Edição nº 569

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 04 de agosto de 2013 a 10 de agosto de 2013 – ANO 2013 – Nº 569

Pressão afeta saúde de bancários, aponta estudo

Alterações nas estratégias das instituições financeiras estão entre as causas predominantes do estresse

O aumento da hostilidade nas condições de trabalho tem provocado piora na saúde física e mental dos bancários do país. A revelação faz parte de pesquisa de mestrado da Unicamp concluída em fevereiro último pela economista e ex-bancária Taíse Cristina Gehm. No estudo, ela aponta que diversas transformações nas instituições financeiras, sobretudo entre os anos de 1990 e 2000, contribuíram para o aprofundamento da pressão nas relações de trabalho entre os profissionais.

“Essa pressão no trabalho, resultado de constantes cobranças sobre vendas e metas, tem se tornado uma fonte de adoecimento dos bancários. As principais doenças estão relacionadas às LERs/ Dorts [Lesões por Esforço Repetitivo/ Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho] e doenças psíquicas”, aponta a pesquisadora, que trabalhou no extinto banco Nossa Caixa entre 2006 e 2007.

As causas predominantes do estresse no trabalho dos profissionais estão relacionadas com as alterações nas estratégias das instituições, iniciadas a partir da década de 1990. Taíse Gehm cita o aprofundamento do processo de automação; a externalização das atividades, como a terceirização e a introdução dos chamados correspondentes bancários; e o estabelecimento de metas sobre vendas.

“O fim da inflação, a partir da década de 1990, provocou mudança na estrutura dos bancos. Com a estabilização da moeda, as instituições buscaram outras formas de rendimentos, adotando novas estratégias, que alteraram a própria natureza do que é ser bancário. A busca pela lucratividade e a redução de custos têm resultado em piores condições de trabalho, como maior pressão sobre os bancários e um ambiente de insegurança”, contextualiza a economista graduada pela Unicamp.

A pesquisa de Taíse Gehm foi conduzida junto ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Economia (IE), sob orientação do docente José Dari Krein. Ela realizou entrevistas qualitativas com bancários tendo como referência o Banco do Brasil (BB) e o processo de incorporação do Banco Nossa Caixa em 2009. O estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Conforme a estudiosa, foram entrevistados trabalhadores do BB, dentre eles, bancários provenientes da Nossa Caixa. Ela informa que a investigação também se apoiou em levantamento do perfil dos profissionais dos bancos públicos, realizado a partir da Relação Anual de Informações Sociais e dos Relatórios Anuais do Banco do Brasil.

“A finalidade do estudo de campo foi captar a percepção dos bancários sobre as alterações ocorridas, e também entender o impacto disso na vida deles, com destaque para a saúde física e mental. O objetivo das entrevistas foi também identificar o sentimento dos bancários frente a essa incorporação”, justifica.

Na dissertação, são citados dados do Relatório Anual do Banco do Brasil, que demostram aumento de 42% nas taxas de lesões entre 2008 e 2011. Ao mesmo tempo, a taxa de dias perdidos apresentou pouca variação. Isso acontece, segundo a pesquisadora, porque os bancários doentes sentem-se pressionados a não faltarem e não se afastarem.

“Há forte cobrança de toda a equipe para que a produtividade seja mantida. A política adotada no BB faz com que a falta de um funcionário prejudique a equipe inteira. E quando um profissional se ausenta, o banco não envia outro funcionário para suprir a falta do funcionário doente”, critica.


Mudança no perfil

Com as transformações no sistema das instituições financeiras, os bancários passaram de intermediários de transações para vendedores de produtos e serviços, afirma a economista da Unicamp. De acordo com ela, essa mudança no perfil dos trabalhadores tem implicado em cobranças diárias sobre o cumprimento de metas relacionadas a vendas de produtos e serviços.

“Um grande elemento das metas são as vendas, não que elas tenham um peso maior nos pontos da agência. Só que as vendas são importantes para o reconhecimento do funcionário, pois ele acaba tendo um melhor relacionamento. As entrevistas fortemente indicaram que as vendas são um componente para a progressão do funcionário no Banco do Brasil”, detalha.

