Edição nº 595

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de abril de 2014 a 11 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 595

Em ritmo de aventura

Estudo mostra que, cada vez mais, pessoas com deficiência fazem atividades na natureza


Mergulhar no oceano para ter um reencontro consigo mesmo já é algo possível para as pessoas com deficiência. Já? Na verdade, só agora as atividades de aventura começam a ser mais praticadas no Brasil e passam a fazer adeptos em pouco mais de dez anos após as primeiras iniciativas rumo a uma maior acessibilidade.

As pessoas que experimentam essas atividades relatam o prazer de sentir ou voltar a sentir o seu corpo em contato com o vento, com a natureza, com a água, com a areia. Relatam o prazer de voltar a se sentir vivas, pertencentes, em condições de igualdade, ao realizar uma atividade que até pouco tempo seria impensável.

Estudo de doutorado da Faculdade de Educação Física (FEF) mostrou que essas atividades estão se organizando e que o nível de satisfação e de prazer das pessoas com deficiência que adotam essa prática é muito alto. Mas, apesar do risco, ele é mínimo graças à adaptação e à moderna tecnologia, conclui José Roberto Herrera Cantorani, autor do trabalho. “A acessibilidade é tudo para as pessoas com deficiência.”

Segundo o pesquisador, as atividades de aventura figuram como atividades miméticas de lazer e se caracterizam pela experiência do risco. A busca por essas atividades é desencadeada pela civilização, modernização e urbanização. “Fatores como a rotina, o estresse e a falta de oportunidades para satisfações físicas e emocionais contribuem para isso”, destaca.

Desta forma, as Atividades Físicas de Aventura na Natureza (Afans), que surgiram mundialmente em 1970 e que se consolidaram na década de 1990, estão cada vez mais presentes no lazer.

As atividades físicas de aventura, sobretudo na natureza, operadas para proporcionar a sensação de risco, mas cercada de controle para que seja conduzida de forma segura, viabilizam a quebra da rotina e propiciam uma tensão prazerosa que atenua as situações sérias da vida cotidiana, comenta o doutorando.

No caso das pessoas com deficiência, essas atividades são ainda mais amplas para a sua satisfação física e emocional, porque, além das necessidades comuns, elas experimentam outras necessidades, como o acesso irrestrito, por exemplo.

Cantorani recorda que a exaltação pelo “acesso” às atividades de lazer, e ao lazer de forma geral, é um fato comum entre esses praticantes. “Atividades como essas, complexas em sua natureza e em sua adaptação, representam um grande ganho na luta pela conquista da acessibilidade”, frisa.


Projeto

A sua pesquisa pretendia compreender o significado da acessibilidade às atividades de aventura na natureza para a vida das pessoas com deficiência e a qualidade de vida. O autor procurou identificar o significado da própria acessibilidade para a vida dessas pessoas, assim como o significado do acesso ao lazer de modo geral. 

O pesquisador conta que ingressou no doutorado da FEF na área de Lazer e Sociedade. Mudou. Foi para a área de Atividade Física Adaptada, orientado pelo docente Gustavo Luis Gutierrez. Além disso, conta que sempre foi curioso em querer saber mais sobre o trabalho feito com pessoas com deficiência.

Na sua banca de mestrado, em Ciências Sociais Aplicadas, o tema foi a expansão das atividades físicas de aventura na natureza. No doutorado, seu orientador sugeriu que retomasse esse estudo, mas que o direcionasse às pessoas com deficiência.

Ele ainda sugeriu que falasse com o professor José Júlio Gavião, também da área de Atividade Física Adaptada. Gavião lhe convidou a conhecer as atividades de aventura que estavam sendo adaptadas em Socorro, São Paulo.

Cantorani foi conhecer essas adaptações e as atividades oferecidas. Esteve nos hotéis fazendas Parque dos Sonhos e Campo dos Sonhos, ambos do mesmo dono, que oferecem essas atividades. Voltou animado com a viabilidade do estudo e estruturou o projeto.

O trabalho de campo abrangeu o período de maio de 2012 a agosto de 2013 e teve como público-alvo pessoas com deficiência que buscavam atividades de aventura de forma livre.

O doutorando fez entrevistas com gestores do projeto "Aventureiros Especiais" (desenvolvido em Socorro para adaptações), com pessoas com deficiência que participaram como voluntárias nesse projeto e com pessoas com deficiência que buscavam atividades turísticas de lazer. Todos os entrevistados estavam na faixa etária entre 20 e 40 anos.

