Edição nº 598

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de maio de 2014 a 01 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 598

O combustível que vem do lixo

Engenheiro faz avaliação econômica e ambiental do aproveitamento energético de resíduos sólidos

O crescente volume de resíduos sólidos – lixo – produzido pelas sociedades modernas levou a um consenso mundial: os aterros sanitários se mostram incapazes de resolver o problema, agravado pelo não reaproveitamento desses materiais. O considerável volume de material aterrado tem esgotado as áreas disponíveis e próximas das fontes geradoras, acarretando custos adicionais e impactos ambientais que poderiam ser evitados. Nas últimas décadas foram desenvolvidas varias tecnologias que permitem que o lixo possa ser reutilizado de alguma maneira, levando ao que se conhece hoje como valorização dos resíduos, que corresponde a transformá-los em algum bem útil à sociedade. Os resíduos passam então a ter um valor econômico, acarretando diminuição do material destinado ao aterro e mitigando impactos ambientais. 

Dentre as tecnologias que permitem a valorização dos resíduos, estão as que aproveitam a energia que estes podem oferecer. Ao estudo dessas possibilidades se propôs o engenheiro Maurício Cuba dos Santos Mamede, orientado pelo professor Joaquim Eugênio Abel Seabra, do Departamento de Energia da  Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. O docente enfatiza que o trabalho situa-se no contexto energético: “A dissertação não está voltada especificamente para o aproveitamento de resíduos sólidos. No Brasil existe uma hierarquia que envolve redução, reutilização, reciclagem, aproveitamento energético e disposição final. Neste contexto nos dedicamos ao estudo do seu aproveitamento como fonte de energia”.

Diante dessa perspectiva, Maurício dedicou-se primeiramente a fazer um levantamento das principais tecnologias utilizadas no mundo para o aproveitamento energético dos resíduos sólidos, procurando entender como funcionam e os produtos que geram. Participando de um encontro na USP com professores e técnicos suecos ele conseguiu uma estada de duas semanas no município de Boras, na Suécia, quando teve oportunidade de conhecer e visitar a usina de biogás Sobacken.

No país, que se distingue por possuir os mais avançados sistemas de aproveitamento de resíduos sólidos, que começaram a ser implantados há 30 anos, ele teve oportunidade de conhecer duas das três tecnologias que selecionara como passíveis de serem aplicadas no Brasil e lá amplamente difundidas. O programa sueco é conhecido mundialmente pelo fato de que o país apenas aterra cerca de 1% do resíduo gerado.

O pesquisador fundamentou seus estudos em experiências internacionais de sucesso que consideram a segregação dos resíduos na fonte geradora. Na Suécia, a participação da população é fundamental para o sucesso do programa. Ela é responsável por levar o material reciclável - metais, papéis, vidros, plásticos - para as centrais de reciclagem onde, sob a responsabilidade de fabricantes, é coletado e devidamente destinado, e por segregar o restante, em duas frações, colocando-os em sacos de cores diferentes: nos pretos é recolhido o material orgânico, biodegradável, que corresponde à parte úmida; nos brancos são juntados os rejeitos, que constituem a parte seca, combustível, não sujeita à reciclagem.

A usina de biogás de Sobacken processa, em reatores anaeróbios, somente a fração orgânica, biodegradável, dos resíduos domiciliares e industriais, gerando biogás, utilizado como combustível veicular, e composto orgânico, que substitui o fertilizante químico em plantações rurais.

No município de Boras (Suécia), que tem aproximadamente 100 mil habitantes, todos os caminhões de coleta de lixo e os veículos de transporte público, são movidos pelo biogás produzido, que contém originalmente entre 60% a 70% de metano. Mas, alternativamente o biogás pode ser empregado também para a geração de energia elétrica, utilizando-se um motor estacionário.

A segunda tecnologia que o pesquisador acompanhou na Suécia foi a da incineração da parte seca oriunda do resíduo, os rejeitos (sacos brancos). Eles são queimados em uma caldeira a aproximadamente 850 graus Celsius, gerando energia térmica que, ao passar por um trocador de calor, transforma água em vapor que é então utilizado para acionar turbina que produz energia elétrica.

A terceira tecnologia por ele selecionada, e que teve oportunidade de conhecer em planta instalada em Paulínia, utiliza uma sucessão de equipamentos mecânicos que selecionam os materiais que têm maior valor energético, como plástico e papel, removendo o que possa comprometer a queima, como vidro, matéria orgânica, etc. Essa tecnologia dá origem ao combustível sólido (combustível derivado de resíduo – CDR) que é utilizado como substituo do óleo combustível na indústria.
O estudo
A partir dessas pesquisas prévias, o autor identificou possibilidades de obter dois produtos energéticos a partir dos resíduos sólidos: energia elétrica e combustível, combinando duas das três tecnologias estudadas em cada um desses cenários. Para o cenário eletricidade, ele associou a utilização do biogás em motor estacionário e a incineração. No cenário combustível adotou o uso do biogás veicular e o combustível derivado de resíduo (CDR). Diante desses cenários, diz Maurício, “nos perguntamos: o que é melhor produzir no Brasil a partir de resíduos, energia elétrica ou combustível? A resposta depende muito dos fatores específicos que estão envolvidos na produção convencional de energia elétrica e de combustíveis no país. Por isso mesmo, era fundamental levar em consideração as matrizes energéticas brasileiras prevalentes, a real produção e composição dos resíduos sólidos gerados por municípios brasileiros, além de aspectos regionais de preços de produção”. 

