Edição nº 589

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 07 de março de 2014 a 16 de março de 2014 – ANO 2014 – Nº 589

Pesquisadora aprimora sistemas de alimentação de motores a álcool

Engenheira analisa a influência da temperatura do combustível no funcionamento de bicos injetores

Nos veículos movidos a álcool e mesmo nos carros flex, a partida a frio é conseguida com o apoio de um reservatório de gasolina. Desde há muito se sabe que nos motores de combustão interna ciclo Otto, que utilizam velas para gerar faísca e dar ignição, a combustão ocorre muito mais facilmente quanto menores forem as partículas do combustível. Sabe-se também que, se comparadas a uma mesma temperatura, as gotas que constituem o spray da gasolina são menores que as do álcool, o que explica em parte a maior dificuldade do início da combustão deste, principalmente em dias frios. Em temperaturas drasticamente baixas, até a gasolina é afetada, o que reforça a evidência de que a temperatura influi no tamanho das partículas de um combustível. Como a gasolina ou o álcool, e hoje até a mistura deles, são introduzidos no motor com o ar na forma de sprays gerados pelos bicos injetores, é fundamental avaliar os parâmetros envolvidos no processo – como diâmetros representativos das gotas, distribuição dos diâmetros, campo de velocidades e aspectos macroscópicos do spray – com vistas ao melhoramento desse sistema.

Esse conhecimento pode contribuir para a melhoria do desempenho global do motor em relação ao consumo de combustível e para a diminuição das emissões de poluentes, em decorrência da possibilidade de uma queima mais eficiente.

Estas perspectivas e expectativas constituíram o escopo de trabalho desenvolvido pela engenheira mecânica Renata Fajgenbaum, orientado pelo professor Rogerio Gonçalves dos Santos, do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, que a levaram à dissertação de mestrado em que analisa a influência da temperatura do combustível no atomizador de bicos injetores automotivos.

Depois de concluído o doutorado em combustão na Ecole Centrale Paris, França, o docente retornou ao Brasil e trabalhou cerca de um ano e meio na Magneti Mareli Sistemas Automotivos, em Hortolândia. A empresa estava desenvolvendo um sistema para substituir a partida a frio convencional dos carros movidos a etanol como alternativa ao processo atual que usa reservatório de gasolina, consagrado desde o advento dos motores a álcool.

Pouco tempo depois, Renata estagiou na empresa trabalhando com bicos injetores. Ao ingressar na Unicamp, Rogerio se deu conta da possibilidade de conjugar três fatores favoráveis: sua vontade de analisar com mais profundidade e propriedade a interferência da temperatura no processo de partida de motores a explosão; a motivação de Renata em se envolver em pesquisa depois da graduação e aprofundar seu conhecimento em atomização; e o interesse da Magneti Marelli em realizar um estudo científico sobre seu produto.

Eles tiveram a ideia então de projetar e construir uma bancada para o desenvolvimento do trabalho e analisar o comportamento da atomização do combustível em várias temperaturas ao ser injetado. Embora centrado no álcool, o estudo estendeu-se também à gasolina, que serviu como base de referência.

As empresas que pesquisam alternativas para sistemas de partida a frio para os motores movidos a álcool procuram determinar, de forma empírica, a que temperatura uma porção do álcool precisa ser aquecido para dar início ao funcionamento do motor. Esses sistemas, que prescindem do reservatório auxiliar de gasolina, são empregados ultimamente em vários carros vendidos no Brasil. Apesar disso, esclarece o docente, “isso é feito empiricamente. Ao chegar à universidade me propus a entender mais a fundo como isso funciona, qual a função do aquecimento”.

 

Objetivos e premissas

A pesquisadora considera que, com o conhecimento das relações entre os parâmetros de atomização, dos aspectos geométricos do bico injetor e das diferentes condições de ensaio, é possível modificar características físicas do injetor, prever e otimizar o seu funcionamento.

Em vista disso, o seu trabalho teve como objetivos: realizar uma investigação experimental sobre o processo de atomização de líquidos em bicos injetores de motores de combustão interna; caracterizar os principais parâmetros do spray gerado relacionando propriedades do líquido à montante do injetor, condições operacionais e geometria do atomizador empregado no injetor; correlacionar parâmetros e propriedades de forma a oferecer ferramentas de engenharia úteis ao projeto e desenvolvimento de injetores.

Estudos relacionados à área de combustão mostram que quanto menor o diâmetro das gotas do spray gerado pelo injetor, mais fácil a combustão, independentemente do tipo de combustível. Essa foi a premissa de partida que Renata procurou comprovar.  Os testes que visavam à determinação de como ocorre a variação do tamanho das gotas do combustível foram feitos em seis temperaturas situadas entre os 16 e 55 graus Celsius, conseguidas através da troca de calor do combustível com uma mistura refrigerante de água e etileno glicol.

