Três jovens pesquisadores ligados ao Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE) da Unicamp, em diferentes etapas de formação, dão seus depoimentos sobre os efeitos da quebra abrupta de rotina e a reorganização de suas vidas em meio a esse marco histórico: A chegada de uma nova doença infecciosa causada pelo novo coronavírus e seu rápido espalhamento pelo mundo.
Boa parte do trabalho destes jovens é composta por trabalhos práticos que dependem da infraestrutura do laboratório e do contato com pesquisadores mais experientes que contribuem para sua formação e aperfeiçoamento. Isto significa que a Ciência não parou. Cientistas de várias áreas, além daquelas que buscam vacinas e medicamentos eficientes contra o SARS-Cov-2, experimentaram mudanças na rotina de trabalho. Os três concederam entrevistas contando como seus projetos de vida se reorganizam durante a pandemia.
Fellipe Mello
Fellipe Mello, de 29 anos, é graduado em Engenharia Química e doutor em Bioenergia, todos na Unicamp e está em seu primeiro ano do pós-doutorado. Logo que Fellipe terminou de montar um plasmídeo (moléculas circulares de material genético encontradas geralmente em bactérias), a Unicamp decretou a suspensão das atividades presenciais não essenciais. “Eu precisava editar um gene de uma levedura minha, na verdade fazer o nocaute, que é deletar o gene do genoma de uma linhagem e substituí-lo por outro. Para isso, preciso de um plasmídeo do sistema CRISPR, que permite a edição genética”, explica. Montar um plasmídeo é um processo complicado, ele conta, que leva mais de um mês para ser finalizado e ficou satisfeito de terminar a tempo essa etapa do trabalho, evitando perdas ao seu projeto.
As idas ao laboratório e os trabalhos de bancada diminuíram, embora Fellipe ainda precise ir à universidade algumas vezes por semana para viabilizar o uso do robô de pipetagem, pelo qual ele é responsável, mas a maior parte do trabalho é feito em casa. Mesmo distante, ele está em contato diário com alunos que orienta, discutindo projetos e os ajudando com análises de dados. A maioria dos alunos ainda trabalha no laboratório seguindo um esquema de rodízio para respeitar o distanciamento social. “Além das reuniões do laboratório convencionais, tenho feito várias videochamadas com os meus alunos sobre o projeto do biossensor”, conta.
Além de orientar seus alunos à distância, Fellipe está focado em escrever um novo projeto, se lançando em uma nova etapa de seu trabalho. O objetivo é desenvolver um biossensor baseado na levedura Saccharomyces cerevisiae capaz de detectar o vírus da Covid-19. Gonçalo Pereira, coordenador do laboratório, e a mestranda Carla Maneira também estão envolvidos na proposta, que já foi aprovada pela Inova para ser patenteada. Os três desenvolveram o projeto no início da quarentena, o submeteram recentemente à Fapesp e aguardam o resultado para financiamento. Em pouco tempo Fellipe conseguiu avançar em seus estudos, indo além de suas expectativas.
“Achei que não conseguiria trabalhar em casa porque meu trabalho era puramente experimental e de bancada, mas tem sido bem produtivo e estou conseguindo fazer bastante coisa”, avalia. Apesar de apegado à rotina e de gostar das atividades presenciais no laboratório, o pós-doutorando está feliz com a rotina imposta pela quarentena.
O que mantém Fellipe animado é a atividade física. Antes da quarentena, ele praticava triathlon, crossfit, corrida e ciclismo. Hoje, com a compra de alguns equipamentos, ele treina em casa e se mantém saudável. Para Fellipe, os esportes, principalmente os individuais, oferecem uma forma de se conectar consigo mesmo. Fellipe, assim como Jennifer, também está isolado em casa com seu namorado e três outros amigos, longe da família. “Está todo mundo junto, o que ajuda bastante o processo. Ficar sozinho seria mais complicado”, conclui.
Jennifer Wellen
Jennifer Wellen aos 21 anos estuda Ciências Biológicas na Unicamp e caminha para o final da graduação. Antes do estabelecimento da quarentena, ela estava animada escrevendo seu projeto de iniciação científica e acompanhando experimentos em andamento no Laboratório de Estudos da Dor e Inflamação no Instituto de Biologia.
