Edição nº 548

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de dezembro de 2012 a 09 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 548

Avanços e desafios
da PCT no país


Para projetar os desafios da política científica e tecnológica (PCT) para daqui dez, 15 ou 25 anos, é preciso antes fazer um balanço sobre a evolução do tema desde que foi iniciado o processo de sua institucionalização, o que ocorreu na década de 80. Para fazer uma reflexão sobre o que representa a PCT nos dias de hoje e como chegamos ao presente quadro no Brasil, o Jornal da Unicamp entrevistou a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PGP-PCT) do Instituto de Geociências (IG), a economista Maria Beatriz Bonacelli, que destaca as peculiaridades do Brasil no enfrentamento dessas questões, sejam elas de caráter político, econômico, social ou jurídico. 

Com experiência na área de avaliação de políticas de C&T, a professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT-IG) aponta algumas fragilidades no sistema e os desafios para a área, mostrando como o programa tem lidado com o tema, de forma reflexiva e propositiva.

Jornal da Unicamp – A política científica e tecnológica passou por um processo de institucionalização na década de 80, e em 1988 foi criado o Programa em Política Científica e Tecnológica. Os dois fatos são coincidentes ou realmente a intenção foi criar um espaço de debate e formação de competências para essa área?
Maria Beatriz Bonacelli – Não deixam de ser coincidentes, mas temos também que considerar o fato da presença do professor Amilcar Herrera no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, o qual já tinha uma clareza da necessidade da formação de pessoas em nível de pós-graduação em temas relacionados à Política de C&T. Mas dois aspectos, fortemente interligados, devem ser considerados na história do PPG-PCT: o fato de o Programa se confundir com o próprio Departamento, criado em 1985, sendo um dos precursores e únicos dedicado totalmente à temática dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, o que oferece uma solidez institucional ao PPG-PCT e dificilmente encontrada em outros programas congêneres no país e mesmo no exterior, especialmente na área interdisciplinar da Capes, onde o Programa está abrigado.
Relaciona-se a isso, o fato de que desde a sua constituição está alinhada à concepção interdisciplinar para os estudos de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), orientação privilegiada pelo DPCT desde os primeiros estudos e análises realizados ainda no âmbito do NPCT (Núcleo de Política Científica e Tecnológica). Muitos desses estudos partiram da idealização do professor Amilcar Herrera, como dito acima.
O programa contempla, assim, diversos enfoques disciplinares sobre geração, uso e apropriação econômica e social do conhecimento, sem desconsiderar o quadro de referências dado pela situação econômico-social do país e da região latino-americana, e conjugando, de forma multidisciplinar, as temáticas construtivas destes enfoques. A orientação desde aquele momento era de que a política científica, tecnológica e de inovação (PCT&I) não deve ser entendida apenas em seu sentido estrito – de formulação e análise de policy – mas também como produção de uma base mais ampla de conhecimento sobre CT&I.

JU – Mas o contexto de 25-30 anos atrás se transformou fortemente. Como foi a adaptação diante dos novos cenários?
Maria Beatriz Bonacelli – Esta transformação nos colocou e coloca em constante alerta quanto à atualização dos temas de pesquisa, e também à própria forma de se ensinar e de se dedicar à reflexão de questões não tão óbvias ao público em geral, e tampouco àquele pesquisador que, mesmo envolvido com parte dos assuntos tratados pelo DPCT, não se dá conta da complexidade dos mesmos.
Na verdade, o Brasil impõe condições peculiares para o tratamento de muitos temas de PCT&I, como a fragilidade tecnológica do setor industrial, a menor competitividade do setor produtivo, a interação débil entre a pesquisa técnico-científica e as necessidades da sociedade, a complexa relação entre tecnologia social e os aparatos tecnológicos, a descontinuidade das políticas e dos instrumentos de financiamento da CT&I, e tantos outros.

JU – Questões relacionadas à legislação também têm interferido nesses temas, não?
Maria Beatriz Bonacelli – Sem dúvida. O quadro regulatório e legal voltado a essas atividades é frágil, apesar de ter sofrido avanços importantes nos últimos anos, lembrando da Lei de Inovação e a Lei de Propriedade Intelectual. Por outro lado, há inovações institucionais que ainda precisam estar mais bem consolidadas, como a subvenção econômica, e outras que parecem que não receberam a atenção devida quanto aos impactos que podem ocasionar nas atividades de P&D, como a revisão o marco regulatório na área do petróleo, justamente quando do início da movimentação e dos desafios em torno do pré-sal, o que causa instabilidade e coloca o país em desvantagem frente a outras nações.
Mas há outros temas sobre os quais nos debruçamos e são tão importantes quanto os citados acima, como as especificidades da cooperação Norte-Sul e mesmo Sul-Sul em C&T e para a transferência do conhecimento, o impacto das novas tecnologias sobre o emprego, a organização do trabalho, as qualificações e formações acadêmicas, as questões de gênero e também sobre o meio ambiente, a avaliação de impactos de programas tecnológicos, a atração de investimentos de P&D no país por empresas multinacionais e o papel da universidade e institutos de pesquisa nesse processo, dentre outros elementos.

JU – E como o Programa tem reagido a todas essas demandas e transformações?
Maria Beatriz Bonacelli – Temos nos saído bem, até então, mas temos consciência da necessidade de rever as formas e conteúdos programáticos para um tratamento adequado das agendas que têm sido colocadas e que podemos colocar para o debate dessas questões, mantendo nossa posição de precursores de muitas das pautas estudadas no âmbito do país e mesmo da América Latina em PCT.