O estudo partiu de relatório governamental que apresenta dados sobre a composição de resíduos sólidos de 93 municípios brasileiros, baseando-se em 81 deles por questões de compatibilidade e confiabilidade.

Dados de 2012 apontam que das 62,730 milhões de toneladas de resíduos sólidos produzidos no Brasil, 90% foram coletadas, sendo 58% destas encaminhadas a aterros sanitários e 48% tiveram destinação inadequada, ocasionando danos e degradação ao ambiente.

Para mitigar esta situação, a lei federal 12.305 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), obriga que até agosto de 2014 haja a substituição de lixões e aterros controlados por aterros sanitários – técnica de disposição que utiliza princípios de engenharia para minimizar impactos ambientais. Entretanto, os municípios têm encontrado dificuldades de colocar em prática as disposições da lei. A propósito afirma Maurício: “O Brasil ainda continua a olhar os resíduos com uma visão de curto prazo, somente para fins de remediação, deixando a cargo dos municípios a resolução da questão. Faltam iniciativas mais concretas no âmbito nacional que estimulem a valorização dos resíduos. Na Suécia, por exemplo, o governo proibiu o aterramento das frações orgânica e combustível como forma de estimular as rotas alternativas. Mas é claro que estas propostas não surgiram do dia para a noite, mas sim fazem parte de um plano sólido de médio e longo prazo”.

Em vista do quadro delineado, o objetivo do trabalho desenvolvido por Maurício foi avaliar e discutir, utilizando ferramentas de análise ambiental e econômica, diferentes rotas para o aproveitamento energético dos resíduos sólidos no contexto brasileiro.

Levantamento de custos
Para chegar ao objetivo que se propusera o pesquisador teve de levantar custos envolvendo a implantação das tecnologias e de sua operacionalidade, além de delinear as consequências dos seus impactos ambientais. Ele fez isso através de uma análise consequencial em que procurou determinar o impacto da inserção de produtos energéticos oriundos do lixo como substituto das fontes energéticas convencionais utilizadas no país, tais como a matriz elétrica nacional, a gasolina automotiva e o óleo combustível industrial. O óleo combustível foi trocado na indústria pelo CDR, a gasolina pelo biogás veicular, e a energia elétrica pela energia da incineração e do biogás utilizado em motor estacionário. Com essa análise o autor procurou determinar como essas intervenções podem corroborar com a valorização econômica dos resíduos e a mitigação de impactos ambientais relacionados ao seu gerenciamento.

Para o levantamento econômico foram utilizados dados disponíveis na literatura sobre a necessidade de capital para instalações, custos operacionais e de manutenção para cada tecnologia. Na análise ambiental, os cenários eletricidade e combustível foram comparados em relação a sete categorias de impacto: acidificação das águas e dos solos; eutrofização dos corpos aquáticos, que corresponde ao aumento de sua matéria orgânica; aquecimento global, em função da emissão de gases de efeito estufa; depleção da camada de ozônio, em consequência da emissão de halogenados; depleção abiótica, decorrente da extração de fontes fósseis, como o petróleo; toxidade, devida à liberação de metais pesados; e oxidação fotoquímica, formação de ozônio fotoquímico.

Conclusões
Os resultados de todas essas análises apontou o cenário combustível como o mais promissor para o Brasil. Maurício explica que as consequências ambientais mostraram-se favoráveis aos combustíveis porque o deslocamento da gasolina e do óleo combustível, que são fósseis, gera benefícios ambientais maiores que a matriz elétrica brasileira. Por outro lado, do ponto de vista econômico, apesar de produzir combustível a partir do biogás seja mais complexo, os benefícios econômicos decorrentes de sua comercialização como combustível veicular são maiores que sua utilização para produção de energia elétrica.

As tecnologias propostas se mostram ainda um pouco mais caras frente à utilização do aterro sanitário.  O pesquisador considera que a aplicação destas tecnologias em municípios pequenos impõe a adoção de tarifas de tratamento de resíduos sólidos municipais maiores que as praticadas em aterros sanitários ou a adoção de incentivos na comercialização das energias produzidas. Mesmo assim, se considerada a mesma tarifa de praticada em aterros sanitários, elas começam a se tornar viáveis para municípios acima de 200 mil habitantes.

Publicação
Dissertação: “Avaliação econômica e ambiental do aproveitamento energético de resíduos sólidos no Brasil”
Autor: Maurício Cuba dos Santos Mamede
Orientador: Joaquim Eugênio Abel Seabra
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

Assista vídeo produzido pela RTV Unicamp