Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 17 de dezembro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 550Os prós e os contras de uma fronteira agrícola emergente
Dissertação de mestrado detalha mudanças ocorridas no Estado do TocantinsA expansão do agronegócio em direção ao Centro-Oeste e Norte do Brasil passou a ter maior expressão já a partir das décadas de 70 e 80, impulsionada por políticas públicas voltadas à ocupação de terras e ao desenvolvimento regional. Chegava ao Cerrado o cultivo de grãos impulsionado por condições topográficas e climáticas adequadas e extensas áreas disponíveis à exploração que tornaram esse bioma em palco de transformações decorrentes da introdução da agricultura moderna científica e globalizada. No Estado do Tocantins, o Cerrado ocupa a maior parte do território, abarcando uma área de fronteiras agrícolas ainda em expansão.
Considerado um novo eldorado para o agronegócio, vislumbram-se no Estado novas oportunidades ao cultivo de commodities agrícolas por sua localização estratégica, que favorece a competitividade nas exportações. Some-se a isso a disponibilidade de terras a baixo custo, se comparados com outras regiões, a disponibilidade de um grande potencial energético e hídrico e o estabelecimento de estruturas técnicas recentemente instaladas e necessárias ao desenvolvimento dos sistemas agrícolas modernos que atendam às demandas dos agronegócios.
Emancipado do Estado de Goiás através da Assembleia Constituinte de 1988, Tocantins passou a partir daí por grandes transformações e pode ser incluído hoje, depois de pouco mais de 20 anos, entre as mais recentes áreas de expansão de fronteiras agrícolas do território nacional.
É o que mostra a dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Geociências da Unicamp pelo geógrafo Alexandre Caselli Fornaro, em estudo orientado pelo professor Ricardo Castillo. Constituiu objetivo do trabalho analisar como a criação do Estado do Tocantins estabeleceu uma nova solidariedade institucional que facilita a expansão do agronegócio em seu território, evidenciada pela formação de novas regiões agrícolas competitivas – aquelas que atendem aos parâmetros de produção da agricultura moderna e globalizada - em que a logística passa a ser fundamental. A partir dessa perspectiva, a pesquisa procura identificar fatores históricos, políticas públicas federais e estaduais que, a partir de leis, planos e programas, caracterizam um planejamento estratégico de desenvolvimento.
Para o estudo da organização, uso e regulação do território do Tocantins, o autor analisa as principais infraestruturas de transporte, caso da Ferrovia Norte-Sul, a atuação das grandes empresas do agronegócio e suas implicações sobre a agricultura familiar, a formação das regiões competitivas, sobretudo as que envolvem a soja e a cana-de-açúcar.
Alexandre resume seus objetivos dizendo que “nos propomos estudar a expansão da fronteira agrícola moderna no estado do Tocantins analisando as culturas da soja e da cana-de-açúcar, seus complexos agroindustriais e a logística envolvida, destacando o papel regulador do governo federal, mas principalmente o exercido pelo governo do Tocantins, que manifesta uma nova solidariedade institucional, possibilidade concretizada a partir da criação do Estado”.
QUATRO PARTES
O autor dividiu sua abordagem em quatro partes. Na primeira, apresenta aspectos geopolíticos e geoeconômicos do Tocantins com ênfase na emancipação de Goiás a partir de 1989. Em razão da importância para a expansão do agronegócio, compara a estrutura fundiária do Estado com a nacional. Apresenta um panorama geral da pecuária extensiva que continua como uma das principais atividades econômicas do Estado.
Como o agronegócio constitui o tema central da pesquisa, ele comenta as principais atividades agrícolas do Tocantins, casos da soja, cana-de-açúcar, arroz, milho, sorgo, mandioca, feijão, algodão, melancia, abacaxi. Termina esta parte com a discussão dos espaços agrícolas com áreas urbanas, as chamadas cidades do agronegócio, ligadas à produção moderna no campo.
Na segunda parte, são relacionados e analisadosos planos federais sobre uso e organização do território e as políticas públicas estaduais voltadas para o agronegócio que revelam a“solidariedade institucional”. Destaca o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para oDesenvolvimento dos Cerrados (Prodecer),cuja terceira fase foi implantada no município de Pedro Afonso, com o objetivo de expandira produção e oferta de alimentos para o mercado externo, no caso a soja.
Devido à importância da logística paraa expansão do agronegócio, a terceira partedestacaos sistemas de movimentos existentes no Tocantins, particularmente a Ferrovia Norte-Sul que atravessa o Estado em toda a sua extensão e que constitui um sistema de transporte de commodities agrícolas de grande capacidade de carga e volume.
No caso das rodovias, destaca em especialo eixo da BR-153, que atravessa o Estado denorte a sul econstitui um importante sistema de circulação que se conecta com muitas rodoviasque servem o território tocantinense.
