Edição nº 593

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 07 de abril de 2014 a 13 de abril de 2014 – ANO 2014 – Nº 593

Grupo do IC cria sistema para reconhecimento facial

Metodologia, desenvolvida em colaboração com Universidade de Harvard, está entre as mais precisas do mundo

Quanto maior a convivência e a familiaridade com determinados indivíduos, mais o cérebro humano ‘aprende’ a reconhecer suas faces. Tende ser assim para pessoas famosas, de uma mesma família, no trabalho, etc. A partir deste princípio, um grupo de pesquisadores do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, em colaboração com estudiosos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, formulou um sistema computacional para o reconhecimento de faces. A metodologia está entre as mais precisas do mundo, de acordo com os cientistas envolvidos.

O sistema poderia ser empregado em diversas situações, como nas áreas de segurança, entretenimento e utilidades. Graças à capacidade de mapear características peculiares da face de cada pessoa, seria possível reconhecer com mais precisão suspeitos em aeroportos; identificar vândalos em estádios de futebol; substituir, facilmente, senhas ou impressões digitais em transações financeiras; ou mesmo conceber interfaces mais naturais e intuitivas para games, eletrônicos e eletrodomésticos. Outra possível aplicação seria o de redes sociais. Neste ambiente, em que uma imagem postada com várias pessoas, o sistema poderia, por exemplo, reconhecer aquelas pertencentes ao círculo de amizades do perfil.

“A metodologia proposta consegue trabalhar muito bem em cenários nos quais outras técnicas, às vezes, não funcionariam satisfatoriamente. O sistema é capaz de reconhecer faces em ambientes não controlados, independentemente de algumas condições de iluminação, distância, expressões e poses dos indivíduos”, sustenta o pesquisador Giovani Chiachia, que formulou o método durante seu estudo de doutorado, defendido junto ao Programa de Pós-Graduação do IC. Para chegar ao sistema final, ele desenvolveu três novos algoritmos.

Segundo o pesquisador da Unicamp, o sistema é capaz de trabalhar em cenários não controlados porque emprega técnicas de visão computacional e aprendizado de máquina no estado da arte. “São poucos, mas já existem similares como este no mundo. No Brasil, até onde eu saiba, é uma novidade”, garante o estudioso, que é graduado em sistemas de informação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A pesquisa, com período sanduíche na Universidade de Harvard, contou com as participações dos docentes do IC, Alexandre Xavier Falcão, como orientador; e Anderson de Rezende Rocha, como coorientador. Nos Estados Unidos, Giovani Chiachia foi supervisionado por David Cox, docente de Biologia Molecular e Celular do Centro de Ciência do Cérebro, de Harvard. Da mesma instituição, também colaborou o pesquisador Nicolas Pinto.

O profissional em sistemas de informação situa que tecnologias para reconhecimento facial automático são investigadas há mais de 30 anos. Apesar de ser um dos problemas mais explorados em visão computacional, identificar pessoas a partir de suas faces, de forma natural e em cenários não controlados, ainda continua sendo um grande desafio.

Por isso, admite Giovani Chiachia, os sistemas mais usados atualmente são aqueles que requerem cenários controlados, em que só é possível reconhecer indivíduos mediante condições específicas de luz, distância, expressão e pose da face. Bastante utilizados no país para emissão de passaportes ou controle de acesso em empresas, estas técnicas pressupõem a colaboração por parte do indivíduo que está sendo reconhecido.

“A motivação para construção deste sistema foi utilizar o conceito de familiaridade que o cérebro humano emprega para o reconhecimento de faces. Pela modelagem que fizemos, inspirados neste conceito, e pelas técnicas computacionais que empregamos, o método dá conta de atuar em cenários não colaborativos, em que as pessoas são reconhecidas de forma natural, sem serem importunadas”, garante, acrescentando:

“A noção de familiaridade no reconhecimento de faces humanas pode ser traduzida da seguinte maneira: se a pessoa tem, por exemplo, um nariz um pouco diferente ou um formato de rosto peculiar - alguma característica que a distinga das demais -, o sistema vai tentar enfatizar isso através da análise de um conjunto de imagens dessa pessoa. Ele faz um mapeamento e detém estas características muito próprias do indivíduo.”

