Edição nº 584

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de novembro de 2013 a 01 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 584

Telescópio


DNA indica que cão foi domesticado na Europa

A transformação de lobos ferozes em cães brincalhões, por obra da ação humana, teve início na Europa, entre 19.000 e 32.000 anos atrás, diz uma análise que comparou o DNA mitocondrial (mDNA) de cães e lobos modernos a material colhido de fósseis caninos com milhares de anos de idade. O estudo, realizado por uma equipe internacional de cientistas – incluindo pesquisadores da Alemanha, Rússia, Finlândia, Bélgica, Espanha, Argentina e EUA – está publicado na edição da última semana da revista Science.

O trabalho indica que todos os cães modernos pertencem a uma de quatro clades – como são chamados os grupos formados por um ancestral original e todos os seus descendentes, que podem ser descritos como ramos inteiros da árvore genealógica da espécie.  

Mais de 60% das sequências de mDNA dos cães atuais, incluindo dos dingos da Austrália, de algumas raças chinesas e de espécimes do Novo Mundo, que chegaram às Américas junto com os primeiros humanos a pisar no continente, pertencem a uma dessas clades, chamada de clade A, que tem parentesco com lobos que viviam na Suíça há cerca de 32.000 anos. As demais clades também têm parentesco com lobos da Suíça, Alemanha e Ucrânia.

“Criticamente, nenhuma das sequências de lobos modernos de outros possíveis centros de origem, como Oriente Médio (Arábia Saudita, Omã, Israel, Irã e Índia) ou Ásia Oriental (China, Japão, Mongólia) mostra afinidade próxima com as clades modernas de cães”, escrevem os autores.

Esses resultados sugerem que os cães teriam sido domesticados originalmente por grupos de caçadores-coletores nômades e não, como se supunha, por comunidades agrícolas já estabelecidas.

 

‘Pegada ecológica’ humana em debate

O indicador conhecido como “pegada ecológica” (PE), que busca medir quanto da capacidade biológica da Terra está sendo usada pela humanidade, não serve para orientar políticas públicas porque subestima a degradação ambiental causada pela atividade agrícola, pela pesca e pela urbanização, entre outros fatores, diz artigo publicado na edição de novembro do periódico online PLoS Biology.

De acordo com os autores da crítica, a pegada ecológica depende demais do balanço de emissões de CO2, o que distorce o índice. “Baseado numa interpretação lógica da metodologia da PE, se menos da metade da área dos EUA fosse plantada com eucalipto” o déficit ecológico da humanidade despareceria, diz o artigo, ao argumentar que o indicador não reflete a realidade. Os críticos concluem que a pegada ecológica, usada em relatórios de organismos como a ONG WWF e as Nações Unidas, é inútil para “qualquer uso sério em ciência ou política”.  

Na mesma edição da PLoS, os idealizadores da metodologia da PE, mesmo reconhecendo as limitações do indicador, defendem-no e reafirmam sua utilidade, especialmente, para governantes de cidades e países. “As estimativas da pegada são conservadoras, já que limitações dos dados impedem ajustes consistentes para dar conta da super-exploração de ecossistemas (...) No entanto, constituem a avaliação mais completa disponível do estado ecológico das nações”.

De acordo com a mais recente estimativa global da PE, hoje a humanidade vive com um déficit ecológico de 50%: é como se estivéssemos usando um planeta Terra e meio para suprir nossas necessidades.

 

Critérios mais rígidospara a ciência

Um princípio fundamental da ciência é a reprodutibilidade: pesquisadores diferentes, usando os mesmos métodos e materiais, devem ser capazes de chegar ao mesmo resultado. É essa reprodutibilidade que permite, entre outras coisas, a conversão de ciência em tecnologia: os mesmos princípios que permitem que uma máquina funcione na França também devem garantir que um mecanismo semelhante funcione da mesma forma no Brasil ou na China.

Recentemente, no entanto, vários estudiosos vêm notando um aumento na quantidade de resultados que entram na literatura científica e que acabam fracassando no teste da reprodução. “A aparente falta de reprodutibilidade ameaça a credibilidade do empreendimento científico”, diz artigo do estatístico Valen E. Johnson, da Universidade Texas A&M, publicado no periódico PNAS. “Infelizmente, a preocupação com a não-reprodutibilidade de estudos científicos tornou-se tão ampla que um website, Retraction Watch, foi criado para monitorar o grande número de artigos retratados, e a metodologia para detectar estudos defeituosos já se tornou quase uma disciplina científica independente”.

