Encontro na Unicamp debate o uso de recursos audiovisuais na história oral

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O uso de recursos audiovisuais para o registro de memórias de pessoas que testemunharam acontecimentos da história contemporânea e o estudo sobre os sentimentos envolvidos nos depoimentos como forma de reconstrução de um evento ou período são temas que serão debatidos do XIV Encontro Nacional de História Oral, que será realizado entre os dias 2 e 4 de maio, na Unicamp.

Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, organizadora do encontro
Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, organizadora do encontro

A gravação de depoimentos testemunhais como forma de registro histórico foi impulsionada em grande parte no pós-II Guerra Mundial, com a proliferação dos gravadores de áudio portáteis. "A história oral teve sua gênese como suporte para entrevistas de trajetórias de vidas, em grande parte pautadas em relatos de traumas pós-guerra. São fontes distintas daquelas até então consideradas oficiais, que são fontes textuais", explica Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, coordenadora da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen), pesquisadora do Centro de Memória da Unicamp e presidenta da Associação Brasileira de História Oral, que encerra sua gestão organizando o Encontro na universidade. "Sendo assim, a história oral foi se consolidando por meio do registro de vozes que não tinham ressonância em outros meios, democratizando portanto visões e versões acerca da história em termos mais amplos".

Ao longo das décadas seguintes, as técnicas acadêmicas de registro testemunhal da história passaram a flertar com a produção audiovisual, em especial com os documentários, num processo que foi se aprofundando com o desenvolvimento de novas tecnologias de registro de vídeo e a popularização de formas de captação. O registro de imagens deixava de ser algo caro, baseado em inacessíveis filmadoras analógicas de película de meados do século passado, chegando às menos onerosas câmeras digitais e aos telefones multifuncionais.

Cena de “Soldados do Araguaia”, de Belisário Franca
Cena de “Soldados do Araguaia”, de Belisário Franca

Atualmente a história oral vem, progressivamente, captando depoimentos em suporte audiovisual. “Nunca é demais ressaltar que são suportes de captação distintos. Ao acionar uma câmera há todo um mise em scène (como bem notou o teórico Jean Comolli), não se trata, portanto, apenas de uma migração do som para a imagem, mas de uma nova narrativa em curso”, entende Ana Carolina.

O historiador Sidney Aguilar Filho, professor do Centro Universitário Salesiano São Paulo (Unisal), entende que o uso de recursos audiovisuais na captação de depoimentos traz uma das formas mais ricas e complexas de documentação da história. "Olhando, assistindo e ouvindo um relato de memória, estamos diante de um documento vivo, e que exige do historiador um conjunto de metodologias específicas para captar analisar esse tipo de documentação".

Depoimento ao filme “Menino 23”, de Belisário Franca
Depoimento ao filme “Menino 23”, de Belisário Franca

A tese de doutorado em filosofia e história da educação na Unicamp de Sidney Aguilar Filho, defendido em 2011, foi baseado em depoimentos de órfãos sobreviventes de fazenda no interior de São Paulo, onde foram submetidos na década de 1930 a trabalhos forçados, aliados a políticas eugenistas de inspiração nazista dos proprietários do local. O material deu origem ao documentário Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisário Franca, lançado em 2016, contando com depoimento de um dos sobreviventes que ainda estava vivo.

A criação de novas plataformas de exibição também colaborou para a ampliação para o público do registro de imagens, junto com depoimentos, de personagens para reconstituição documental de uma época histórico. Hoje os documentários podem ter vida fora do circuito comercial em festivais temáticos, como o É tudo verdade. Outra forma recente que ampliou as formas de exibição de documentários sobre o tema foi a criação de canais de TV por assinatura e abertos como o Canal Brasil, TV Brasil, Prime Box, Curta! e Futura, além de plataformas de streaming na internet como YouTube e Vimeo.

“Há trinta anos se você fazia um documentário, ele dificilmente entraria numa grade televisiva ou num circuito comercial de filmes, além de não contar com as plataformas virtuais que temos atualmente. É sem duvida um cenário de aumento na produção, mas também de ampliação na sua difusão, atingindo um público mais amplo”, diz Ana Carolina.

