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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de dezembro de 2013 a 31 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 587Medidas podem reduzir em 20% emissões de gases da pecuária
Estimativa integra estudos de projeto internacional que avalia impactos da atividade no âmbito do efeito estufaCálculos elaborados pelo matemático da Unicamp Rafael de Oliveira Silva indicam que medidas simples e de baixo custo poderiam mitigar em cerca de 20% os gases de efeito estufa (GEEs) anuais emitidos pela pecuária brasileira. As estimativas tomam como referência a região do Cerrado, responsável por 35% da produção de carne bovina no país. O Inventário Nacional de Emissões de GEEs, elaborado pelo governo brasileiro, aponta que a criação de gado bovino para corte gera uma média anual de 15,4% de gases, superando até mesmo os combustíveis fósseis, estes com 15,1%.
Conforme o matemático da Unicamp, surpreendentemente, é o aumento no consumo da carne – e não a redução – um dos principais fatores associados à diminuição das emissões. A revelação integra estudo conduzido por Rafael Silva junto ao Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Faculdade Rural da Escócia, vinculada à Universidade de Edimburgo, e o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica da França (Inra).
A pesquisa insere-se no âmbito do projeto internacional AnimalChange, cuja meta é estimular a pecuária sustentável, reduzindo as emissões de GEEs no setor. O AnimalChange é coordenado pelo Instituto de Pesquisa francês, com a participação de diversos países, entre os quais o Brasil, por meio da Embrapa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Unicamp. O governo brasileiro, lembra Rafael Silva, se comprometeu, durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), a reduzir, voluntariamente, as emissões de GEEs entre 36% e 39% até 2020.
Especialistas do setor vêm apontando a atividade agropecuária como uma das principais responsáveis pelas emissões de poluentes que elevam a temperatura do planeta, sobretudo no Brasil, que possui o maior rebanho comercial do mundo com 212 milhões de cabeças. O processo de digestão do gado bovino libera o gás metano (CH4), cujo potencial para causar o efeito estufa é 25 vezes maior do que o CO2, por exemplo.
Por isso, segundo o pesquisador, a expectativa era de que a diminuição do consumo da carne bovina poderia atenuar o impacto da atividade agropecuária sobre os GEEs. Mas um modelo matemático, elaborado por ele para avaliar as tecnologias para mitigação de gases de efeito estufa, demonstrou o contrário.
“Conforme nossos cálculos, um aumento de 30% na demanda pelo gado de corte reduzirá 4% do total das emissões de GEEs. E uma diminuição no consumo da carne na mesma proporção elevaria em 5% as emissões totais. Nossa avaliação reforça que a recuperação de pastagens é a maior oportunidade do país para retirar o carbono da atmosfera”, aponta o pesquisador.
Rafael Silva esclarece que a redução no consumo da carne desencadearia um processo em série: haveria menos produção de gado de corte, levando os criadores a desintensificarem o sistema de pastagem, que por sua vez, deixaria de sequestrar carbono da atmosfera. No fim das contas, as emissões seriam maiores, fundamenta o matemático.
“Essa variável do aumento no consumo da carne bovina foi uma surpresa, um resultado inesperado e muito bom. A chave para entendê-lo é o potencial da recuperação de pastagem como tecnologia para mitigação dos gases de efeito estufa. A recuperação de pastagem tem um custo negativo para o setor, e o potencial é 17 vezes maior do que o de todas as outras tecnologias avaliadas.”
Ainda de acordo com o pesquisador, esta tecnologia apresenta uma potencialidade para mitigar 23,4 megatoneladas de CO2 por ano. O dado permite projetar que em torno de 20% das emissões anuais de GEEs poderiam ser reduzidas no Cerrado brasileiro, a mais importante região para produção de carne bovina no país.
“Esse abatimento é por conta do sequestro de carbono e também porque a recuperação da pastagem evita o desmatamento. Para atingir uma demanda cada vez mais crescente pelo consumo interno e pelas exportações de carne, há duas opções para os produtores: aumentar a área de pastagem, desmatando, ou intensificar a área existente, produzindo mais por hectare.”
O matemático explica que o custo da tecnologia seria negativo porque a sua implementação se traduzira num caso de ganho versus ganho. A recuperação de pastagens degradadas retiraria, via fotossíntese, o carbono da atmosfera e, ao mesmo tempo, elevaria a lucratividade do setor.
“Segundo nossos resultados, o fluxo de carbono do solo, pelo acúmulo de material orgânico das pastagens, pode contrabalancear as emissões diretas da produção de gado de corte. Além disso, as áreas de pastagens são muito extensas, portanto, há uma quantidade muito significativa de sequestro de carbono”, pontua.
Os resultados apresentados pelo matemático compõem dissertação de mestrado defendida por ele em novembro último junto ao Imecc. Na pesquisa, Rafael Silva desenvolveu um modelo para identificar e analisar as principais tecnologias capazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na pecuária.
O trabalho foi orientado pelo docente do Imecc Antônio Carlos Moretti, que também atua na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA). Houve ainda a colaboração do pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Luís Gustavo Barioni, como coorientador da dissertação. Pelo lado da Faculdade Rural da Escócia, o professor Dominic Moran participou das pesquisas.
Avaliação de tecnologias
A pecuária brasileira, responsável por 35% da produção total de carne bovina no país, está baseada na tríplice do gado nelore, do sistema de pastagem da brachiaria e da região do Cerrado, situa o pesquisador da Unicamp. O estudo, de acordo com ele, levou em conta estes fatores para analisar o custo efetivo das tecnologias existentes para a mitigação dos gases de efeito estufa.
Entre as tecnologias avaliadas, além da recuperação de pastagens, estão o confinamento do animal a partir de determinado peso; as suplementações alimentares; e a aplicação de inibidores de nitrogênio na pastagem, outra fonte de emissão de GEEs. O modelo matemático avaliou o custo em reais por tonelada para a redução de gases e qual o potencial de cada uma das tecnologias.
“O confinamento e as suplementações alimentares também apresentaram bons resultados, mas nada comparado à recuperação de pastagens degradadas. A aplicação de inibidores de nitrogênio possui um custo bastante elevado para o setor e potencial de mitigação muito baixo. O modelo identificou a existência de relações sinérgicas entre as tecnologias, apontando que a melhor alternativa seria associar algumas dessas técnicas, o que aumentaria ainda mais o potencial da recuperação de pastagens”, defende o pesquisador, que dará sequência aos estudos com um doutorado na Universidade de Edimburgo.
A análise foi feita por meio da construção de um modelo de programação linear, que representa um sistema de produção de gado de corte a pasto, com e sem suplementação, e confinamento. Um segundo modelo foi desenvolvido para estimar os estoques de carbono no solo sob pastagens com diferentes níveis de produtividade. Neste modelo é simulado o efeito da degradação, manutenção, recuperação, e dinâmica de mudança de uso da terra nos estoques de carbono.
Publicação
Dissertação: “Eaggle: um modelo de programação linear para otimização de estratégias de mitigação de gases de efeito estufa em sistemas de produção de gado de corte”
Autor: Rafael de Oliveira Silva
Orientador: Antônio Carlos Moretti
Coorientador: Luís Gustavo Barioni
Unidade: Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc)
Financiamento: Embrapa e Faculdade Rural da Escócia