Edição nº 597

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de maio de 2014 a 25 de maio de 2014 – ANO 2014 – Nº 597

Mínimo tem baixo impacto entre
trabalhadores rurais sem carteira

Descolamento do rendimento de informais está relacionado com a falta de fiscalização, aponta pesquisador

Os aumentos reais do salário mínimo obtidos ao longo dos últimos 18 anos vêm ajudando a reduzir a desigualdade no Brasil, em geral, mas com uma importante exceção: no meio rural, a parcela mais pobre dos trabalhadores informais – sem carteira assinada – vem sendo deixada para trás e o fosso entre esses agricultores e os demais está se ampliando, mostra a tese de doutorado “Análise do impacto do salário mínimo sobre a distribuição de renda na agricultura brasileira: recortes segundo a posição na ocupação”, defendida por Régis Borges de Oliveira no Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

Em sua tese, o pesquisador faz uma revisão do debate econômico sobre o salário mínimo – se ele favorece o trabalhador ou, ao criar um piso para o custo do trabalho, aumenta o desemprego e o trabalho informal – e nota que, nos países menos desenvolvidos, existe a expectativa de que o mínimo “exerça o papel de indexador para os rendimentos mais baixos”, puxando para cima mesmo os salários abaixo do valor mínimo legal. O trabalho de Oliveira mostra que esse “efeito farol”, como também é chamado, do salário mínimo é mais fraco quando se observa a renda da parcela mais pobre dos trabalhadores rurais sem carteira assinada. 

Oliveira faz uma revisão de diversos estudos anteriores dos efeitos do salário mínimo sobre o mercado de trabalho e a desigualdade econômica, no Brasil e no mundo, e destaca que, no caso específico brasileiro, “nos anos recentes, a queda sistemática da desigualdade despertou o interesse dos pesquisadores sobre os seus determinantes, e o salário mínimo aparece novamente como uma das variáveis-chave na explicação do comportamento da desigualdade”. 

Ao longo dos anos, os estudos sobre a economia brasileira analisados pelo pesquisador apontam que a desigualdade na distribuição de rendimentos tende a cair à medida que o salário mínimo aumenta, sem que haja elevação significativa do desemprego.

 

Estatísticas

Mas a queda da desigualdade, no cenário nacional amplo, mascara outros efeitos, mais específicos do setor agrícola, argumenta a tese. Usando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, o autor nota que o índice Gini, que mede a desigualdade, caiu, para os trabalhadores assalariados urbanos brasileiros, 21,2% entre 1995 e 2012, enquanto que o dos empregados rurais reduziu-se em apenas 4,1% entre o início e o fim do período, sendo que “o comportamento das medidas de desigualdade ao longo da série analisada é mais irregular” no setor agrícola.

Comparando a evolução da renda entre os empregados mais ricos e os mais pobres dos setores agrícola e não-agrícola, Oliveira constata que “a proporção da renda apropriada pelos 50% mais pobres cresce no caso dos empregados não agrícolas, e permanece quase estável para os empregados agrícolas”.

A tese divide os trabalhadores rurais brasileiros em quatro categorias – permanentes com carteira de trabalho assinada; permanentes sem carteira; temporários com carteira; temporários sem carteira – e se vale de duas técnicas estatísticas mais sofisticadas, as regressões quantílicas e as curvas de densidade de Kernel, para descobrir como a evolução do salário mínimo afetou cada grupo. 

“No caso das regressões quantílicas é possível mensurar o efeito do salário mínimo ao longo da distribuição dos salários. Significa dizer que é possível identificar se o efeito exercido pelo salário mínimo é maior entre os relativamente mais pobres ou os relativamente mais ricos”, explicou Oliveira. 

“Conforme mostram os resultados, no caso dos empregados sem carteira de trabalho, o salário mínimo apresenta maior impacto sobre o rendimento dos relativamente mais ricos e seu crescimento, ao influenciar o rendimento destes, contribuiu para aumentar a dispersão dos salários dessa categoria de empregados”.

Já as curvas de densidade de Kernel “permitem avaliar graficamente onde há uma maior concentração de rendimentos com valor igual ou próximo ao valor do salário mínimo”, disse o autor. “Assim, é possível ter uma ideia da importância do mínimo para determinada categoria de empregado. São métodos que, com os recursos computacionais disponíveis, trazem resultados mais interessantes e refinados”.