“Atualmente, os bancários estão sendo chamados de ‘bancários vendedores’. São pressionados e cobrados a oferecer e vender produtos que, muitas vezes, consideram dispensáveis aos clientes. A principal questão é a venda, mas eles precisam dar conta dos trabalhos burocráticos e administrativos. Muitos profissionais se sentem frustrados”, completa Taíse Gehm.

A economista lembra que o fim dos ganhos com a inflação e o crescimento da renda da população impulsionaram os bancos a buscarem outras estratégias para elevar suas receitas. Entre elas, destacam-se a cobrança de tarifas e a venda de produtos e serviços, como seguros, consórcios, cartão de crédito, empréstimos, financiamentos e previdência privada.

Outro elemento que gera hostilidade nas relações de trabalho é o sistema de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Isso porque a PLR possui dois componentes: uma remuneração fixa e outra variável, relacionada diretamente com o cumprimento de metas.

“A PLR é definida por agência e não por funcionário. Se a agência bate a meta, vai ter uma PLR maior. Caso contrário, vai receber uma PLR menor. E o funcionário tem que se engajar para conseguir a pontuação. Isso é uma faca de dois gumes, porque ao mesmo tempo em que é coletivo, causa cobranças de colega a colega”, expõe.


Automação

O uso crescente da tecnologia gerou aumento de produtividade e consequências negativas ao trabalho dos bancários. A pesquisadora da Unicamp considera que o avanço tecnológico e a racionalização produtiva estão associados ao movimento intenso de reestruturação bancária.

Ela exemplifica citando o sistema de comunicação eletrônica de dados, que substitui o atendimento tradicional nas agências bancárias. O objetivo, esclarece a investigadora, foi sedimentar uma estrutura administrativa mais enxuta, resultando em desemprego e pressões nas condições de trabalho.

“A automação reduz o tempo morto do trabalho, tornando a atividade mais intensa. A finalidade é o aumento da produtividade. Um bancário disse, por exemplo, que se sente no big brother porque o seu chefe não precisa estar perto dele, controlando. Ele faz isso online, pelo sistema do computador”, relata.


Terceirização e correspondentes

Na busca por redução de custos, as instituições financeiras promoveram uma série de terceirizações. Houve também a possibilidade de realização de atividades fora das agências, com os serviços dos correspondentes bancários, exercidos por lotéricas, Correios e comércio.

“Essas medidas situam-se na lógica de busca por maiores lucros e aumento da competitividade. Como atividades terceirizadas no Banco do Brasil destacam-se a retaguarda e compensação, segurança, limpeza, digitação e o setor jurídico. Alguns bancos também terceirizam atividades de telemarketing”, exemplifica a ex-bancária.

Taíse Gehm observa que os entrevistados são contra a terceirização de atividades típicas do bancário. Muitos concordam, no entanto, que a terceirização de segmentos como limpeza, telefonia e segurança é benéfica para o banco. Isso pode refletir uma questão de identidade dos próprios bancários, analisa.

“Muitos acreditam que para algumas ocupações a terceirização é positiva, possivelmente como afirmação do status das ocupações dos bancários. O posicionamento deles acaba sendo uma maneira de se diferenciarem dos trabalhadores que exercem atividades não bancárias”.

Alguns profissionais também são favoráveis aos correspondentes externos, menciona a pesquisadora da Unicamp. “Este tipo de atividades tira os clientes do banco, diminuindo filas e a quantidade de trabalho. Mas tem a questão da insegurança que estes correspondentes geram. Pelo que eu percebi nas entrevistas, os caixas se sentem bastante afetados pelos correspondentes bancários. Eles enxergam, no futuro, a própria extinção dos seus cargos”, pondera.


Publicação

Dissertação: “As transformações no sistema bancário e a hostilidade nas condições de trabalho: um olhar a partir do Banco do Brasil”
Autora: Taíse Cristina Gehm
Orientador: José Dari Krein
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: Capes

Comentários

Comentário: 

Taise,
Aplaudo de pé sua iniciativa e seu trabalho. Vc está relatando uma realidade que poucos sabem ou ignoram.
É vergonhoso constatar que uma instituição pública como o Banco do Brasil está deixando TODOS seus funcionários doentes com o intuito de aferir cada vez mais lucro.
Parabéns!!!

