Edição nº 606

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 15 de setembro de 2014 a 21 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 606

Energia elétrica na medida certa

Pesquisador desenvolve metodologia que leva em conta as variações do consumo

A energia elétrica que chega às residências, ao comércio e à indústria não tem demanda uniforme ao longo do dia e mesmo dos meses. A impossibilidade de estocá-la impõe que sua geração se dê na medida do consumo, que passa por mínimos e máximos que devem ser considerados pelas distribuidoras. Como prever e atender a essas variações de modo a evitar faltas ou desperdícios? É o que mostra a dissertação de mestrado desenvolvida pelo cientista de computação Mateus Neves Barreto, junto ao Departamento de Sistema Elétrico da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, orientada pelo professor Takaaki Ohishi, que faz “Uma abordagem para a previsão de carga crítica do Sistema Elétrico Brasileiro”.

O Sistema Elétrico Brasileiro (SEB), constituído pelas geradoras, transmissoras e distribuidoras, atende cerca de 97% da demanda de energia elétrica nacional. Com hidroelétricas distantes do grande centro consumidor, o Sudeste, e necessidade de cobrir um extenso território, o sistema impõe transmissão de larga escala capaz de garantir segurança e economia.

Como a energia elétrica constitui um insumo não estocável, há necessidade de um grande planejamento para seu uso racional, pois a previsão de produção acima da demanda leva ao desperdício – prejuízo rateado entre os consumidores – e abaixo dela pode até causar apagões.  O Operador Nacional do Sistema Elétrico Brasileiro (ONS) – com sedes nas cinco regiões brasileiras – é o organismo governamental coordenador de todos os agentes de distribuição e produção de energia elétrica. Fazendo previsões de consumo para cada hora do dia, ou até para intervalos menores, o ONS determina a quantidade de energia que as geradoras devem entregar aos agentes distribuidores durante todos os intervalos dos dias ao longo do ano.

Esse estudo é feito com base nos dados históricos que o órgão possui e nas previsões de demanda que recebe com antecedência das distribuidoras. Estas estabelecem as previsões com base nas expectativas de consumo histórico de cada uma de suas subestações que atendem bairros ou regiões. Mas desses registros acumulados ao longo do tempo constam dados que, por questões de várias ordens, nem sempre são confiáveis e precisam ser escoimados. Então há necessidade de inicialmente tratar esse histórico fornecido pelas distribuidoras, o que não se revela um problema fácil devido ao grande número de subestações. Está dificuldade é profundamente ampliada pelo fato de que essas variações de consumo devem ser determinadas em intervalos de até 15 minutos, de forma a representar com mais precisão a variação de demanda de energia elétrica. A manipulação dessa multiplicidade de dados, além de consumir muito tempo, dificulta previsões com precisão mais adequada.

A importância de prever a demanda de energia ao longo de dias e meses está totalmente ligada à escassez e à necessidade de geração. Com os reservatórios em nível baixo, o Brasil enfrenta atualmente um período de escassez.  Um planejamento de distribuição adequado à demanda é importante para que a perda seja mínima, mesmo porque no país a energia elétrica ainda é cara para o consumidor devido aos custos operacionais. O professor Takaaki esclarece que as distribuidoras compram das geradoras em leilões a energia elétrica de acordo com o consumo previsto e pagam, mesmo que não a utilizem, e é claro que esse custo é rateado entre os consumidores. 

 

Carga crítica

Para garantir segurança e economia de operação do SEB são analisadas as operações dos sistemas de geração e transmissão com alguns meses de antecedência. Estes estudos são realizados com base nas condições de cargas críticas, pois se supõem que ao suportar estas condições o sistema se mostrará capaz de apresentar nível adequado de segurança. A ideia é preparar o sistema para suportar as condições mais severas de carga. Atualmente as previsões das curvas de cargas críticas são realizadas pelos agentes de distribuição e pelo ONS empiricamente, procedimentos que, além de demandar muito tempo de técnicos e engenheiros, estão mais sujeitos a erros. Esclareça-se: as cargas críticas devem ser determinadas em relação a cada barramento de carga, que é o ponto em que a energia chega das usinas às subestações que a distribui. 

Os barramentos de carga são responsáveis pelo atendimento da demanda de energia de pequenas regiões como bairros, distritos industriais ou residenciais e locais menores. As várias agências distribuidoras brasileiras, como CPFL, Light etc., utilizam em torno de cinco mil barramentos, o que torna precário o processo manual de determinação de suas curvas críticas. Diante disso, é desejável automatizar esses processos através de metodologias que permitam previsões de curvas de cargas críticas com boa acurácia e aplicáveis a cada um dos barramentos das subestações. O estudo realizado por Mateus contribui para a simplificação do trabalho dos especialistas que passariam a ter a função de apenas validar as previsões.

