Edição nº 593

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 07 de abril de 2014 a 13 de abril de 2014 – ANO 2014 – Nº 593

O tesouro didático de Inés Joekes

Falecida em 2013, professora do IQ deixa coleção de conchas marinhas que será usada em sala de aula por docente do IB

A professora Inés Joekes, falecida em outubro de 2013, era conhecida, entre outros aspectos, pelo seu inabalável compromisso com o ensino e a pesquisa. Vinculada ao Departamento de Físico-Química do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, ela deixou um importante legado com suas investigações, principalmente em temas como cabelo, crisotila, heterocoagulação, química do cimento, catalisadores suportados e biocatalisadores suportados. Entretanto, a docente tinha outros interesses fora do campo da química, alguns deles desconhecidos até por quem convivia com ela. A cientista tinha o hábito, por exemplo, de colecionar conchas marinhas. O acervo reunido por ela ao longo de diversos anos é tão representativo em termos de quantidade e qualidade, que está sendo entregue pela família de Inés Joekes aos cuidados do professor Flávio Dias Passos, do Departamento de Biologia Animal do Instituto de Biologia (IB), que utilizará parte dele em suas aulas na graduação.

Passos tomou conhecimento da coleção de conchas por meio de um amigo em comum com Inés Joekes. No começo, admite o malacólogo (especialista em moluscos), ele imaginou que fosse mais um ajuntamento de peças sem grande valor, como muitos que já lhe foram apresentados. “De toda forma, resolvi olhar o acervo em respeito à história da professora Inés. E o que vi me impressionou bastante. Além de ser uma coleção grande, ela é composta por algumas peças muito interessantes e bonitas. Outro aspecto que me chamou a atenção foi a forma como a professora Inés cuidava das peças. Ela mandou construir um armário com gavetas em seu apartamento no Cambuí para poder acomodar melhor as conchas. Nem aqui na Unicamp tenho uma estrutura igual”, revela.

Mesmo sendo leiga em biologia animal, continua o professor Passos, Inés Joekes fez um excelente trabalho de organização dos exemplares. Eles foram separados por espécies e etiquetados, com os respectivos nomes científicos. “Ela certamente recorria a catálogos para poder identificar cada espécie”, infere. A dedicação da ex-professora do IQ à coleção, entende o malacólogo, é reveladora da personalidade dela. “Nas conversas que tive com pessoas que conheciam a professora Inés, todos me disseram que ela era uma docente à moda antiga, na melhor concepção do termo. Ela tinha uma visão multidisciplinar da ciência. Justamente por isso, costumava estimulava seus alunos a se dedicarem a outras áreas além da química, como biologia, filosofia e artes”.

Um dos sonhos de Inés Joekes, conforme Passos, era um dia poder expor a sua coleção de conchas. “Felizmente, eu terei como concretizar o sonho dela. Minha ideia é inicialmente separar e selecionar as peças, o que representará um trabalho hercúleo. Depois, vou utilizar parte da coleção como material didático em minhas aulas na graduação, o que certamente a professora Inés aprovaria, visto que ela adorava ensinar. Esse tipo de recurso é muito importante, porque as aulas teóricas costumam ser um pouco maçantes para os alunos. Entretanto, quando têm a oportunidade de manipular uma concha, eles fixam com maior clareza tudo o que foi dito anteriormente, como as características de cada espécie de molusco”, explica.

As peças que não forem usadas como material didático terão outros dois destinos, segundo Passos. Algumas deverão compor a mostra do Museu de Zoologia do IB, enquanto outras serão oferecidas a malacólogos de outras instituições de ensino do país. “Como muitas delas são repetidas, é justo que possamos compartilhá-las com quem ainda não as têm”, justifica o docente do IB. De acordo com ele, a coleção reunida por Inés Joekes é composta, em sua maioria, por espécies brasileiras, coletadas em diversos pontos do país. “Há também exemplares de outros países, mas eles são em minoria. Ao todo, imagino que ela tenha colecionado um bom número de espécies nacionais”.

Um aspecto importante relacionado à coleção da professora Inés Joekes, observa Passos, é que ela não comprava conchas para não estimular esse tipo de comércio. O malacólogo ressalta que a compra ou mesmo a coleta aleatória e indiscriminada de conchas não deve ser estimulada, porque essa atitude contribui para a degradação da natureza. Quando um molusco morre, prossegue o especialista, a sua concha continua fazendo parte do ambiente. Conforme se decompõe ao longo do tempo, o carbonato de cálcio passa a ser disponibilizado e utilizado por outros animais, podendo, por exemplo, se constituir em novas conchas. Passos costuma juntar as conchas que não utiliza ou que estão danificadas para devolvê-las ao mar na primeira oportunidade. “Faço isso mesmo com um pequeno número de exemplares”, garante.

 

Moluscos brasileiros
De acordo com o professor Passos, o Brasil conta com cerca de 2 mil espécies de moluscos, o que faz da coleção nacional uma das mais ricas do mundo. O estudo desses animais é importante por variados motivos, como esclarece do docente do IB. “Esses animais fazem parte de uma cadeia alimentar relevante. Eles são predadores ou presas de outras espécies. Contribuem, portanto, para a manutenção do equilíbrio do bioma em que vivem. Além disso, alguns deles funcionam como eficientes indicadores ambientais. Ou seja, a presença ou a ausência deles indica que o ambiente está ou não bem conservado. Por último, também têm uma elevada importância comercial. Como sabemos, moluscos comestíveis como ostras, mexilhões, escargots e vieiras encontram alto valor no mercado”, detalha.

Justamente por causa dessa imensa variedade, entende o professor Passos, é que a malacologia constitui um amplo campo para o desenvolvimento de pesquisas. “Vale lembrar que, ao falarmos de moluscos, não estamos nos referindo somente ao ambiente marinho. Esses animais ocorrem também em rios e no ambiente terrestre. No Brasil, ainda há muitas espécies desconhecidas. À medida que compreendermos mais sobre a biologia desses animais, mais entendemos a respeito do nosso ambiente”, pormenoriza o malacólogo.

Inés Joekes
Inés Joekes era natural de Buenos Aires, Argentina.  Era bacharel em Físico-Química pela Universidad Nacional de Córdoba (1976), tinha mestrado em Química (Físico-Química) pela Universidade de São Paulo (1980) e doutorado em Química pela Unicamp (1983). Desenvolvia suas atividades de ensino e pesquisa no Departamento de Físico-Química do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Por dois mandatos, foi diretora do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Universidade. Também foi chefe do seu Departamento e representante docente no Conselho Universitário (Consu) em várias ocasiões. Atuava como professora titular MS-6. Quando da sua morte, estava orientando três alunos de mestrado, quatro de doutorado e dois de iniciação científica.