Edição nº 584

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de novembro de 2013 a 01 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 584

Na imagem, o melhor poço

Grupo desenvolve algoritmos de processamento e imageamento de dados sísmicos ligados a reservatórios de petróleo

Quando a mulher grávida passa por uma ecografia, as ondas de ultrassom refletem no feto e voltam trazendo dados que, processados no computador, resultam na imagem do interior do útero que permite ao médico observar como está evoluindo a gestação. Em outro extremo, temos o imageamento sísmico, em que ondas eletromagnéticas são substituídas por ondas elásticas (se enviadas em terra) ou por ondas acústicas (quando no mar), que refletem nas interfaces entre as camadas da subsuperfície e voltam trazendo um enorme conjunto de informações; utilizando-se algoritmos computacionais e métodos de imageamento, dos dados surgem imagens da subsuperfície da terra e, depois de interpretados, resultam em mapas indicando as estruturas geológicas com condições de acumular petróleo.

Quem faz a analogia é o professor Martin Tygel, que coordena um projeto de quatro anos visando ao desenvolvimento de algoritmos de processamento e imageamento de dados sísmicos ligados a reservatórios carbonáticos. O projeto engloba várias teses conduzidas no âmbito do Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) e da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), sendo fruto de convênio entre a Petrobras e a Unicamp. Cerca de 30 pesquisadores desenvolvem algoritmos e novas técnicas com base em técnicas recentes de processamento de sinais, muitas delas ainda pouco exploradas em geofísica.

Martin Tygel esclarece que o termo “sísmico” é utilizado no caso de excitações (vibrações) produzidas pelo homem, ao passo que “sismologia” ou “sismográfico” se relacionam aos terremotos, ou seja, a vibrações provocadas pela ação da natureza. “Nesse projeto, especificamente, o foco está no imageamento sísmico. Trabalhamos para produzir a melhor imagem possível da subsuperfície da terra, a fim de subsidiar o geofísico e o geólogo de petróleo – talvez os profissionais mais importantes na fase de prospecção – na decisão de indicar os locais para a perfuração de poços com o menor risco exploratório. Uma perfuração errada, aquela que leva a um poço seco, traz um enorme prejuízo. Descoberto um campo, são os engenheiros de petróleo que têm papel primordial, atuando na escolha de estratégias e tecnologias para viabilizar e otimizar a explotação (extração) do óleo em toda a vida útil do campo.”

Na opinião do coordenador do projeto, que é docente do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), o Cepetro é o principal centro da Unicamp no gerenciamento de estudos em petróleo, por possuir estrutura favorável, experiência e eficiência no trâmite entre pesquisa aplicada e indústria. “Esse projeto é uma continuação de outros que vêm ocorrendo há pelo menos 25 anos, quando o Cepetro foi fundado. A construção das imagens é uma questão muito complexa, interdisciplinar e multidisciplinar, que atrai geofísicos, geólogos, cientistas da computação, matemáticos aplicados, físicos e várias áreas da engenharia. Nesse sentido, o centro exerce um papel moderno, de atacar problemas de forma global, o que nenhum instituto faria sozinho.”

Uma das maiores dificuldades no imageamento sísmico, ressalta Martin Tygel, está em separar os sinais importantes daqueles considerados ruídos. “No caso da exploração de petróleo no mar, em especial para as camadas do pré-sal, as ondas acústicas enviadas da superfície percorrem mais de sete quilômetros para baixo e outros tantos de volta; após propagar mais de 14 quilômetros, chegam sinais de todos os tipos. Diante dessa grande massa de informações, é possível imaginar a dificuldade em identificar o que é sinal e o que é ruído – principal objetivo dos profissionais que tentam gerar a tão cobiçada imagem da subsuperfície terrestre.” 

 

Ações em cadeia

O professor observa que uma boa imagem, contudo, não basta para se encontrar petróleo, havendo para tanto três grandes grupos de atividades no setor. “O primeiro grupo é de aquisição sísmica, encarregado de ‘iluminar’ uma região de interesse. No mar, as ondas acústicas são enviadas através de canhões de ar: artefatos que liberam enorme quantidade de ar comprimido rapidamente, gerando uma forte energia que vai rebater nas interfaces das camadas da subsuperfície. Trata-se de uma operação espetacular – com centenas de pessoas, navios e campanas terrestres – e absolutamente proibitiva para a universidade. Acadêmicos não sobreviveriam às explosões”, brinca.

