Edição nº 572

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de agosto de 2013 a 01 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 572

Tese sugere modelos gerenciais
para institutos de pesquisa

São analisados espaços de autonomia e
flexibilidade permitidos pelo modelo jurídico vigente no país

Os institutos públicos de pesquisa precisam de um modelo jurídico que considere as especificidades da área de ciência, tecnologia e inovação, e que permita flexibilidade, de acordo com as tendências internacionais e nacionais para estas organizações, como: vender produtos e serviços e estabelecer contratos; definir e determinar a questão dos recursos humanos com base em seus projetos e missão; e a legislação de compras. Essas são as principais questões a serem consideradas em um modelo jurídico mais adequado para essas entidades, segundo tese de doutorado apresentada no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, pela administradora de empresas Valéria Cristina dos Santos Ribeiro.

A tese teve como objetivo analisar modelos gerenciais de dois institutos de pesquisa públicos brasileiros – o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, sujeitos ao regime jurídico chamado de “administração direta federal”, o mais rígido existente no país, segundo a autora –, para discutir os limites e as potencialidades da atuação gerencial frente aos limites impostos pela legislação vigente. Os dois institutos pertencem ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

“De todos os modelos existentes, hoje, no Brasil, o da administração direta é o mais restritivo, porque cria entraves, de alguma forma, para os institutos. Como exemplo [de entraves], podemos destacar os aspectos de contratação de pessoal, captação de recursos, celebração de contratos ou ainda venda de produtos e serviços”, avalia a autora do trabalho. “Entretanto, há algumas possibilidades de decisões gerenciais internas que podem minimizar essas restrições.”

O Inpe é o principal órgão civil responsável pelo desenvolvimento das atividades espaciais no país e tem como missão produzir ciência e tecnologia nas áreas espacial e do ambiente terrestre, além de oferecer produtos e serviços nesse setor. O instituto atua nas áreas de meteorologia e mudanças climáticas, observação da Terra, ciências espaciais e atmosféricas e engenharia espaciais. Hoje, presta serviços de previsão do tempo e clima, monitora o desmatamento na Amazônia Legal, rastreia e controla satélites, entre outros.

O CTI Renato Archer atua na pesquisa e no desenvolvimento em tecnologia da informação, mantendo interações com os setores acadêmico, por meio de parcerias em pesquisas, e industrial, com projetos de cooperação e prestação de serviços tecnológicos. Tem como principais focos de atuação a área de componentes eletrônicos, mostradores de informação, microeletrônica, sistemas, software e aplicações de tecnologia da informação, como robótica e tecnologias 3D para indústria e medicina, entre outros.

Valéria analisou modelos de gestão de institutos de pesquisa dos Estados Unidos, União Europeia, China, Índia e Coréia. “O modelo jurídico e o modelo gerencial estão fortemente interligados na constituição do que pode ser compreendido como modelo institucional, havendo entre eles uma relação de mútua determinação, o que pode possibilitar a aplicação de diferentes modelos gerenciais sob um mesmo modelo jurídico”, escreveu.


Análise

A autora iniciou o trabalho a partir de um modelo existente na literatura e que apontava as influências políticas e o marco regulatório como agentes que interferem na autonomia e flexibilidade de um instituto público de pesquisa. No estudo, além da análise de regimes de outros países, ela também aplicou um extenso questionário aos dois institutos brasileiros analisados e comparou as respostas apresentadas com o texto da legislação vigente sobre cada um dos temas considerados para a pesquisa, no caso, a atuação deles nas áreas de governança institucional, planejamento estratégico e avaliação, gestão financeira, de pessoas e de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Ao término do doutorado, ela inclui mais dois fatores, além daqueles inicialmente apontados, capazes de influenciar a autonomia e a flexibilidade para a implementação de mudanças gerenciais em institutos públicos de pesquisa: influência do órgão superior (que no caso da tese é o MCTI) e perfil da liderança da instituição. “Tecnologicamente, os institutos apresentam respostas, desenvolvem pesquisa e desenvolvimento, porém a gestão, por muitos anos, foi deixada de lado, não era tão importante. Hoje, é necessária uma gestão mais profissional, usando novas técnicas gerenciais, para que os institutos públicos de pesquisa possam cumprir melhor sua missão, com ganhos maiores de efetividade e eficiência, além dos que já conquistaram”, avalia a autora.

