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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 10 de dezembro de 2012 a 16 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 549Pesquisadora modifica proteína
do leite bovino que causa alergia
Técnica desenvolvida na FEA pode ajudarna formulação de ingredientes menos nocivos
A pesquisadora Mariana Bataglin Villas Boas, em sua tese de doutorado, conseguiu modificar uma proteína do leite bovino que é capaz de causar alergia principalmente em crianças. Ela chegou ao feito empregando dois tratamentos enzimáticos em associação, tornando-a uma alternativa à futura formulação de ingredientes na alimentação, que sejam menos nocivos ao ser humano suscetível a esta reação imunológica.
A autora do estudo, defendido na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), trabalhou em laboratório com um modelo de proteína chamada beta-lactoglobulina, existente no leite de mamíferos, exceto no de humanos, podendo desencadear desde um simples processo alérgico, como coceira, até sintomas mais graves, atingindo o trato gastrointestinal e provocando diarreia, irritação e fezes sanguinolentas.
A pesquisa envolveu a modificação estrutural dessa proteína com a polimerização por transglutaminase (que catalisa a reação de ligação cruzada em diversas proteínas), em conjunto com a hidrólise por proteases (uma reação química de quebra das ligações com os aminoácidos que compõem as proteínas). A associação desses tratamentos é uma estratégia pouco adotada, mas que demonstra boas chances de diminuir a resposta imune das proteínas.
Essa tarefa implicou alterar a proteína em questão em diferentes pontos, para avaliar se ainda permanecia o seu componente alérgico. “Não queríamos que ela ficasse como uma fórmula hidrolisada e sim que conservasse algumas das suas características. Mas reconhecemos que, a partir de o momento em que acontecem alterações, ela já não pode ser mais reconhecida como algo alergênico.”
Orientado pela docente da FEA Flavia Maria Netto e realizado no período de 2009 a 2012, o estudo investigou as alterações das proteínas dos alimentos que podem ocasionar alergia alimentar, uma doença cada vez mais frequente nos países ocidentais. O leite bovino, segundo ela, “puxa” a lista dos alimentos potencialmente alergênicos.
Apesar disso, já existem hoje alguns produtos disponíveis no mercado como fórmulas especialmente destinadas às crianças com este problema, no entanto, com um limitante: podem apresentar uma alergenicidade residual decorrente do fato de a hidrólise ser também limitada, não conseguindo eliminá-la por completo.
Na verdade o que Flavia e Mariana, além do grupo de pesquisa como um todo, esperavam era criar novas possibilidades ao que se tem no momento em termos de produtos alimentícios que transcendam as fórmulas, os iogurtes e os outros produtos derivados do leite de vaca.
Sintomas
Desenvolver alergia a esse tipo de leite não é o mesmo que intolerância ao alimento, que envolve um processo voltado à incapacidade de digestão da lactose, e não uma reação alérgica. Com isso, quando o organismo deixa de produzir a enzima lactase, gera cólica e diarreia.
A proteína estudada por Mariana não é encontrada no leite materno. Este é um ponto crucial a ser esclarecido, sinaliza ela, já que o leite materno é mais indispensável ainda nos primeiros meses de vida, e o recém-nascido pode não aceitar uma proteína vinda do leite bovino, comumente usado como substituto.
A alergia avaliada afeta mundialmente até 8% das crianças com idade abaixo de três anos, porém até 2% dos adultos também podem perpetuá-la para a vida. “Por isso da preocupação, porque tal sentença não envolve só o leite. Também os seus derivados e as bebidas lácteas”, informa a pesquisadora.
Há fármacos que ajudam a debelar essas alergias, e eles já são comuns no país. Mas a ideia do grupo é desenvolver um produto que propicie novas alternativas, com doses capazes de diminuir a resposta no indivíduo, e revelar a atuação das enzimas nas proteínas do leite.
Já existe inclusive um trabalho sendo feito em conjunto com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) em que são testados métodos de avaliação de alergenicidade. O professor Ricardo Zollner, da Disciplina de Alergia e Imunologia Clínica, é o responsável médico pelo estudo.
Achados
Com os dois processos enzimáticos, notou-se, foi possível diminuir a resposta alergênica da proteína modelo com a alteração de epítopos (parte da proteína que pode provocar a alergia). Isso foi mensurado por meio do soro de sangue.
Assim, quando se faz o contato dessa proteína modificada com o soro, já se verificam mudanças em relação à proteína não modificada. Em um dos ensaios, a alteração foi tão significativa que reduziu a alergenicidade da proteína a quase zero. “São resultados ainda preliminares, contudo agora estamos usando a matriz toda da proteína do soro de leite”, relata Mariana.
Para observar a alergenicidade da proteína modificada, foi utilizado soro proveniente de sangue de crianças alérgicas ao leite. Uma pequena fração desse soro foi avaliada por Mariana com a devida autorização do Comitê de Ética. O trabalho também envolveu a administração a animais.
Esse soro, que contém as imunoglobulinas (anticorpos), sustenta Mariana, é o gatilho do processo alérgico. Quem tem essas imunoglobulinas para determinadas proteínas pode reagir com elas, dando início a um processo bioquímico que leva à alergia.
O que se faz ainda hoje é que, quando uma pessoa tem alergia a determinado alimento, ele é retirado de sua dieta, por desencadear o processo. Não há muito o que fazer, expõe Mariana.