Os dados coletados nesta megaoperação são transmitidos para um segundo grupo, que se encarrega do processamento das informações e do qual fazem parte pesquisadores como os da equipe de Martin Tygel. “A imagem é nosso feijão com arroz, mas se trata de pesquisa de ponta, que vamos continuar fazendo porque o pré-sal abriu novos horizontes com seus reservatórios carbonáticos. Os mais bem explorados são do tipo turbidito [depósitos sedimentares originados por correntes de turbidez submarinas]. As técnicas de outros reservatórios se aplicam para carbonatos, mas não tão facilmente, sendo necessário preencher esse vácuo com novas tecnologias.”

O terceiro grupo da cadeia, complementa o docente da Unicamp, cuida da interpretação das imagens produzidas na universidade e é formado por experts que estão principalmente nas empresas. “Assim como o radiologista que encaminha a radiografia para o diagnóstico pelo médico, nós levamos as nossas imagens até o geofísico, que vai avaliar se elas apresentam qualidade suficiente para uma tomada de decisão. Como eu disse, nosso objetivo é a produção de softwares e de metodologias para extrair, daquela massa de informações, as que sejam úteis para quem gerencia as atividades de exploração e explotação de petróleo. E, em termos de resultados, já produzimos vários softwares que estão em uso.”

  

A produção de conhecimento focando os problemas do país

Uma preocupação constante do professor Martin Tygel é a de esclarecer que os projetos do Cepetro são de longo prazo e de pesquisa aplicada, e não somente de serviços. “Há quem pense que usamos recursos humanos e tecnológicos da Universidade para resolver problemas pontuais de empresas, quando esses projetos, na verdade, estão voltados para a produção de conhecimento. A diferença é que os estudos não são desenvolvidos como desejam alguns pesquisadores, já que fazem parte de acordos universidade-empresa focando uma questão tecnológica importante. E cujo desdobramento é desconhecido, justamente por causa do forte caráter acadêmico.”

Martin Tygel acredita que a pesquisa aplicada no setor de petróleo, assim como na medicina e em várias outras áreas, deve apresentar tanto um viés acadêmico como industrial. “O caráter industrial significa ter objetivos, prazos e transferência da tecnologia para a sociedade, uma série de premissas que fogem um pouco do dia-a-dia do professor ou acadêmico. A atividade laboratorial é fundamental, mas conciliando a elaboração de uma tese com um resultado impactante social e economicamente.”

Na opinião do professor da Unicamp, o Brasil é um país que ainda possui maior tradição científica e pouca tradição tecnológica, o que dificulta o entendimento do projeto universidade-empresa. “Existem diferentes visões e muitas discussões sobre o papel da universidade. Para certas pessoas, o papel é de formar recursos humanos e simplesmente soltá-los no mundo; outras pessoas, entre as quais eu me incluo, consideram que a universidade, além de bem formar seus alunos, deve produzir conhecimento vinculado aos problemas importantes da nação.”

Tygel atenta que a ciência está se reorganizando em torno de grandes problemas globais, ao invés de se ater às atividades específicas dos departamentos. “Antes, as pesquisas seguiam a atividade padrão de cada instituto. Ocorre que encontrar petróleo, por exemplo, é uma questão fundamental para o país, assim como a cura do câncer, a produção de medicamentos e o avanço em genética ou em nanomateriais. São problemas que atraem especialidades de todas as áreas – medicina, computação, matemática, física, química, biologia, engenharias – reconfigurando profundamente a atividade acadêmica.”

Segundo o docente, o diferencial em áreas como a de petróleo está em agregar pesquisas de impacto social e econômico com uma parte acadêmica forte e sólida. “Este é o papel da universidade, o melhor dos mundos. O projeto de imageamento sísmico do Cepetro já tem dois anos, envolvendo cerca de 30 pesquisadores: um professor da Matemática, um da Computação, três da Elétrica e um da FT de Limeira, todos com seus pós-docs, doutorandos e mestrandos; e, ainda, pesquisadores em regime de CLT, contratados com recursos do projeto. Vale salientar que, mesmo considerando os desafios ambientais envolvidos na sua produção, o petróleo é a commodity que fornece o maior retorno social em termos de impostos, royalties e outros benefícios. Some-se ainda o intenso impacto econômico e tecnológico gerado pela atividade de exploração e produção.”

Sobre os pesquisadores em regime de CLT, Martin Tygel considera que contratá-los é uma forma de manter equipes qualificadas na universidade – e daí a importância dos projetos de longo prazo como os financiados pela Petrobras. “Em projetos pequenos, qualificamos pessoas que vão embora justamente quando estão em ponto de bala. A universidade deve se preocupar em manter esses profissionais. Na verdade, o mundo acadêmico vê o pesquisador como um professor ‘b’ que não deu certo; em outros países, ao contrário, é ele quem está na fronteira do conhecimento, atraindo recursos e dando visibilidade à universidade.”