Por fim, na quarta parte, o autor discute a expansão das fronteiras agrícolas modernas e a formação das regiões competitivas no Tocantins. Coloca a questão do preço da terra emrelação à expansão do agronegócio, do arrendamentodas terras, conjuga sistemas de movimento com logística e seu papel na competitividade territorial, apresentada como um dosfatores que pode alavancar o Tocantins como fronteira agrícola moderna no Brasil.
Aborda na sequência as ações das grandes empresas do agronegócio e suas implicações para a agricultura familiar.
CONCLUSÕES
Analisando os dados colhidos nas pesquisas de campo, Alexandre conclui que o Tocantins reúne as condições básicas necessárias à expansão dos circuitos espaciais produtivos da soja e da cana-de-açúcar para consolidação do agronegócio globalizado nas próximas décadas.
Ele considera que a constituição político administrativado Estado, em 1988, constitui marco de uma nova escala de solidariedade institucional que orienta de forma peculiar a organização e o uso do território. Lembra que a formação do Estado do Tocantins está vinculada a interesses de grupos políticos e econômicos locais que contribuíram para sustentar o ideal de desenvolvimento econômico combase na expansão do agronegócio.
Constata que a questão fundiária é a mesma que caracteriza todo o território nacional, embora em dimensões menores. Observa que a expansão das atividades agrícolas em relação à pecuária não necessariamente muda essa situação, mesmo porque os sistemas de produção agrícola atuais requerem elevados montantes de capital e níveis sofisticados de organização técnica e administrativa, além de envolver produção em escala, o que induz à permanência de grandes propriedades.
As fronteiras agrícolas atuais respondem a demandas internas e principalmente externas por commodities, passando a representar interesses do capital, das grandes corporações do agronegócio nacional e internacional, do que resultam comandos extra-locais no domínio dos centros produtivos. Daí emerge o valor das fronteiras agrícolas como elemento para o planejamento e para a elaboração de um projeto nacional.
Para o capital, a fronteira agrícola é um espaço onde é possível implantar rapidamente novas estruturas a serviço de mercados internacionais e em benefício, ainda que não exclusivo, das empresas que dominam as diversas etapas dos circuitos espaciais produtivos.
No Tocantins, observa o autor, já existem áreas em que o capital se reproduz rapidamente, casos de Pedro Afonso e Porto Nacional, onde podem surgir regiões competitivas agrícolas, a exemplo do que já ocorre em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, oeste da Bahia, sul do Maranhão e do Piauí, que fazem parte do que o geógrafo brasileiro Milton Santos chamou de Brasil agrícola com áreas urbanas funcionais ao agronegócio globalizado.
Decorrem daí fortes implicações nas relações sociais no campo que se moderniza, pouco a pouco e às vezes abruptamente. Os pequenos e médios produtores, menos capitalizados, possuem chances menores de sobrevivência diante dos novos sistemas técnicos e encontram dificuldades em acompanhar um novo tempo que se implanta.
No estado do Tocantins, a instalação de grandes empresas do agronegócio pode ser um indicativo para o aumento da produção agrícola nos próximos anos. Além delas, países grandes importadores de commodities agrícolas, como China e Japão, enviam representantes para negociar com as administrações públicas estaduais e municipais a possibilidade de investimentos na produção agrícola destinada a atender seus mercados, a exemplo do Prodecer, implantado na década de 90, que impulsionou a produção de soja no município de Pedro Afonso.
A gama de oportunidades desse processo de expansão se adensa com a implantação da Ferrovia Norte-Sul, que atravessa o Estado em toda a sua extensão, e de terminais entrando em operação. Ela constitui um elemento logístico que torna o território competitivo ao possibilitar que as produções das regiões que abrange circulem com maior velocidade e eficiência a custos menores. Contribuem ainda para isso os investimentos em novos terminais de armazenagem e distribuição, inclusive nas rodovias de acesso à ferrovia.
Juntem-se a esses elementos o clima, a topografia plana e a localização estratégica que permite o escoamento da produção pelo porto de Itaqui, no Maranhão, mais próximo dos mercados dos EUA, da Europa e até da Ásia através do canal do Panamá, em comparação aos portos das regiões Sul e Sudeste do país.
Alexandre conclui: “São todos esses aspectos que possibilitam a formação e a consolidação das regiões competitivas agrícolas, assim consideradas partes do território que atendem a parâmetros de produção da agricultura moderna e globalizada e que correspondem a áreas de expansão das fronteiras agrícolas modernas. Nas regiões dos municípios de Campos Lindos, Pedro Afonso, Porto Nacional e Gurupi, a inserção do agronegócio vem promovendo a especialização produtiva e a competitividade regional”.
Publicação
Dissertação: “Logística e agronegócio globalizado no Estado do Tocantins: um estudo sobre a expansão das fronteiras agrícolas modernas no território brasileiro”
Autor: Alexandre Caselli Fornaro
Orientador: Ricardo Abid Castillo
Unidade: Instituto de Geociências (IG)