Edição nº 561

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 12 de maio de 2013 a 19 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 561

Assoreamento é ameaça para
navegação e geração de energia

Estudos na Usina de Barra Bonita dimensionam
impactos e propõem alternativas

O assoreamento, fenômeno que reduz a profundidade dos rios, avança de forma crescente no trecho de remanso do reservatório pertencente à Usina Hidrelétrica do município de Barra Bonita (SP). Pesquisas da Unicamp traçaram um cenário preocupante por conta da sedimentação gradativa no local.

Além do prejuízo para a geração de energia, há risco de paralisação no transporte de cargas no trecho que integra traçado da mais importante hidrovia do país, a Tietê-Paraná. Em menos de cinco anos, alguns pontos ficaram 12 metros mais rasos, conforme levantamentos batimétricos realizados na região.

“É preocupante, pois são duas áreas de interesse para a nação: transporte, principalmente, escoamento de grãos, e geração de energia”, dimensiona o engenheiro civil e eletricista Tiago Zenker Gireli, docente da Faculdade de Engenharia Civil Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.

Sem obras para impedir o processo de assoreamento, a previsão nos próximos anos é de que a capacidade de geração de energia para o país seja afetada. O docente informa que, atualmente, os reservatórios do Tietê respondem por parcela considerável da demanda de energia hidrelétrica da região sudeste do Brasil.

A diminuição da capacidade de geração de energia pode ocorrer caso a prioridade do reservatório de Barra Bonita seja a navegação. Conforme Tiago Gireli, a hidrovia exige certa profundidade, restringindo, deste modo, a utilização da água para a hidrelétrica, que é afetada ainda mais pela sedimentação no trecho.

No plano hidroviário a situação também é crítica: já não é possível navegar utilizando a profundidade normal das embarcações, que é de 2,9 metros. “Neste trecho a hidrovia só funciona, de forma plena, seis meses por ano e a tendência é que isso piore com o aumento do assoreamento”, alerta o docente.

“Recentemente, pudemos acompanhar pela imprensa a situação caótica no porto de Santos por conta da safra de soja. Apenas um comboio utilizando a hidrovia Tietê-Paraná seria capaz de transportar o que 180 caminhões carregam juntos”, compara Tiago Gireli, que chefia o Departamento de Recursos Hídricos da FEC.

Barra Bonita é a primeira de uma cascata de usinas subsequentes, distribuídas ao longo da hidrovia Tietê-Paraná. A usina represa as águas do rio Tietê, um dos afluentes da bacia do rio Paraná que abastece o reservatório da Itaipu Binacional. A hidrovia abrange, por sua vez, 220 municípios em cinco Estados, sendo responsável pelo escoamento anual de aproximadamente 3 milhões de toneladas de grãos.

LINHAS DE PESQUISAS

Os trabalhos na região vêm sendo desenvolvidos desde 2010 no âmbito de duas linhas de pesquisas multidisciplinares: modelagem física e matemática de obras fluviais e marítimas; e sistema de avaliação de perdas energéticas em hidroelétricas causadas por transporte hidroviário.

“Buscamos, com estas pesquisas, criar soluções que otimizem os dois usos, tanto para a geração de energia, como para o transporte. Impactar a geração de energia é prejudicial para o país, ainda mais num momento de estímulo ao crescimento econômico. Por outro lado, existe a necessidade de corrigir a nossa matriz de transporte, com estímulo às ferrovias e hidrovias”, delineia Tiago Gireli.

USOS CONFLITANTES

Ele reconhece que há investimentos efetivos na hidrovia, mas ainda existem gargalos. “O objetivo é entender para propor obras a fim de colaborar para uma utilização mais eficiente, tanto na geração de energia como no transporte hidroviário”. Atualmente, devido ao processo de assoreamento, não é possível conciliar os dois principais usos do reservatório, que se tornaram conflitantes.

“É um conflito localizado porque o assoreamento diminui a profundidade para navegação. Por outro lado, estes sedimentos também atrapalham a geração de energia. E se uso da barragem está mais voltado à hidrelétrica, como acontece hoje, há prejuízos para a hidrovia por conta da diminuição do nível de água”, expõe.

CENÁRIO

Os estudos traçaram um cenário, estimando o volume, a taxa anual de assoreamento e a evolução espacial dos depósitos. Para simular este cenário, elaborou-se um modelo computacional baseado em dados fornecidos pelo Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo e pela AES Tietê, concessionária que administra a Usina.

O modelo de computador foi desenvolvido pela engenheira agrícola Maria Clara Albuquerque Moreira, que defendeu, no final de 2012, dissertação de mestrado junto ao programa de pós-graduação da FEC. O estudo foi orientado por Tiago Gireli.

