Edição nº 593

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 07 de abril de 2014 a 13 de abril de 2014 – ANO 2014 – Nº 593

Técnica prevê produção de soja com até um mês de antecedência

Desenvolvido na Feagri, modelo usa dados de satélite disponíveis gratuitamente

A soja é a cultura agrícola que mais cresceu no Brasil nos últimos 30 anos, e hoje responde, sozinha, por 49% de toda a área plantada em grãos no país, de acordo com dados do Ministério da Agricultura (Mapa). Além disso, a exportação do chamado complexo soja – grão, óleo, farelo – é a principal fonte de dólares do país, com negócios de mais de US$ 20 bilhões ao ano. O Mapa estima que, em 2019, a produção brasileira representará 73% do comércio mundial de óleo de soja.

Numa cultura tão relevante para a economia nacional e mundial, a capacidade de prever a produção de uma safra representa uma informação importante para os agentes que atuam no mercado do produto, sempre aberto à especulação. Em sua tese de doutorado, a pesquisadora Gleyce Figueiredo, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, apresenta um modelo que permite estimar a produção futura de soja com um mês de antecedência, usando dados de satélite disponíveis gratuitamente.

“Já existem modelos de previsão que pegam dados do solo, informações do clima, informações sobre a variedade que está sendo plantada, para fazer a previsão”, disse Gleyce ao Jornal da Unicamp. “Mas usar esse tipo de modelo para fazer uma estimativa para todo o Brasil é muito complicado. O solo muda de um lugar para o outro, por exemplo, e nossa rede de estações meteorológicas não é muito densa”. 

Para contornar o problema, a pesquisadora e seu orientador, o professor Jansle Vieira Rocha, decidiram criar um modelo que usasse apenas informações espectrais – da fração infravermelha da luz solar refletida para o espaço pela vegetação – captadas em órbita por instrumentos a bordo de satélites. 

“A vegetação reflete mais luz nas faixas do infravermelho próximo. Nos canais de luz visível, do azul, verde e, principalmente do vermelho ela absorve bastante luz, então é mais difícil trabalhar”, explicou a pesquisadora. “Quando se destaca essa diferença entre a absorção no vermelho e a maior reflexão no infravermelho, por meio dos chamados ‘índices de vegetação’, se torna mais fácil essa separação e se consegue enxergar melhor o comportamento da vegetação”.

Na elaboração do modelo, foram usados dados do instrumento MODIS – sigla em inglês para Espectro-Radiômetro de Resolução Moderada – lançado a bordo do satélite Terra, da Nasa, em 1999. Em 2002, outro satélite equipado com um MODIS, chamado Aqua, também lançado pela agência espacial americana, entrou em órbita. Ambos os MODIS produzem continuamente imagens de toda a superfície terrestre, em 36 faixas do espectro eletromagnético. 

O Índice de Vegetação Realçado (EVI, na sigla em inglês) foi desenvolvido pela equipe MODIS para reduzir os efeitos de atmosfera e de fundo de dossel que contaminavam outro índice de vegetação comumente utilizado para estudar vegetação, o Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI, na sigla em inglês). Além da utilização das bandas do vermelho e infravermelho próximo foi adicionada a faixa do azul para fazer essa correção. O mapa da vegetação gerado a partir do índice é elaborado a cada 16 dias. 

“Primeiro, fazemos a análise estatística utilizando todos os pixels da imagem da área em estudo”, explicou a pesquisadora.  “Fiz a análise estatística pixel a pixel, para verificar se, para cada um deles, era possível correlacionar com a produtividade. Tentei filtrar o máximo possível, para manter aqueles pixels que realmente seriam bons para fazer a estimativa”. Os pixels são os pequenos quadrados que formam a imagem digital. No caso das fotos do MODIS, cada um deles corresponde a uma área de 6,25 hectares. 

