Edição nº 598

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de maio de 2014 a 01 de junho de 2014 – ANO 2014 – Nº 598

Pesquisa sugere ações no combate à febre maculosa

Tese mapeia incidência da doença na RMC, onde é alta a taxa de letalidade

Os 19 municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC) devem estar mais atentos no sentido de estruturar ações macros e continuadas para a prevenção da febre maculosa, doença com alta letalidade, causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida pelo carrapato-estrela (Amblyomma cajennense). O alerta vem de um estudo da Unicamp, desenvolvido pela pesquisadora e médica veterinária Jeanette Trigo Nasser.

Em sua investigação, ela traçou o perfil epidemiológico, a distribuição espacial dos casos e as características dos programas de controle dos municípios da RMC. A região representou, em 2012, quase 20% dos casos confirmados no país. Para a estudiosa da Unicamp, a maioria das cidades apresenta dificuldades estruturais, de capacitação e organização na condução de ações de prevenção e controle da doença. A pesquisa, elaborada junto à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, cobriu o período de 1998 a 2012.

“Não há um programa nacional sobre febre maculosa, como, por exemplo, existe em relação à dengue. Esse quadro não deve mudar, até porque a doença está muito restrita à região sudeste. Mas na RMC ainda morre muita gente de febre maculosa. No período do estudo, a doença já teve 244 casos, com 25% de letalidade. Isso dá uma média de 16 registros por ano, com uma média de quatro mortes”, dimensiona Jeanette Nasser.

Seus estudos integraram tese de doutorado elaborada junto ao Laboratório de Análise Espacial de Dados Epidemiológicos (Epigeo), vinculado ao Departamento de Saúde Coletiva da FCM. A tese foi orientada pela docente Maria Rita Donalisio Cordeiro, que trabalha na área de saúde coletiva, com ênfase em epidemiologia de doenças infecciosas. Jeanette Nasser atua, profissionalmente, como médica veterinária nas prefeituras de Campinas e Valinhos.

“A RMC está entre as regiões do Sudeste que mais se destaca, apresentando o maior número de casos. E onde, infelizmente, a taxa de letalidade é bastante alta. Quando existe algum surto, o município, geralmente, responde bem com ações de controle. Mas depois há um silêncio e a doença retorna. E acaba matando mais gente. Isso acontece porque não há continuidade de ações, que dependem muito das administrações que entram a cada quatro anos. O que se espera é uma ação no âmbito da RMC que ultrapasse as administrações municipais. E que isso seja uma preocupação constante de saúde, com procedimentos continuados”, defende a pesquisadora.

 

Urbanização da doença  

Os estudos desenvolvidos por ela apontam que Valinhos está entre os municípios com a maior densidade de casos. Dos 244 registrados entre 1998 e 2012 na RMC, a cidade confirmou 49 infecções pelo carrapato, representando um quinto do total, entre as 19 cidades. A letalidade foi de 42,9% sobre o total. Por conta disso, a médica veterinária detalhou o padrão epidemiológico e a distribuição espacial no município. Ela explica que por ser bastante entrecortado por rios, ribeirões e córregos, Valinhos está mais vulnerável à doença.

“O rio propicia condições ambientais muito favoráveis ao vetor, o carrapato, e ao hospedeiro da febre maculosa, no caso, a capivara e os cavalos, em geral. Estes animais se deslocam pelos rios e o carrapato precisa de mato e grama para colocar seus ovos. Quando o vetor coloca o seu ovo neste ambiente, estes eclodem e fazem todo o ciclo do ‘Amblyomma cajennense’.”

Outra tendência, bastante evidente em Valinhos, é a de urbanização da doença. De acordo com a pesquisa, há registros progressivos de casos na zona urbana, em locais próximos aos rios, pastos sujos e mata ciliar degradada. Jeanette Nasser relaciona, no entanto, que o padrão de transmissão da febre maculosa em Valinhos é semelhante ao descrito em outras cidades da RMC.

“Estudos têm mostrado que a doença vem ocorrendo em regiões até então não consideradas de risco para transmissão. Não mais se restringe às áreas rurais e de mata, estando com frequência em áreas periurbanas e urbanas, inclusive parques públicos. Isso sugere que está ocorrendo uma adaptação do ciclo da doença a este tipo de ambiente”, revela.