Os experimentos foram realizados para um injetor de injeção eletrônica indireta (injeção no pórtico), predominante desde o advento do automóvel, em que a mistura ar e combustível é realizada previamente antes de entrar na câmara de combustão. Testado para uma variação de temperatura que pode ser considerada pequena, os resultados mostraram que as variações dos tamanhos médios das gotículas foram muito sutis e podem se situar dentro da margem de erro prevista na utilização do instrumento. Mas quando o histograma de distribuição das partículas é avaliado, esses dados mostram que, para um mesmo combustível, à medida que a temperatura aumenta o número de partículas de menor diâmetro em relação às demais aumenta também, embora as médias representativas possam ser consideradas constantes. Assim, a maior facilidade de combustão pode estar relacionada a esse aumento discreto das partículas menores com o crescimento da temperatura.

O estudo permitiu que fosse determinado o campo de velocidades das gotas para cada temperatura e realizada a caracterização do spray para o tipo de injetor utilizado. Em relação ao diâmetro representativo, a gasolina realmente revelou um diâmetro médio menor do que o álcool e essa certamente é uma das razões que a tornam mais adequada a partidas a frio em qualquer temperatura.

 

Conclusões

Com base no estudo, Renata conclui que mesmo uma pequena variação de temperatura influencia o tamanho das gotas do combustível, mesmo que de forma sutil. Ela espera um aumento desse efeito em temperaturas maiores e que dele decorra maior facilidade do início da combustão por aquecimento, embora considere que outros parâmetros precisem ser ainda analisados.

A pesquisadora defende a continuidade dessa linha de pesquisa em temperaturas mais altas, que são as de fato utilizadas nas aplicações que envolvem o aquecimento prévio do combustível que, no caso o álcool, situam-se na faixa dos 120-140 graus Celsius. Neste caso, para manter o combustível líquido, haveria necessidade de uma pressurização no local do aquecimento, o que exigiria a adição de dispositivos novos à bancada. O professor Rogerio explica que procurou partir do modelo mais simples para depois, à vista dos resultados obtidos, estudar situações mais complexas. 

Para ele, “o importante foi vivenciar uma primeira experiência que possibilitasse entender realmente a atomização de álcool. Acumulam-se experiências que permitem conhecer o funcionamento de um motor, mas pouco se sabe sobre o que realmente interfere na queima do álcool, apesar dos 40 anos de conhecimentos sobre esse tipo de motor. Então esta é uma tentativa de entender mais a fundo quais são as características desse spray de álcool. Os resultados obtidos podem vir a ser usados para melhorar o bico injetor e comparar soluções propostas, contribuindo para a evolução desses dispositivos”.

Outra decorrência da pesquisa seria a contribuição para o acúmulo de conhecimento no Brasil sobre a utilização da técnica óptica de medição empregada no experimento, que se configura como uma das mais recentes e modernas atualmente, mas que ainda está engatinhando no país.

O projeto de pesquisa contou com recursos da Bolsa-Auxílio da Capes, recebida pela pesquisadora; do Programa de Auxilio à Pesquisa, do Fapex da Unicamp, concedido para compra de materiais de consumo e permanentes e contratação de serviços; e da empresa Magneti Marelli Sistemas Automotivos, através do fornecimento de matéria-prima, equipamentos know-how e construção da bancada de testes.

 

Aparato experimental

Como se pode observar na figura, o aparato experimental completo consta fundamentalmente de duas partes distintas: a bancada e o equipamento chamado Shadowgraphy. Constitui a bancada o tanque de armazenamento do combustível, dentro do qual uma serpentina está inserida e conectada, através de uma mangueira, a um trocador de calor. Do tanque o combustível é bombeado até a galeria de combustível localizada na parte superior da câmara transparente da bancada, onde a pressão é regulada e a temperatura medida. O combustível vai então para o bico injetor - disposto na parte superior da câmara transparente - que o injeta e o atomiza formando um spray cônico dentro dela.

A essa bancada é acoplado o equipamento de Shadowgraphy, que permite a medição de alguns parâmetros do spray – diâmetros médios das gotas, campo de velocidade e distribuição das partículas. Para essas determinações, o equipamento dispõe, por sua vez, de uma câmara fotográfica, uma fonte de iluminação (laser e difusor - que modifica a luz que chega ao spray para luz difusa) e de um software de processamento das imagens. O Shadowgraphy utilizado foi disponibilizado pela Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.

 

Publicação

Dissertação: “Influência da temperatura do combustível nos parâmetros de atomização de um atomizador utilizado em bicos injetores automotivos”
Autora: Renata Fajgenbaum
Orientador: Rogerio Gonçalves dos Santos
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)