Devido ao uso de imagens a cada 16 dias, o trabalho envolveu a análise do perfil espectral da soja – o modo como índice de vegetação varia ao longo da vida da planta –, a partir de imagens de um mesmo local, feitas em diferentes momentos. “São imagens que vêm desde o começo e vão até o final da safra. É como se conseguíssemos enxergar realmente a vida da planta, no computador. Desde o crescimento, atingindo o máximo vigor vegetativo, entrando em senescência e finalmente chegando a colheita, justamente por essa variação de perfil espectral”.

 “Trabalhei com dados de 2000 a 2011, então apliquei a técnica para esses 11 anos”. Em seu trabalho, a pesquisadora usou os dados do EVI para “prever” produtividade da safra de soja de partes do Estado do Paraná, e comparou o resultado das previsões geradas pelo modelo com os valores oficiais registrados para esses anos. “Fiz testes estimando as safras que a gente já tem, mas a intenção é aplicar para as safras futuras”, disse ela. 

 “A importância de o modelo ser espectral é que a gente não coloca informação externa, a não ser o EVI e a produtividade histórica. Outros fatores como clima, solo, variedade agrícola e etc. não entram no modelo. Eu tenho um solo aqui no Estado de São Paulo, que é diferente do solo do Estado do Paraná. Mesmo dentro do próprio Estado há diferenças. Então haveria, aí, uma limitação no modelo. A gente já está pensando em acrescentar dados meteorológicos no modelo, mas vindos também de satélite”, explicou a pesquisadora.

Usando os 11 anos de dados históricos de produtividade e os 11 anos de dados de EVI, Gleyce gerou mapas de correlação. “Fazendo os mapas de correlação, verifiquei qual é o período em que essas duas informações, o EVI e a produtividade, são mais correlacionáveis. E esse período é justamente a época em que a planta está em maior vigor vegetativo: quando ela está no pico do seu ciclo”, disse.

 

Variações

O momento da melhor previsão variou de município para município, contou a pesquisadora, mas o melhor resultado veio com um mês de antecedência em relação à safra. “Então eu tenho um mês, pelo menos, para preparar o mercado, diminuindo a especulação sobre o preço da soja e a gerando informação para planejamento de logística”, disse ela, acrescentando que essa é uma antecedência “bem significativa para o mercado”.

“Outro foco da minha tese foi fazer também essa estimativa por mês”, acrescentou Gleyce. “Geralmente, o que se encontra é a estimativa final. Então, achamos interessante estudar o desenvolvimento da estimativa, o quanto isso vai mudando ao longo da safra, até chegar no valor bem próximo do dado oficial, e aí depois esse valor começa a se afastar”. 

“Fazendo isso mensalmente, a gente consegue verificar que no início do desenvolvimento da planta a produtividade é bem baixa. Quando a planta alcança os meses de pico vegetativo é onde encontramos os meses com maior produtividade”.

“A ideia é reduzir a especulação e principalmente dar suporte a órgãos oficiais”, contou ela. “Uma vez que estes se baseiam em pesquisas de campo para estimar a produtividade, o que traz subjetividade e influencia na agilidade do sistema brasileiro de previsão de safras e monitoramento agrícola”.

Gleyce acrescenta que seu modelo pode ser implementado por qualquer pessoa: “Esse é um dos nossos principais focos: a gente prefere trabalhar com imagem gratuita. Os dados do MODIS podem ser adquiridos gratuitamente na base de dados da Nasa, e a produtividade histórica é encontrada no órgão responsável de cada país”.

A pesquisadora pretende prosseguir refinando o modelo, acrescentando cada vez mais dados na alimentação do sistema. “Informação de temperatura de superfície, meteorológica, do ciclo do carbono, que tem ligação com a produtividade também. Mas mantendo o foco no espectral, usando só informação de satélite”, disse ela. “Isto aqui foi só o começo. Acho que a gente pode caminhar para conseguir algo muito melhor”. 

Uma próxima etapa envolve a aplicação do modelo na previsão real de safras futuras. “Vamos colocar nas safras adiante”, disse a autora.

 

Publicação

Tese:Soybean Yield Estimates Based On Temporally Stable Pixels Using EVI MODIS DATA
Autora: Autora: Gleyce Figueiredo
Orientador: Jansle Vieira Rocha
Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)