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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 23 de junho de 2013 a 29 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 566Tese esquadrinha fatores que
agravam câncer de esôfago
Estudo demonstra que recidiva, metástasee broncopneumonia pioram o prognóstico
O câncer de esôfago é o oitavo tumor mais incidente na população mundial e está aumentando muito nos últimos anos, já respondendo anualmente por 10% das suas ocorrências. Tem a obesidade como um dos fatores de risco, a esofagite e o estilo inadequado de vida, como uso do tabagismo, etilismo e alimentação rica em gorduras. O tratamento de escolha é, por excelência, cirúrgico. Um estudo de doutorado, defendido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), demonstrou mais: que a recidiva tumoral (quando a doença volta), a metástase (difusão para outros órgãos) e a broncopneumonia pioram o prognóstico do paciente no período pós-operatório e contribuem para elevar a morbimortalidade, além de diminuir a sobrevida.
Essas conclusões foram repercutidas há pouco na revista Arquivo Brasileiro de Cirurgia Digestiva (ABCD), com indexação PubMed, conferida pelo Instituto Nacional de Saúde Americano. O artigo é intitulado “Adenocarcinoma da transição esofagogástrica: análise multivariada da morbimortalidade cirúrgica e terapia adjuvante”.
O assunto agora ganhará destaque na mesma publicação, desta vez em um editorial, escrito por Valdir Tercioti-Júnior, autor da tese e do artigo, que sairá no volume 2 deste ano. O trabalho fez jus a um prêmio do Congresso Pan-Americano de Câncer Gástrico, em Porto Alegre, RS, cabendo-lhe o primeiro lugar na sessão de temas livres.
Médico assistente da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo do Departamento de Cirurgia da FCM, o pesquisador avaliou a doença em 103 pacientes atendidos no Hospital de Clínicas (HC) de 1989 a 2006, que tinham câncer do tipo adenocarcinoma numa região específica – de transição esofagogástrica.
Tercioti-Júnior comparou, em 2000, os pacientes que fizeram tratamento cirúrgico com um segundo grupo, que também efetuou esse tratamento mais quimioterapia e radioterapia adjuvantes no pós-operatório.
O adenocarcinoma, explica ele, é um tumor maligno agressivo e que tem um rápido crescimento. O principal sintoma produzido é a disfagia (dificuldade de deglutição), que ocorre de forma progressiva. O paciente acaba engasgando constantemente com os alimentos e passa a ingerir uma dieta mais líquida, até não conseguir mais.
O alimento parece ficar “entalado”, obstruindo a passagem. Aí vem o engasgo e a necessidade de tomar líquido junto com as refeições. Essa pessoa deve procurar auxílio médico, se submeter a uma endoscopia digestiva, que é a primeira abordagem, e não postergar o diagnóstico.
Segundo o docente da FCM, experiente gastrocirurgião e orientador do estudo, Nelson Adami Andreollo, a cirurgia é de grande porte, demorada (leva em torno de seis a sete horas) e procedida só em grandes centros como o HC, por terem recursos de terapia intensiva, equipe multidisciplinar e tratamento complementar.
Quando diagnosticado em fase inicial, o paciente pode ter uma sobrevida em torno de 60%-70% em cinco anos. Na contramão, se for tardio, com tumor invadindo estruturas vizinhas, a sobrevida chega a 30% no máximo.
Esse câncer é mais comum depois dos 60 anos e seu diagnóstico é feito em fase avançada, visto que as pessoas acabam não valorizando os sinais do organismo, e muitos confundem os sintomas com gastrite, por exemplo.
Procedimento
Uma questão incomodou Tercioti-Júnior: deve-se fazer a químio e a radioterapia nesse tipo de tumor, não apenas a cirurgia recomendada no protocolo? A resposta é sim. Um motivo é a agressividade do tumor. Outro é o diagnóstico tardio.
Ele teve a ideia de agregar a terapêutica à abordagem desses pacientes. Isso já vinha sendo feito em outros centros para outros tipos de câncer. “Tivemos o mérito de selecionar um tipo muito específico de adenocarcinoma”, relata Tercioti-Júnior.
Notou que a associação desse tumor com a obesidade e os hábitos de vida está largamente difundida através do consumo de alimentos em conserva e enlatados, que se opõem a uma alimentação saudável. Estimular a alimentação feita no dia e a ingestão de frutas in natura (sem conservantes ou agrotóxicos) e mais vegetais frescos devem ser encorajadas, de acordo com o autor do estudo. A literatura aponta que tais fatores relacionam-se a esse câncer e também à doença do refluxo gastroesofágico, “a popular esofagite de refluxo” (quando o músculo no final do esôfago se abre no momento errado e permite que o conteúdo do estômago penetre o esôfago). No caso, os pacientes referem azia e sensação de queimação atrás do peito.