Ela complementa que em Campinas, por exemplo, a maior intensidade de casos foi observada em área central devido a um surto em pessoas que frequentaram uma lagoa no bairro Jardim Eulina. Em Pedreira, a área de maior densidade de casos corresponde também à região central da cidade, ao longo do rio Jaguari. “Observamos ainda um padrão sazonal na distribuição da doença ao longo do ano, com o maior número de casos de junho a novembro, com pico em setembro, período em que predomina o estágio de ninfa de ‘Amblyomma cajennense’”, acrescenta.

 

Outros municípios

Campinas, Pedreira, Jaguariúna, Santa Barbara D’oeste, Vinhedo e Cosmópolis também apresentam números preocupantes segundo o estudo. Em Campinas foram registrados, no período, 72 casos. O município vem seguido por Pedreira, com 27; Jaguariúna, com 18; Santa Bárbara D’oeste, com 14 casos; Vinhedo, 13; e Cosmópolis, 10. Engenheiro Coelho foi a única cidade que não registrou infecções no período. Além destas cidades, também compõem a RMC, Americana, Artur Nogueira, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Santo Antônio de Posse e Sumaré.

Os dados levantados pela pesquisadora também demonstram, entre 1998 e 2012, um crescimento dos casos e aumento no número de municípios com registros da doença. A quantidade de pessoas infectadas saltou de três, em 1998, para 25 em 2012, com o maior pico em 2011, com 29 casos. Nos três primeiros anos do período de estudo, apenas três municípios apresentaram registro: Pedreira, Jaguariúna e Campinas. Em 2003 foram cinco municípios, passando para 13 em 2006. Ao final de 2009, 16 cidades da RMC já haviam notificado casos.

“A contribuição do meu estudo está, justamente, em localizar espacialmente onde as pessoas, provavelmente, foram infectadas pela febre maculosa. A minha pesquisa mapeou os locais para propor medidas de controle. Não existe nenhum outro trabalho que aponte como está a situação nos munícipios da Região Metropolitana de Campinas”, justifica a estudiosa da Unicamp.

Para elaborar o levantamento, ela buscou informações sobre os casos notificados e os locais prováveis de infecção em diversas bases de dados: no Sistema de Informação sobre Agravos Notificáveis (Sinam); nas fichas de investigação epidemiológicas disponibilizados pelo Grupo de Vigilância Epidemiológica (GVE) da Superintendência de Controle de Endemias Regional (Sucen); e também em relatórios oficiais complementados por informações de técnicos que participaram da investigação dos casos. Esses dados foram georreferenciados mediante a coleta de coordenadas com auxílio do Google Earth. A partir deste trabalho, foram identificadas áreas com maior concentração de casos nos municípios da região por meio do estimador de densidade kernel.

 

Prevenção e controle

Uma série de ações preventivas pode ser desenvolvida para mitigar a incidência da febre maculosa na população, orienta Jeanette Nasser. “A primeira está relacionada à sensibilização e conscientização da população. Isto significa orientar quanto ao ciclo do carrapato e ao respeito à sinalização de que aquele local está infestado. É preciso também que a população faça, regularmente, a auto-inspeção no corpo”, aconselha.

Outra ação, de acordo com ela, é no sentido de estruturar uma área de vigilância epidemiológica, de modo que as notificações sejam realizadas rapidamente e que estas informações cheguem a outros setores das prefeituras, como as áreas de controle de pragas, manutenção e poda, por exemplo.

“O controle de carrapato é realizado quando não existem condições ideais para que o ciclo progrida. Portanto, o corte do mato rente ao solo, a colocação de placas informando a população sobre a presença do carrapato e o cuidado com os trabalhadores que fazem esta atividade são extremamente importantes. Existem profissionais que estão expostos por falta de equipamentos de proteção. E eles estão entre os que mais morrem”, lamenta.

 

 

Publicação

Tese: “A febre maculosa brasileira na Região Metropolitana de Campinas: sua distribuição espacial e as dificuldades das ações de prevenção e controle locais”
Autora: Jeanette Trigo Nasser
Orientadora: Maria Rita Donalisio Cordeiro
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)