Segundo Valéria, nos últimos 30 anos, esses institutos vêm “enfrentando desafios relativos à busca por recursos financeiros competitivos, crescente competição por mão de obra qualificada, surgimento de novos campos do conhecimento, alterações nas políticas que definem o papel do Estado, riscos e oportunidades decorrentes de uma maior abertura para o ambiente externo, entre outros aspectos”. “Para melhor inserção nesse novo contexto, os institutos têm adotado diversas estratégias, tais como mudanças em seu formato jurídico, modificações em seus organogramas, implantação de políticas ativas de relacionamento com o meio e sofisticação de seus modelos gerenciais”, escreveu, na conclusão da pesquisa.

Da análise dos casos internacionais escolhidos para a pesquisa, a autora constatou que ocorreram mudanças principalmente em aspectos gerenciais relacionados a recursos humanos, propriedade intelectual, pesquisa colaborativa, financiamento, relacionamento com empresas, planejamento estratégico, modelo jurídico e avaliação de resultados e impactos. “Muitos institutos passaram a trabalhar por demanda, porque é necessário apresentar resultados à sociedade, ou a trabalhar com empresas, porque com a crise fiscal nos anos 80, os Estados reduziram a capacidade de investimento em ciência tecnologia e inovação e os institutos tiveram de buscar outras maneiras para se sustentar, por isso passaram a realizar algumas pesquisas sob demanda”, explica. Ou seja, pesquisas mais longas e complexas, segundo ela, continuaram a ser financiadas pelo Estado, mas outras mais aplicadas foram viabilizadas por meio da busca de parceiros e da construção de uma rede de colaboradores.

Na questão do financiamento, o Inpe e o CTI Renato Archer têm procurado alternativas. No primeiro, a União é responsável por 77% dos recursos orçamentários aplicados, mas 9% dos investimentos já são realizados por meio de cooperações nacionais e internacionais, além da venda de produtos e serviços. No caso do CTI, 56% dos recursos são oriundos do tesouro federal, e 21% decorrem de parcerias (nacionais e internacionais) e da comercialização de produtos e serviços (apoiado na Lei de Informática). Entre essa e outras constatações, a partir de saídas encontradas pelos dois institutos para contornar a rigidez do regime jurídico, a autora conclui que, de fato, existe uma margem para contornar as limitações aparentes.

E o que é decisivo para que essas possibilidades sejam exploradas? Para Valéria, liderança. “O estudo de casos indica que há uma margem razoável para implantação de modelos gerenciais sob um mesmo regime jurídico e que a decisão de implantação destes cabe especialmente à direção da instituição. Ademais, cabe enfatizar que a perspectiva de uso sistemático de alguns destes mecanismos e instrumentos gerenciais pode certamente levar o instituto a cumprir sua missão com maior eficiência, eficácia e efetividade”, conclui a administradora de empresas.

Além disso, os modelos usados precisam ser aprimorados. “Hoje, um grande entrave para os institutos é não ter uma área jurídica própria”, avalia. A discussão é oportuna, pois tramita no Congresso, em Brasília, projeto para a criação de um Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, um conjunto legal de normas que pode aprimorar o trabalho dos institutos de pesquisa no país. A proposta da própria comunidade científica, por meio do Fórum de Secretários de Ciência e Tecnologia, de fóruns de fundações de apoio à pesquisa, com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências, segundo texto divulgado na página do Senado na internet. A proposta foi transformada em dois projetos de lei: no Senado, o PLS 619/11; na Câmara, o PL 2.177/11.

A pesquisadora ressalta a necessidade de estudos sobre modelo jurídico que atenda as peculiaridades de ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Entretanto, segundo a autora, as instituições podem criar modelos gerenciais dinâmicos que permitirão realizar suas atividades, além de poderem avançar e adaptar-se às mudanças na área de ciência, tecnologia e inovação, apesar das restrições do modelo jurídico, “evitando seguirem para um caminho de dependência científica e/ou tecnológica ou de rigidez institucional”.

Publicação
Tese: “Análise de modelos gerenciais para institutos públicos de pesquisa e desenvolvimento”
Autora: Valéria Cristina dos Santos Ribeiro
Orientador: Sergio Luiz Monteiro Salles Filho
Coorientadora: Adriana Bin
Unidade: Instituto de Geociências (IG)

Comentários

Comentário: 

A pesquisa da Dra. Valéria se encaixa como uma luva no atual momento da política Brasileira onde a credibilidade das instituições estão em baixa. O trabalho indica muitas oportunidades de melhorias que se levado a sério, poderia elevar a credibilidade das nossas intituições e levar o país para um patamar compatível com o século 21. O governo poderia cria uma equipe de inovação buscando uma transição para este patamar.