Progressos
De acordo com o doutorando, a atividade para esse público é recente e infelizmente ainda com poucas oportunidades. “Escolhi Socorro como cenário pelo fato de ter inúmeras atividades de aventura adaptadas, como o rafting, tirolesa, trekking, arvorismo, rapel, boiacross, cavalgada, passeios de charrete, de trator”, descreve.

Deparou-se com as novidades. Para o rapel e para a tirolesa, notou, foram adaptadas cadeirinhas usadas no parapente, que permitem a um tetraplégico ficar em posição sentada e a coluna ereta e fixa. No rafting, foi criada uma cadeirinha com o mesmo objetivo. Se o bote virar, ele tem como sair. Também possui à sua disposição um colete que foi melhor estruturado para deixá-lo em flutuação de costas.

“Vejo que algumas coisas, tão importantes e muito claras para as pessoas com deficiência, estão distantes e pouco são compreendidas por grande parte da população. Não são claras para quem está distante do problema”, expõe. “Pois avaliar a qualidade de vida das pessoas com deficiência envolve considerar aspectos específicos da sua realidade. A acessibilidade é o aspecto central da vida delas.”

A deficiência, discorre ele, não se estabelece pela simples presença da limitação física, mas é efetivada a partir da incapacidade da sociedade de se adequar às diferenças. “Acaba resultando na exclusão de muitas pessoas da vida social cotidiana, sendo que a acessibilidade e a autonomia são determinantes para o gozo de oportunidades profissionais, educacionais, culturais e de lazer.”

Os pressupostos e indicadores para a qualidade de vida mostram que usufruir, ou não, desse conjunto de atividades da vida social, constitui-se um fator que influencia a percepção das pessoas a respeito de sua vida.

Para as pessoas com deficiência, o acesso a tais atividades tem um significado ainda maior para a construção da sua qualidade de vida, posto que envolve sensações de igualdade, dignidade e direito à vida.

Em relação ao lazer, os estudos também apontam uma estreita ligação entre o lazer e a qualidade de vida das pessoas. E essa ligação também se prova mais evidente ainda quando se trata da qualidade de vida das pessoas com deficiência.

Quanto às atividades físicas de aventura na natureza, a pesquisa sinalizou que esta categoria particular de lazer oferece uma multiplicidade de fatores de satisfação e de bem-estar para as pessoas com deficiência, também melhorando a sua qualidade de vida.

Cantorani lamenta que faltem políticas públicas para o lazer de pessoas com deficiência. O que vem ocorrendo hoje é a adequação dos estabelecimentos culturais e de lazer às leis que fazem referência aos direitos das pessoas com deficiência. Isso de modo geral. Mas há bons exemplos, como o da cidade de Socorro, que têm investido na acessibilidade, principalmente no turismo mais acessível.

As ações neste município são de ordem pública e privada. Há projetos que foram desenvolvidos especificamente para a adaptação de atividades e equipamentos destinados a pessoas com deficiência e para aprender como receber essas pessoas. E há outros projetos em curso.

Todos os projetos de Socorro têm sido feitos em parceria com o Ministério do Turismo. Outra ação interessante é que foi feito também um trabalho de adaptação para a acessibilidade no Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha, Vila dos Remédios. A Baía do Sueste, localizada nesse Parque, é a primeira praia da ilha a oferecer acessibilidade total para pessoas com deficiência física e para pessoas com mobilidade reduzida. 

Na pesquisa, alguns entrevistados relataram que também praticavam o mergulho autônomo recreativo adaptado, para lazer e aventura. Trata-se de uma oportunidade para o mergulhador – com deficiências física, visual ou audiovisual – explorar, conhecer, apreciar e se encantar com a beleza e riqueza da vida marinha.

Cantorani constata que as pessoas com deficiência têm necessidade de sentir; de sentir o seu corpo em ação, em contato com o mundo, com a natureza; têm necessidade de vivenciar o que todos podem vivenciar; têm necessidade de viver, de se sentirem vivas.

“O acesso a essas atividades proporciona essa sensação”, repara o pesquisador, que atualmente é coordenador do curso de Educação Física das Faculdades Integradas de Itararé, São Paulo, mas que já foi instrutor de rapel e de rafting, e pratica o montain bike até hoje.

Publicação
Tese: “Lazer nas atividades de aventura na natureza e qualidade de vida para pessoas com deficiência: um estudo a partir do caso da cidade de Socorro-SP”
Autor: José Roberto Herrera Cantorani
Orientador: Gustavo Luis Gutierrez
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)