O docente admite que a esofagite pode inclusive evoluir para câncer. Os pacientes que não a tratam adequadamente podem ter transformação do epitélio esofágico para um epitélio de Barrett, condição neoplásica consequente ao refluxo gastroesofágico.
Esse refluxo é potencializado com o consumo de alimentos antes de dormir, uma prática prejudicial na opinião de Andreollo. “É que nesse período a digestão é mais lenta, por não haver deambulação.” As pessoas precisam fazer pequenas refeições ao longo do dia, pobres em gorduras, incentiva ele, e à noite não ingerir quase líquido. “É prudente esperar cerca de uma hora antes de dormir”, ensina Tercioti-Júnior.
Resultados
O pesquisador não conseguiu demonstrar benefício estatístico na análise da sobrevida nos grupos avaliados. Por outro lado, mesmo em se tratando de cirurgias de grande porte, com uma casuística expressiva, houve um índice de mortalidade reduzido.
Isso comprovou que tanto a equipe do Gastrocentro como o HC gozam de plenas condições de atender bem seus pacientes. E a mortalidade relacionou-se mais às infecções respiratórias, como as broncopneumonias, em pacientes que fumam há anos.
A despeito dos cuidados com a cirurgia, esses pacientes já lidam por si com uma alteração da função respiratória. Em consequência, isso será um fator de risco maior para as complicações e para haver infecção no pós-cirúrgico. “Quanto maior o número de linfonodos, a sobrevida tardia será pior: com mais chances de ter linfonodos”, menciona o pesquisador.
Ele conta que a doença nasce numa célula da mucosa do esôfago e fica restrita às camadas mais internas. Conforme crescem, invadem o órgão como um todo, caem nas redes de drenagem sanguínea e linfática, parando nos primeiros linfonodos próximos, que são extraídos na cirurgia.
A simples descrição desse processo expõe o nascimento da célula e o seu desenvolvimento até pingar nos linfonodos adjacentes. Logo, existe uma questão temporal envolvida, atenta o pesquisador. Quando o paciente é operado em razão de uma tumoração já avançada, que tem linfonodos adjacentes, eles também estão doentes. Então um fator determinante na sobrevida foi o quanto estavam invadidos.
Os pacientes que comparecem ao hospital em fases mais precoces não passam por quimioterapia e radioterapia. São apenas candidatos os que comparecem em fase avançada, por implicar uma sobrevida tardia num prognóstico reservado.
Para melhorar essa expectativa, é que se faz um tratamento a mais. “O paciente se recupera da cirurgia pelo período de um mês, para depois passar pela radioterapia e quimioterapia adjuvantes”, revela Andreollo.
O gastrocirurgião enfatiza a vantagem do diagnóstico precoce e das pessoas se preocuparem com seu estilo de vida: cuidar do seu peso e da sua alimentação, no sentido de ter a esofagite tratada a contento e a tempo.
Como nos dois grupos não houve diferença na sobrevida, a cirurgia acaba sendo o melhor tratamento para esse tipo de tumor, mas desde que feita em hospitais de referência, de nível terciário, para evitar a mortalidade e propiciar um bom atendimento.
“Esperamos que esse tipo de atendimento amplie na rede, oferecendo ao paciente acesso ao exame diagnóstico, que é indolor e feito sob sedação. Procurar auxílio médico e ser atendido a tempo na rede pública, desde a realização de exames até o diagnóstico, são obstáculos a serem enfrentados. Nossa população está engordando, comendo pior e envelhecendo”, lamenta Tercioti-Júnior.
Publicações
Tercioti-Júnior, V.; Lopes, L.R.; Coelho-neto, J.S.; Carvalheira, J.B.C.; Andreollo, N.A. Adenocarcinoma da transição esofagogástrica: análise multivariada da morbimortalidade cirúrgica e terapia adjuvante. Arq. Bras. Cir. Dig., 25(4):229-34, 2012.
Tese: “Sobrevida e fatores que influenciam a morbi-mortalidade na terapêutica cirúrgica e adjuvante do adenocarcinoma da junção esôfago-gástrica.”
Autor: Valdir Tercioti-Junior
Orientador: Nelson Adami Andreollo
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)