“O doutorado da Maria Clara começou em seguida. É uma continuidade. No mestrado focamos o modelo para entender o comportamento. Agora, estamos refinando este modelo e, a partir disso, vamos propor obras fluviais que possam melhorar este problema”, explica o orientador.


MULTIDISCIPLINARIDADE

Ele acrescenta que participam das linhas de pesquisas, os docentes da FEC Paulo Sérgio Franco Barbosa e Alberto Luiz Francato, além dos pós-doutorandos João Eduardo Gonçalves Lopes e Tatiana Belanga Chicareli.

Joao Lopes já atuou como engenheiro na Companhia Energética de São Paulo (Cesp), e a economista Tatiana Chicareli é doutora pelo Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Outros dois pesquisadores também integram a equipe: os engenheiros civis Oswaldo Buzolin Junior e Victor de Barros Deantoni, doutorando e mestrando da FEC, respectivamente.

“O propósito final destas pesquisas é criar ferramentas que auxiliem os gestores públicos nas suas tomadas de decisões. Há especialistas das áreas de energia, hidráulica, hidrodinâmica e economia. Tentamos abarcar diferentes campos para gerar uma solução integrada e aplicável”, fundamenta.

CONTAMINAÇÃO

O reservatório de Barra Bonita recebe a água e consequente contaminação que desce pelo rio Tietê, explica o engenheiro Tiago Gireli. “Quando este fluxo de água chega ao reservatório, a sua velocidade diminui. Isso acontece porque o local foi transformado num lago por conta da barragem. Portanto, toda a carga de sedimentos vindos do Tietê que o rio consegue trazer acaba parando ali. É o processo que chamamos de assoreamento”, esclarece.

Ainda de acordo com ele, há planos para obras de dragagem no trecho mais crítico, situado na área de remanso, onde a velocidade da água é baixa. As escavações e remoções dos sedimentos esbarram, no entanto, em vários complicadores ambientais e operacionais. Estas dificuldades explicam, conforme Tiago Gireli, o porquê da obra ainda não ter saído do papel.

“A dragagem prevista tem um problema ambiental porque não é um simples processo de remoção. Há muitos elementos tóxicos neste sedimento: metais pesados, elementos carcinogênicos etc. Portanto, se o processo de dragagem misturar estes elementos novamente na água, haveria grave prejuízo ambiental. Seria necessário remover e lançar num aterro sanitário”, revela.

ALTERNATIVAS

Resultados parciais dos estudos conduzidos na Unicamp já indicam algumas alternativas ao processo de dragagem. O docente aponta que poderiam ser empregados, por exemplo, diques e espigões. Ele explica que os diques são obras longitudinais utilizadas, neste caso, para estreitar o canal, aumentando a sua profundidade. Deste modo, a possibilidade de acumulação de sedimentos seria menor.

Já os espigões são estruturas dispostas transversalmente no canal para proteger a margem contra as correntes. Quando associado ao dique, este tipo de estrutura potencializa o efeito de estreitamento do canal e, ao mesmo tempo, retém parte dos sedimentos ao lado do curso, facilitando a sua retirada.

“Favorece a manutenção com um custo menor do que a dragagem. Basta uma retroescavadeira convencional para remover este sedimento, sem a necessidade de embarcações e obras complexas que a dragagem exigiria. Além disso, haveria um ganho na geração de energia ao aumentar o volume de água, que antes era ocupado pelos sedimentos”, compara.

Parte da investigação sobre Barra Bonita foi desenvolvida no âmbito de programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) custeado pela AES Tietê. Os estudos também contam com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Publicações

FRANCATO, A. L.; GIRELI, T. Z.; LOPES, J. E. G.; BARBOSA, P. C. F.; PÓVOA; M. J.; LOPES, W. P.; MOREIRA, M. C. A.
Avaliação de impactos na produção de energia hidroelétrica com as previsões de crescimento na demanda por transporte hidroviário.
IN: XXI Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, Florianópolis, 2011.
MOREIRA, M. C. A.; ABUD, R. B. S.; GIRELI, T. Z.; FRANCATO, A. L.; LOPES, W. P.
Estudo gráfico do assoreamento do reservatório de Barra Bonita: geração e sobreposição de levantamentos batimétricos.
In: XXV Congresso Latinoamericano de Hidráulica de San Jose, Costa Rica, 2012.


Tese: “Avaliação da influência da barragem de Barra Bonita (SP) na morfodinâmica do rio Tietê e seus impactos à navegação”
Autora: Maria Clara Albuquerque Moreira
Orientador: Tiago Zenker Gireli
Financiamento: AES Tietê e Capes
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)