que foi orientada
pela professora Maria Filomena Gregori, os motivos que levaram
à escolha foram inúmeros, mas o principal
foi a diversidade de questões colocadas em pauta.
Os membros extrapolam nas abordagens e permitem um aprofundamento
nos temas. Um assunto recorrente são as implicações
da autenticidade do perfil. No mundo virtual não
há como aferir, num primeiro momento, a autenticidade
do perfil, pois existem pelo menos três tipos mais
usuais encontrados em programas como o Orkut. Os perfis
fake, por exemplo, são aqueles em que a pessoa se
aproveita da possibilidade de manipulação
permitida pelo on-line e cria personagens, não necessariamente
em diálogo com o off-line. Há também
o mask, cujo termo em inglês significa máscara
em que o indivíduo só não revela alguns
dados como o nome e foto por dificuldades em assumir a situação,
mantendo os relacionamentos normalmente. E, por último,
os oficiais que assumem a condição com todos
os dados verdadeiros, sem omitir nenhum tipo de informação.
Carolina relata que esses termos ajudam a entender as implicações
e a lógica da organização da comunidade.
"Trata-se de um ambiente restrito e assumir a homossexualidade
não gera problemas de relacionamentos. Se não
fosse o espaço virtual, não falariam abertamente
sobre os temas abordados", acredita a antropóloga.
Ao mesmo tempo em que existe uma liberdade para assumir
a condição e a possibilidade de fugir dos
preconceitos no ambiente físico, Carolina acredita
que se trata de uma falsa liberdade e a participação
pode gerar outros preconceitos. "O ciberespaço
pode prender a certo padrão que pode excluir determinados
comportamentos. Existem regras e não se pode fazer
de tudo", revela.
No início, a entrada de Carolina na comunidade foi
difícil, pois se apresentou com seus dados verdadeiros.
Para eles, era inadmissível uma mulher participar
de uma discussão daquela natureza. Depois de esclarecer
as suas motivações para o moderador, conseguiu
não só permanecer no ambiente, como também
ser moderadora por um tempo. Isto permitiu, segundo ela,
que tivesse acesso à dinâmica da comunidade,
o que facilitou muito o seu estudo.
Outra dificuldade foi selecionar a comunidade que poderia
servir de objeto. Em dois meses de levantamento, Carolina
identificou mais de mil comunidades de homossexuais que
discutem diferentes assuntos. Fechou sua amostragem em cinco,
mas em três foi rejeitada, por isso a comunidade EPER
foi a escolhida. No doutorado, Carolina pretende investigar,
ainda no ciberespaço, a pornografia e o erotismo.
(R.C.S.)