Ocorre que o leite é uma fonte de proteínas com alto valor biológico e de cálcio para a formação dos ossos e dos dentes. “Logo, é preciso tomar muito cuidado: não é aconselhável cortá-lo da dieta sem motivo explícito ou antes de ser diagnosticado o real motivo dessa medida”, alerta.
No caso do leite especificamente, são encontrados para bebês alguns formulados comerciais, como o Nan-HA, por exemplo, cujas proteínas sofreram hidrólise, resultando em moléculas bastante fragmentadas, o que acaba por favorecer a absorção dos alimentos pelo organismo infantil.
“Por essa razão, também estamos estudando outros processos, porém há muito o que fazer a fim de desvendar prováveis aplicações como ingredientes proteicos de fundamental valor à alimentação das crianças”, afirma a doutoranda.
A despeito disso, realça a autora, eles não podem simplesmente ser bons por não causar resposta. Precisam ser nutricionalmente adequados e, se possível, ter um aspecto sensorial mais agradável do que se tem para os ingredientes e para os hipoalergênicos disponíveis, que são pouco palatáveis.
Se as investigações evoluírem, poderão surgir novos ingredientes para reduzirem as alergias, e não só para a proteína do leite, como ainda para a soja, o ovo e o trigo. Cada matriz é uma, esclarece Flavia, e merece estudo.
De acordo com a professora, Mariana deu início a uma nova linha de pesquisa, “fornecendo mais ferramentas enzimáticas para a modificação de proteínas”. Por outro lado, trouxe essa área para o estudo da alergia a proteínas, que ainda não era avaliada na FEA, somente na área médica e em outros países.
A parceria com a FCM, pontua Flavia, tem rendido muitos frutos. “O professor Ricardo Zollner vem publicando com a gente, contribuindo com o seu conhecimento em Imunologia e nós com o conhecimento na área de Alimentos. Estamos formando alunos para trabalhar nessa interface”, conta.
O projeto iniciado por Mariana deve ter continuidade com o trabalho de outros pós-graduandos sobre questões relativas à quebra das partes das proteínas onde se localizam os epítopos, valiosos para esclarecer o tema.
A intenção é alterar a proteína pela quebra ou pela modificação estrutural. Também atentos ao assunto, pesquisadores estrangeiros do Instituto de Pesquisa em Ciências de Alimentos (Cial), Espanha, associaram-se ao grupo da Unicamp, ampliando as colaborações.
Publicações
- Villas-Boas, MB; Vieira, KP; Trevizan, G; Zollner, RL; Netto, FM. The effect of transglutaminase-induced polymerization in the presence of cysteine on beta-lactoglobulin antigenicity. International Dairy Journal, v.20, p.386 - 392, 2010.
- Villas-Boas, MB; Fernandes, MA; Zollner, RL; Netto, FM; Zollner, RL. Effect of polymerization with transglutaminase on in vitro digestion and antigenicity of beta-lactoglobulin. International Dairy Journal, v.25, p.123 - 131, 2012.
- Sabadin, IS; Villas-Boas, MB; Zollner, RL; Netto, FM; Zollner, RL. Effect of combined treatment of hydrolysis and polymerization with transglutaminase on beta-lactoglobulin antigenicity. European Food Research & Technology, v. 235, p. 801-809, 2012.
- Olivier, CE; Lima, RP; Pinto, DG ; Santos, RA; Silva, GK; Lorena, SL; Villas-Boas, MB; Netto, FM; Zollner, RL. In search of a tolerance-induction strategy for cow’s milk allergies: significant reduction of beta-lactoglobulin allergenicity via transglutaminase/cysteine polymerization: Allergoid generation by polymerization. Clinics, v. 67, p. 1171-9, 2012.
- Olivier, CE; Villas-Boas, MB; Zollner, RL; Netto, FM; Zollner, RL. Allergenicity of Bos d 5 in Children with Cow’s Milk Allergy is Reduced by Transglutaminase Polymerization. Pediat Aller Imm Pul, v. 25, p. 30-3, 2012.
Tese de doutorado: “Efeito da polimerização por transglutaminase e da proteólise na estrutura e antigenicidade da beta-lactoglobulina”
Autora: Mariana Bataglin Villas Boas
Orientadora: Flavia Maria Netto
Unidade: FEA
Comentários
Pesquisadora modifica proteína do leite bovino que causa alergia
Faço votos de sucesso, e agradeço por existirem pessoas como você doutora. Tenho um filho alérgico a proteína do leite de vaca, sei bem as limitações alimentares que essa alergia impõe. Sucesso e que Deus lhe capacite ainda mais e abençoe sua vida.
Muito obrigada! Certamente os
Muito obrigada! Certamente os trabalhos trarão grandes benefícios na área!
Estou fascinada! que belo
Estou fascinada! que belo estudo Doutora!
Minha filha nasceu com uma certa intolerância ao leite, só esta aceitando o Enfamil Gentlease, que tem as proteínas modificadas. Porém, o restante da alimentação fica complicado, por ser um leite com gosto tão ruim.. Espero que tenha muito sucesso nas pesquisas.
Fiquei muito feliz em saber que a Dra é professora no curso de Nutrição do Senac Sorocaba. Obrigada, Deus a ilumine sempre mais e mais!
Deus possa conduzir esse
Deus possa conduzir esse trabalho tãããããããããão esperado por tantas mães...