Foi no desenvolvimento de uma metodologia mais funcional para esse fim que se concentrou o estudo realizado por Mateus Neves Barreto. O projeto objetivou o desenvolvimento de abordagens para a previsão mensal da curva crítica global e por barramento dos agentes do SEB. O pesquisador adianta que os erros médios absolutos próximos a 3%, decorrentes da aplicação das metodologias empregadas nas previsões das cargas críticas, podem ser considerados satisfatórios e compatíveis com procedimentos em vigor.

Takaaki lembra que até a década de 1990 não se fazia previsão em relação ao consumo por barramento. No início dos anos 2000 ele foi convidado a participar de um workshop promovido pelo ONS, no Rio, em que foram alinhados problemas que o órgão visualizava para os próximos anos. Um deles era a previsão do consumo por barramento. “Eu iniciei então os estudos nessa área e os primeiros trabalhos publicados foram desenvolvidos por Ricardo Menezes Salgado, na ocasião meu orientado de mestrado e doutorado, hoje docente da Universidade Federal de Alfenas. No mestrado ele mostrou como realizar em curto prazo a previsão de consumo de energia elétrica para o dia seguinte, hora a hora. Já com a utilização da carga crítica a preocupação foi com a previsão de consumo para meses. Essa é a grande diferença entre os trabalhos de Ricardo e Mateus, de quem Ricardo foi coorientador”.

 

Desenvolvimento e conclusões 

No trabalho, Mateus apresenta metodologias que podem ser utilizadas para a determinação da carga crítica de 15 em 15 minutos e de hora em hora. Para tanto, se valeu de todos os consumos diários de um mês e utilizou as maiores e menores cargas utilizadas em dois períodos básicos do dia: a carga leve observada no período determinado entre a primeira e oitava hora do dia e as cargas médias e pesadas consumidas nas horas restantes. A curva da carga crítica resulta da combinação das curvas determinadas pelas cargas mínimas e máximas. O termo crítico decorre do fato de que erros na determinação das cargas máximas e mínimas levam a riscos. Um sistema preparado para operar nas faixas críticas estará apto a suportar quaisquer condições de carga nesse intervalo.

Embora os agentes distribuidores de energia elétrica forneçam previsões de consumo ao ONS em relação a cada barramento, como não assumem os prejuízos decorrentes do desperdício, cumprem simplesmente a obrigação e não investem em pesquisas com vistas à maior acurácia das previsões com base nas curvas de cargas criticas. “O nosso estudo visou então desenvolver metodologias com esse objetivo, já que apenas o ONS e os agentes distribuidores trabalham com cargas críticas. Como ninguém ainda tinha se dedicado a esse estudo no Brasil não tive como utilizar referências”, diz o pesquisador.

Como já foi mencionado, a partir de dados históricos de cada barramento, que os agentes distribuidores obrigatoriamente entregam ao ONS, devidamente escoimados de erros, o pesquisador gerou curvas de cargas críticas com base em três modelos: dois deles utilizam Redes Neurais Artificiais e um terceiro Suavização Exponencial de Holt-Winters.

A partir daí o autor partiu para a validação das metodologias.  Para cada barramento, com base no histórico de cinco anos, de 2007 a 2011, ele utilizou cada um dos métodos para determinar as curvas críticas de carga de quatro anos. Com base nelas, ele previu o que deveria ter acontecido no quinto ano, cujos dados reais também dispunha para estabelecer a comparação. Os métodos utilizados levaram a erros de no máximo 5% e nos melhores resultados eles foram menores que 3%. O ONS confirmou a validade das metodologias para a criação de curvas de carga crítica.

Para Mateus, trata-se de um estudo de capital importância para o Brasil que precisa dessa metodologia cada vez mais acurada e que, por isso, quanto mais estudos forem gerados em relação a ela maior a agilidade de avaliação para o ONS. Ele acredita que o método desenvolvido possa ser aplicado para quaisquer barramentos de quaisquer agentes distribuidores, bastando que os engenheiros insiram os dados para obtenção de uma previsão confiável. Atualmente os técnicos empregam tratamentos diferentes para barramentos diferentes. A propósito, ele considera que o tratamento de dados de forma genérica, a partir de problemas específicos, com vistas a atingir bons resultados, não é uma tarefa trivial.

 

Publicação

Dissertação: “Uma abordagem para a previsão de carga crítica do Sistema Elétrico Brasileiro”
Autor: Mateus Neves Barreto
Orientador: Takaaki Ohishi
Coorientador: Ricardo Menezes Salgado
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)