 

Fiscalização

Oliveira não acredita que o salário dos trabalhadores rurais mais pobres e sem carteira assinada tenha ficado para trás, em relação aos avanços do salário mínimo e da renda dos demais assalariados rurais, por conta de uma eventual elevação excessiva do piso. 

“Na realidade, o que se observou foi um movimento de aumento das relações de trabalho formais no setor agrícola, acompanhado a tendência geral de formalização no Brasil, principalmente a partir de 2001. Entre 1995 e 2012, enquanto houve aumento de 23% no número de empregados agrícolas com carteira de trabalho, os empregados sem carteira acumularam uma redução de 34,3%”, disse ele. “Isso mostra que o fato de o salário mínimo ter apresentando trajetória ascendente não inibiu a geração de postos de trabalho com carteira assinada, ou a transferência de empregados do segmento informal para o segmento formal”. 

“Obviamente, devemos observar o impacto do mínimo sobre os custos da mão de obra e a possibilidade de retração no emprego”, pondera. “Mas, no caso dos empregados temporários sem carteira, o descolamento do rendimento da categoria está muito relacionado com a dificuldade, ou mesmo falta, de fiscalização. Muitas das vezes é até difícil caracterizar a relação como vínculo empregatício. O setor agrícola possui particularidades que deveriam ser levadas em conta pela legislação. Toda a regulamentação do trabalho agrícola tem origem urbana e não atenta às especificidades do setor”.

Ele não teme, também, que uma fiscalização trabalhista mais rigorosa venha a causar desemprego no campo. “Nos últimos anos, observamos o aumento da fiscalização do trabalho no setor agrícola sem necessariamente a destruição de postos de trabalho”, disse. “Um exemplo interessante é o caso da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, onde houve grande avanço na formalização dos cortadores de cana, sem gerar desemprego”.

O pesquisador faz a ressalva de que “a fiscalização, por si só, não resolverá o problema dos baixos salários pagos no setor agrícola. A fiscalização deve estar atrelada a políticas de requalificação da mão de obra, aumentando as chances de uma melhor inserção no mercado de trabalho”.

A tese anota que “os empregados temporários sem carteira registraram menor escolaridade média ao longo de todo período considerado”. E prossegue: “A escolaridade dos empregados sem carteira (permanentes e temporários) deveria crescer a um ritmo mais acelerado do que é constatado. A informalidade está, geralmente, associada a baixa escolaridade e, por consequência, a menores salários. Deve-se pensar em formas de qualificação desses empregados agrícolas como uma das possibilidades de aumentar as chances de uma melhor inserção no mercado de trabalho”.

 

Desigualdade

Números apresentados na tese mostram a evolução dos rendimentos das quatro categorias de trabalhadores avaliadas ao longo do período de 1995 a 2012. “Observa-se que o rendimento médio dos permanentes com carteira é, pelo menos, 40% maior que a média dos empregados permanentes sem carteira”, diz a pesquisa, acrescentando que a taxa de crescimento do rendimento dos empregados permanentes com carteira também é maior: um aumento de 69,1% no período, ante 40,2% dos sem carteira e uma elevação real de 105,4% do salário mínimo, no mesmo intervalo.

No último ano do período analisado, 2012, o rendimento médio dos empregados permanentes com carteira assinada era 70% maior que o dos sem carteira.

Entre os trabalhadores temporários, a diferença de rendimentos entre os com carteira assinada e os sem carteira é ainda maior.  “Em 1995, a média dos temporários com carteira era aproximadamente 72% maior do que a dos sem carteira. Essa diferença sobe para 97% em 2012”, afirma a tese. “Entre 1995 e 2012, o aumento do rendimento médio real dos empregados temporários com carteira foi de 58,2%, já para os temporários sem carteira o aumento foi de 38,1%”.

Em sua conclusão, Oliveira escreve que, para os trabalhadores sem carteira assinada, “o efeito do salário mínimo é o inverso do esperado”. “Seu impacto é significativamente maior para os rendimentos da parte superior da distribuição, apresentando, inclusive, sinais negativos e estatisticamente significativos” para as faixas inferiores de renda. E, mais adiante: “Percebe-se que a maior parte desses empregados não foi beneficiada pela valorização do salário mínimo, e o comportamento da desigualdade entre esses empregados não seguiu a tendência geral de redução”.

 

Publicação

Tese: “Análise do impacto do salário mínimo sobre a distribuição de renda na agricultura brasileira: recortes segundo a posição na ocupação”
Autor: Régis Borges de Oliveira
Orientador: Rodolfo Hoffmann
Unidade: Instituto de Economia (IE)