JU – Como as mudanças têm impactado a formação dos alunos? E no perfil dos candidatos ao curso? Não só em relação a sua origem, mas também dos anseios em relação ao Programa.
Maria Beatriz Bonacelli – Esse quadro tem forte reflexo na formação dos alunos do Programa, o qual já formou 290 pesquisadores desde 1990 com o mestrado e de 1998 com o doutorado, e o qual procura atender tanto aqueles profissionais que buscam seguir carreira acadêmica em universidades e demais instituições de ensino e pesquisa, como aquele conjunto constituído por pesquisadores e administradores de instituições públicas de gestão e fomento em ciência e tecnologia do país e do exterior (notadamente de países latino-americanos), assim como de instituições públicas ou privadas que executam esforços de pesquisa e inovação, inclusive aquelas do terceiro setor.
Aliás, analisando o perfil e a trajetória dos mestres e doutores do PPG-PCT, tem-se um quadro bastante interessante. A partir de um trabalho da professora Léa Velho e da ex-aluna do Programa e analista de C&T do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], Maria Lígia Moreira, o qual integra a publicação “Trajetória Institucional e Resumo das Dissertações e Teses do PPG-PCT/DPCT”, os 197 mestres titulados pelo programa em PCT vieram de mais de 15 diferentes carreiras de graduação, desde a física e as diferentes engenharias até as ciências sociais (especialmente as aplicadas), comunicação social e artes cênicas, e de mais de 50 instituições de ensino em que obtiveram o diploma de graduação – com destaque para a Unicamp, mas também para a Unesp, USP, UFSCar.
De toda forma, a participação de graduados de outros estados é bastante significativa – 15% deles vieram de universidades federais de outros estados – e de graduados de outros países da América Latina, com destaque para o Uruguai, Cuba, Argentina, Venezuela e Colômbia.

JU – O doutorado segue o mesmo padrão?
Maria Beatriz Bonacelli – A maior parte dos mestres titulados no DPCT decidiu continuar a formação acadêmica rumo ao doutorado. Uma porção significativa destes no mesmo programa e outra para doutorados em engenharia, economia e ciências sociais. A grande maioria dos egressos está trabalhando em atividades relacionadas à docência (35%), pesquisa (17%) e gestão (13%, sendo 8% especificamente em gestão de C&T), que são as principais habilidades que o PPG-PCT procura desenvolver em seus alunos.
Segundo Léa Velho e Maria Ligia Moreira, o crescimento da proporção daqueles que continuam o doutorado no Programa tem várias razões, mas, principalmente, porque o Programa consolidou sua reputação e a relevância da temática PCT passou a ser mais reconhecida. Atualmente, um título de doutor em PCT é bastante atraente. Com a constituição do Comitê Interdisciplinar da Capes e, sobretudo, pela inserção profissional dos egressos do Programa e o bom desempenho dos mesmos, o doutorado em PCT ficou cada vez mais competitivo.

JU – E quanto aos egressos?
Maria Beatriz Bonacelli – Dos 93 titulados, são diversificadas as áreas de formação na graduação, mas grande parte são bacharéis em economia e em administração; mas destacam-se, também, as engenharias e as ciências sociais, e entre as áreas científicas destacam-se as ciências biológicas. Instituições públicas do Estado de São Paulo – Unicamp, Unesp e UFSCar – formaram 44% dos doutores na graduação, mas uma porção significativa de doutores veio de universidades federais de outros estados, com destaque para a Universidade Federal do Paraná.
Chama atenção que o doutorado em PCT continua a atrair graduados de outros países latino-americanos, ainda que nunca tenha existido apoio especial de agências nacionais ou internacionais para estudantes estrangeiros. A atuação profissional desses egressos corrobora resultados encontrados para outras áreas do conhecimento: a maioria dos doutores se dedica a atividades de docência e pesquisa e o faz em universidades públicas brasileiras. É significativa a proporção de egressos que trabalha em gestão em geral (10%) e particularmente na gestão de C&T (14%).

JU – Quais seriam os desafios para os próximos 25 anos, em relação à PCT?
Maria Beatriz Bonacelli – Da parte do PPG-PCT, o desafio de desenvolver reflexões, métodos, análises, instrumentos e argumentos a partir de uma base interdisciplinar, a qual evoca trabalhar nas fronteiras disciplinares, interconectando e religando saberes. A ideia é continuar contribuindo para dar conta de fenômenos complexos, não mais baseados em leis gerais e verdades absolutas e eternas, mas em sistemas, modelos, processos, em verdades provisórias, como bem evocado por Karl Popper. Que venham outros 25 anos!

 

Evento comemora

25 anos do Programa

 

Em comemoração aos 25 anos que serão completados em 2013, o Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PPG-PCT), vinculado ao DPCT do Instituto de Geociências, está realizando um evento científico para dar início já neste ano a um processo de reflexão do que tem sido realizado e os elementos que devem ser considerados para uma trajetória ainda virtuosa nos próximos 25 anos.

O evento “Jornadas em Política e Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação – Ensino e Pesquisa em PGCTI: história e novos desafios” tem início no dia 5 de dezembro, com a homenagem à professora Sandra Brisola e o lançamento do livro de compilação das dissertações e teses do PPG-PCT/DPCT, e termina no dia 7 de dezembro. A programação completa encontra-se no site do Instituto de Geociências: www.ige.unicamp.br.