Comentário: 

Ah! O banco não é tão mau assim... ele até subsidia meu anti-depressivo e meu ansiolítico!!! PS: estou sendo irônica.

Comentário: 

Boa tarde. Estou desenvolvendo um projeto de pesquisa em torno da atenção psicológica ao bancário. Gostaria de saber como faço para contatar a Taise Gehm e/ou obter uma cópia de sua dissertação. Grata.

cordeiro.anapaula@gmail.com

Comentário: 

O texto retrata de forma fidedigna a situação dos bancários na atualidade, somos meros vendedores que temos que sempre dar lucro ao banco, sempre maior do que foi e em qualquer situação do mercado, o que gera cada vez mais pressão e estresse e por consequencia adoecimento.

Comentário: 

Sou casado com uma bancária e posso afirmar que a pressão do dia a dia realmente afeta na saúde não somente dela mas como de toda a nossa família.

Comentário: 

Pena que a pesquisa se restringiu ao Banco do Brasil e Nossa Caixa, a situação é a mesma ou até pior na rede privada. Não que a pesquisa não aponte as consequências da pressão exercida sobre todos os bancários, mas o fato de ter como única fonte esses bancos de certa forma não atinge os Bancos Bradesco, Santander e Itaú, por exemplo, em que já praticavam a pressão excessiva e metas abusivas e pioraram muito após as fusões com outros bancos nos últimos anos. A fusão da Nossa Caixa e do Banco do Brasil, embora tenha sido maléfica para os bancários desses bancos, está longe dos estragos sofridos na vida dos bancários do Banco Real, Itaú e Unibanco. Se estender essa pesquisa junto ao INSS constatará o absurdo número de bancários afastados por doenças psíquicas, principalmente depressão, além daquelas ligadas às lesões DORT/LER.

Comentário: 

Trabalhei 34 anos em um dos maiores Bancos privados do País, e sua pesquisa é uma realidade que se aplica perfeitamente nessa instituição, com o agravante de não ser pública e, dessa forma a pressão é descomunal.
Fui obrigado a solicitar minha aposentadoria, devido não mais suportar as pressões e as distorções que conseguiram fazer a profissão(embora bancário não seja considerado uma profissão), pois um bancário, que estudou, fez treinamentos para se aperfeiçoar, só tinha valor se cumprisse metas de vendas de todos os tipos de produtos, não mais se aplicava à função de auxiliar no fomento da economia, ajudando clientes a implantar seus projetos e atuar como parceiro; cheguei a ver cliente chorar por não conseguir sair do circulo que havia se envolvido com sua agência, pois simplesmente não sabia falar não e era sempre pressionado a adquirir produtos, sem necessitar. Este é o lado podre dos bancos, do qual deveriam se envergonhar.

melomarco2006@ig.com.br

Comentário: 

Fui funcionário por 32 anos do Banco do Brasil.
Nos últimos 14 anos atuei como Administrador em diversas agências. Recentemente, saí em Licença Interesse para me dedicar a outra atividade, mesmo antes de me aposentar, para preservar minha saúde e qualidade de vida de minha família.
É com sentimento de grande perda que assistimos uma instituição como o BB abrir mão de relacionamentos profissionais, com colaboradores e clientes, e trocar por uma visão míope de curto prazo, apenas para demonstrar números que serão frágeis no futuro.
Participação estratégica na economia, gerar emprego e renda, atuar em municípios em desenvolvimento, auxiliar projetos em empresas iniciantes, tudo isso virou palavrão no BB. O que importa é empurrar produtos goela abaixo...
Perdeu-se os maiores diferenciais da instituição.
Ficou comum, nivelou-se por baixo em relação ao mercado.
Certamente, o preço disso terá reflexo no longo prazo. O País perde, o Brasileiro perde.
Ainda mais se constatarmos o que está causando nos colaboradores e familiares, conforme constatado na pesquisa, aí é fato que tratam-se de atos questionáveis e que devem ser corrigidos.
Talvez a explicação esteja em projeto ainda não divulgado sobre o que será feito com o BB daqui para frente.
O fato é que está deixando de ser estratégico para a nação...
Torço pelos colegas que ficaram. Eles precisam se unir e deixar a passividade de lado!!!