Prêmio internacional

O pesquisador do IC informa que, durante o desenvolvimento do sistema, uma das versões concebidas rendeu ao grupo da Unicamp a primeira colocação em uma competição internacional ocorrida em junho do ano passado na cidade espanhola de Madri. A disputa foi realizada como parte da 6ª Conferência Internacional em Biometria, evento organizado pelo Conselho de Biometria do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e pelo Comitê Técnico de Biometria da Associação Internacional de Reconhecimento de Padrões (IAPR).

“O prêmio corrobora a precisão do sistema. Durante a competição, os organizadores forneciam um conjunto de imagens de pessoas e diziam: ‘queremos que vocês criem um sistema que aprenda a reconhecer estes indivíduos. Só que depois de desenvolvido o sistema, ele foi testado em outras imagens as quais não tivemos acesso. Participaram da competição vários grupos internacionais”, comemora.

 

Familiaridade

Os docentes Alexandre Falcão e Anderson Rocha salientam que uma característica importante do sistema, que aumenta sua robustez e precisão, é o conceito de “familiaridade” com a face. “Isso é algo sabidamente empregado por seres humanos para reconhecer seus pares com facilidade e exatidão. Não existem muitos grupos no mundo que estão trabalhando com esta questão e que têm resultados expressivos como os que o Giovani demonstrou”, sustenta Alexandre Falcão.

Anderson Rocha acrescenta que o sistema proposto baseia-se também em técnicas de redes neurais artificias, investigadas por Giovani Chiachia em Harvard. As redes neurais artificiais buscam aproximar o funcionamento dos sistemas computacionais ao do cérebro humano, com o objetivo de reproduzir as habilidades humanas.  “O Giovani propôs um método em que ele treinou neurônios artificiais num nível mais profundo da hierarquia, que é uma rede neural artificial, para que eles sejam capazes de responder a estímulos advindos da face de pessoas específicas”, explica o docente.

 

Aprendizado em profundidade

Embora as redes neurais artificiais sejam investigadas há muito tempo, um conceito emergente nessa área de pesquisa é o de “Aprendizado em profundidade” ou Deep Learning, na tradução para o inglês. Empregado no método, o “Aprendizado em profundidade” está relacionado, conforme Giovani Chiachia, a um conjunto de métodos capazes de ‘aprender’ de forma hierárquica os diversos passos necessários para extração de conceitos a partir de dados complexos. Estes dados podem ser imagens de face com as quais o sistema concebido é capaz de lidar, por exemplo. 

“Ao contrário do que se poderia imaginar, tais métodos são compostos por operações simples e biologicamente plausíveis que são criteriosamente empregadas na elaboração de grandes redes neurais artificiais. Estas redes neurais têm a característica de operar diretamente sobre os dados brutos, como os pixels de uma imagem, por exemplo e, a partir deles, ser capaz de produzir conceitos com alto grau de complexidade nas camadas mais ‘profundas’”, esclarece. 

Chiachia afirma que a combinação bem feita de tais operações pode ser um passo rumo ao algoritmo fundamental empregado pelo córtex cerebral no processamento de dados sensoriais. “Isto, de fato, tem despertado o interesse da comunidade científica e de grandes companhias, sobretudo pelo fato de que resultados muitos expressivos foram alcançados, recentemente, em problemas difíceis de diferentes domínios. Dentre esses domínios está o de visão computacional, na qual se encaixa o assunto tratado na minha tese”, relaciona.

 

Publicações

Giovani Chiachia, Alexandre X. Falcão, and Anderson Rocha. Person-specific Face Representation for Recognition. In IEEE/IAPR Intl. Joint Conference on Biometrics, Washington DC, 2011.

Giovani Chiachia, Nicolas Pinto, William R. Schwartz, Anderson Rocha, Alexandre X. Falcão, and David Cox. Person-Specific Subspace Analysis for Unconstrained Familiar Face Identification. In British Machine Vision Conference, Surrey, 2012.

Manuel Gunther, Artur Costa-Pazo, Changxing Ding, Elhocine Boutellaa, and Giovani Chiachia et al. The 2013 Face Recognition Evaluation in Mobile Environment. In IEEE/IAPR Intl. Conference on Biometrics, Madrid, 2013.

Giovani Chiachia, Alexandre X. Falcão, Nicolas Pinto, Anderson Rocha, and David Cox. Learning Person-Specific Face Representations. IEEE Trans. on Information Forensics and Security, (submitted), 2014.

 

Tese: “Aprendendo representações específicas para a face de cada pessoa”
Autor: Giovani Chiachia
Orientador: Alexandre Xavier Falcão
Coorientador: Anderson de Rezende Rocha
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Fapesp