Para reduzir o problema, Johnson sugere, com base em argumentos estatísticos e da teoria da probabilidade, que o critério mais comumente usado para determinar se um resultado merece ser considerado significativo é generoso demais. Hoje em dia, muitas disciplinas consideram resultados significativos se a chance de eles terem sido produzidos por mero acaso for de 5% ou menos. Pelos cálculos de Johnson, o ideal seria que o nível de significância fosse reduzido a 0,05% ou 0,01%, o que impediria a publicação de muitos dos resultados falsos – e, por isso mesmo, impossíveis de reproduzir – que aparecem na literatura atual.

 

Eucalipto detecta reservas de ouro

Cientistas australianos descobriram que árvores de eucalipto são capazes de absorver partículas de ouro do subsolo e depositá-las nas próprias folhas, o que abre caminho para o uso dessas plantas na prospecção do metal. O estudo que descreve esse resultado foi publicado, no fim de outubro, no periódico online Nature Communications.

De acordo com nota distribuída pela organização de fomento à pesquisa científica da Austrália, CSIRO, as “pepitas” de ouro acumuladas nas folhas das árvores têm diâmetro menor que um fio de cabelo. Os eucaliptos absorvem o ouro pela raiz, junto com a água que extraem do subsolo, a dezenas de metros de profundidade.

 

Sol e raios cósmicos são inocentes da mudança climática

Apenas 10%, no máximo, do aquecimento global registrado desde a revolução industrial pode ser atribuído à atividade do Sol ou a raios cósmicos, afirma artigo publicado no periódico Environmental Research Letters, de autoria de dois cientistas britânicos, Terry Sloan, da Universidade de Lancaster, e Sir Arnold Wolfendale, da Universidade de Durham. Os pesquisadores testaram algumas hipóteses sobre causas da mudança climática que apontavam para fenômenos diferentes da acumulação de dióxido de carbono na atmosfera, que é considerada o fator mais importante pela maioria dos especialistas.  

Um dos efeitos testados foi a influência dos raios cósmicos, partículas de alta energia que entram na atmosfera vindas do espaço, na formação de nuvens. A hipótese analisada diz que, em períodos de alta atividade solar, os raios cósmicos são bloqueados no espaço, antes de chegar à Terra, e com isso menos nuvens se formam, o que favoreceria o aquecimento.

Para checar a validade da ideia, Sloan e Wolfendale compararam dados sobre a entrada de raios cósmicos na atmosfera com o registro da temperatura global desde 1955. Encontraram uma pequena correlação, num ciclo de 22 anos, mas a mudança no fluxo de raios cósmicos acontecia de um a dois anos depois da mudança de temperatura – o que sugere que as temperaturas estavam reagindo diretamente ao Sol, e não à radiação cósmica. 

Uma revisão de outros estudos mostrou que a influência do Sol no aquecimento global, fosse diretamente ou por meio do bloqueio de raios cósmicos, não poderia superar 10% do aquecimento registrado. Os autores concluíram ainda que tentativas de usar evidências da paleontologia para ligar raios cósmicos ao clima do passado distante são “fracas e confusas”.


É o contexto que faz o sorriso

 

Em apresentação feita na 43ª reunião anual da Sociedade de Neurociência dos Estados Unidos, pesquisadores anunciaram ter descoberto neurônios da amígdala – uma estrutura do interior do cérebro – que distinguem entre a visão de um sorriso e a de um rosto assustado. Para encontrar esses neurônios, os autores inseriram eletrodos na amígdala de sete pacientes epiléticos que se preparavam para passar por cirurgia cerebral, e mostraram-lhes fotos com os dois tipos de expressão, além de algumas imagens propositalmente ambíguas.

Os resultados indicam, no entanto, que a distinção feita pela amígdala depende tanto do que o resto do cérebro está pensando – do contexto mental da imagem – quanto do estímulo visual direto. “As descobertas sugerem que os neurônios da amígdala respondem ao juízo subjetivo da expressão facial, e não às características visuais dos rostos”, diz nota sobre a apresentação, divulgada online pela revista Science.

Essa conclusão, de que a amígdala coopera com outras áreas do cérebro para criar um contexto interpretativo para a imagem, é reforçada pelo dado de que a reação celular persiste por um bom tempo, mesmo depois de as fotos usadas como estímulo terem sido removidas do campo visual.