  Cineasta Ruy Guerra durante cena de “O homem que matou John Wayne”, de Diogo Oliveira e Bruno Laet
Cineasta Ruy Guerra durante cena de “O homem que matou John Wayne”, de Diogo Oliveira e Bruno Laet 

O Encontro na Unicamp fará uma reflexão sobre o uso de recursos audiovisuais na programação de algumas mesas redondas, mas também na Mostra Audiovisual Testemunhar por Imagens, exibida ao longo do evento. “Teve todo um trabalho conceitual da Comissão de Seleção, composta por Sidney Aguilar Filho (Unisal), Juliana Franco (Unicamp) e Cláudia Moraes (Unifesp), para que pudéssemos reunir pessoas que estão refletindo a narrativa audiovisual no âmbito da historiografia”, conta Ana Carolina sobre os critérios para seleção dos documentários que serão exibidos na Mostra.

Um dos grandes desafios dos pesquisadores que trabalham com história oral é o tempo, pois as pessoas que testemunharam determinado capítulo da história a serem retratados geralmente estão com idade avançada. Sidney Aguilar compara a pesquisa com memórias com o trabalho dos arqueólogos, sendo complicada, mas instigante. “Quando decidimos tirar memorias do fundo de uma caixa fechada e lacrada no cantinho do esquecimento, é como tirar um resquício arqueológico que está enterrado há milênios, e imediatamente quando nos damos conta ele começa a desaparecer, e se deteriorar. A memória, quando revisitada é redimensionada e reconstruída, esvaindo do seu significado original e ganhando novos significados”.

Cena de “Delírios da Ordem, Fantasmas do Progresso”, de Vilmar Martins Júnior
Cena de “Delírios da Ordem, Fantasmas do Progresso”, de Vilmar Martins Júnior

Outro desafio da captação de imagens reside na dificuldade de alguns depoentes, ou grupos, em consentir no registro de suas imagens em vídeo. Nos primórdios do século XXI a narrativa audiovisual vem adquirindo espaço na narrativa histórica, principalmente em pesquisas voltadas à trajetórias de vida.  Segundo ressaltou Ana Carolina, “O documentário vai se consolidando nesse campo como uma forma narrativa onde o pesquisador pode incorporar, além do depoimento em si, fotografias, documentos textuais, imagens em movimento. Algo que não é possível na gravação sonora que, na maior parte das vezes, é transcrita e transformada em texto, perdendo, portanto, seu suporte original, que é a voz com toda a subjetividade que o ato de narrar traz em seu bojo”.

Ana Carolina entende que o impacto no público de pesquisas em forma de documentário é muito mais forte do que quando apenas o áudio é usado. “Quando você traz um audiovisual o produto tem um poder de sedução. As imagens tem poder de evocação. A narrativa historiográfica tende a crescer quando você traz a imagem”.

Saiba mais

XIV Encontro Nacional de História Oral

XIV Encontro Nacional de História Oral começa na próxima quarta-feira (2) e vai até sexta (4), com atividades previstas para ocorrer no Centro de Convenções, Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, Faculdade de Educação, Instituto de Economia, Centro de Línguas, Instituto de Geociências, Ciclo Básico II e Instituto de Estudos da Linguagem.

A programação completa do Encontro pode ser consultada no site do evento.  Os filmes da Mostra Audiovisual Testemunhar por Imagens serão exibidos na Casa do Lago, com a presença dos respectivos diretores. A programação completa de documentários pode ser conferida aqui.

Depoente no filme “Escravos e Santos”, de Márcio “Momó” de Abreu
Cena de “Menino 23”, de Belisário Franca
Sidney Aguilar Filho em cena de “Menino 23”, de Belisário Franca
Cena de “Menino 23”, de Belisário Franca
Imagem de capa
Cena de “Menino 23”, de Belisário Franca

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004