A influência de alterações na dieta sobre comportamentos depressivos é o foco da pesquisa, que usa o camundongo como modelo para os testes, oferecendo a eles uma dieta rica em açúcar e gordura. Técnicas para o estudo de dor e depressão, como o teste de Von Frey, para quantificar a dor que o animal está sentindo, e o teste de interação social são aplicados para detectar o desenvolvimento de comportamentos depressivos.
Esse fluxo de trabalho, contudo, foi modificado. Os experimentos laboratoriais tiveram de ser interrompidos, dando mais espaço para análises feitas no computador. Através de um software livre Jennifer analisa os vídeos dos camundongos para o teste de interação social. Jennifer teve problemas para continuar realizando as análises com a queda de seu notebook durante a quarentena. Ela conseguiu, no entanto, salvar os arquivos do projeto, mas precisou continuar seus estudos com um notebook fornecido pela coordenação do Instituto de Biologia.
“A comunicação fica mais falha à distância e o aprendizado é bem mais teórico em um projeto que seria bem experimental, então está sendo difícil aprender, como um todo”, conta. As interações com cientistas mais experientes, os experimentos e todo o aprendizado no laboratório enriqueciam a pesquisa de Jennifer, que lamenta estar aprendendo mais lentamente. A agonia de Jennifer é semelhante a de outras pessoas que se sentem pressionadas a agir diante da nova realidade. “Estou tentando melhorar o que me incomoda aos poucos, sem exigir demais de mim mesma e sem surtar. É um processo lento e difícil, mas eu estou bem!”, diz.
Jennifer, de Indaiatuba, está morando em uma república com o namorado e outros três colegas. Ela preferiu ficar no distrito de Barão Geraldo em função dos estudos e pesquisas e considera que voltar para a casa dos pais agora seria quebrar a quarentena e trazer riscos desnecessários à sua família. Mesmo com saudades, Jennifer está feliz. A relação com o namorado está mais próxima. O apoio e companheirismo nestes tempos cresceram. Os dois caminham cerca de 5 km nas tardes com Greg, o cachorro da república, e depois se exercitam em casa.
A arte e a cultura têm se mostrado refúgios também para os jovens cientistas, . Devorar novas séries, filmes, músicas e animes são fontes de diversão para Jennifer. “Nesta quarentena virei uma otaku de verdade, poderia indicar vários animes que assisti aqui. Terminei uns cinco”, declara. Ela também conta que o lançamento do álbum Future Nostalgia da cantora Dua Lipa salvou a sua quarentena, com destaque para a música “Break my Heart”.
Luan Beschtold
Luan Beschtold, 19, terminou o Ensino Médio em 2019 e agora seu foco principal é o estudo para o vestibular. Sua meta é cursar Engenharia Química na Unicamp. Ele também pensa na possibilidade de fazer Ciências Biológicas ou Farmácia como segunda opção.
No ano passado, Luan fez estágio no Laboratório de Genômica e bioEnergia da Unicamp como parte do curso técnico em Biotecnologia. Apesar do estágio encerrado, Luan fez muitas amizades, que o ajudaram nos estudos para o vestibular. Ele conta que recebeu uma grande quantidade de livros para pré-vestibular do pessoal do laboratório e está se guiando por eles. Quando ele não entende algum conteúdo, procura por videoaulas na internet. Luan organiza uma rotina de estudos semanal no Excel, com a separação de matérias em períodos. “Estou estudando de segunda a sábado, das 8h às 18h com intervalo de 10 minutos a cada 50 minutos de estudo”. Durante a noite, ele descansa e aproveita para aperfeiçoar suas habilidades na guitarra, treinando novas músicas.
Atividades físicas são uma forma importante de manter o corpo e a mente saudáveis. Luan lamenta que agora sua rotina de esportes e exercícios se tornou muito limitada, mas tenta se adaptar às circunstâncias da quarentena. “Recentemente comecei um treinamento em casa e às vezes ando de bicicleta no meu bairro”, afirma.